Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Então é Natal, e o que você fez? 'Teoria de outubro' alivia essa pressão

Simone nos lembra que 'o ano termina e nasce outra vez'. Pensar nessa continuidade ajuda a ensaiar novas metas desde já Imagem: Reprodução

Isabella Abreu

Colaboração para VivaBem

14/10/2025 05h30

"Então é Natal, e o que você fez?", indaga Simone em seu hit natalino.

O fim de ano, para muita gente, traz a sensação amarga de não ter dado conta de cumprir todas as metas. E muita gente entra em um curioso estado mental: o de "modo de espera".

As promessas são adiadas, os projetos engavetados e a frase "vou deixar para o ano que vem" se repete quase como um mantra coletivo. Mas, nos últimos anos, um novo conceito vem ganhando força justamente para questionar esse comportamento: a chamada "teoria de outubro".

A ideia é simples: em vez de tratar os últimos meses do ano como uma corrida contra o tempo para cumprir metas antigas, a proposta é enxergar o último trimestre como um "ensaio" para janeiro —um período de ajustes e experimentos que permite adotar novos hábitos sem a pressão do Ano-Novo.

Segundo Thaís Gameiro, neurocientista pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e sócia da consultoria Nêmesis, o motivo de tantas pessoas colocarem a vida em pausa no fim do ano pode ser explicado por alguns mecanismos cerebrais.

Nosso cérebro é projetado para gastar o mínimo de energia possível. Iniciar algo novo exige esforço cognitivo e emocional grande, e a proximidade do fim do ano, com suas festas, encerramentos de ciclo e o cansaço acumulado, faz com que o cérebro interprete que é mais fácil adiar a mudança.
Thaís Gameiro, neurocientista

Além da busca pela economia de energia, há outro fator em jogo: a aversão à perda.

"Começar algo em outubro, com a sensação de tempo curto, pode gerar a percepção de que há um risco maior de não dar certo. Então preferimos esperar o Ano-Novo, com mais calma, para fazer tudo direito. É uma forma de nos protegermos da frustração", diz Thaís.

A psicóloga Aline Wolff, especialista em alto desempenho e líder das ações de saúde mental do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), complementa com um olhar comportamental.

"Outubro é o final de um macrociclo, um período naturalmente marcado por mais fadiga mental. As pessoas ficam mais orientadas a concluir etapas do que iniciar novas. É algo esperado, e o coletivo também reforça isso —os negócios desaceleram, as decisões são postergadas. É um efeito dominó."

Por que amamos começos

Ano-Novo é acompanhado pela euforia do recomeço Imagem: Anthony Rosier

Há também uma razão para o entusiasmo quase universal que acompanha o dia 1º de janeiro. Thaís explica que o chamado "efeito do novo começo" é uma resposta cerebral a marcos simbólicos.

"Quando associamos o início de ciclos, como o Ano-Novo, à ideia de recomeçar, nosso cérebro cria uma divisória entre o 'eu do passado', com seus erros, e o 'eu do futuro', cheio de potencial. Essa sensação é muito poderosa, porque libera dopamina —o neurotransmissor do prazer e da motivação."

O problema, segundo ela, é que essa motivação inicial tende a ser de curta duração. "A dopamina cai, a rotina real se instala e a falta de preparo prático faz com que as promessas se percam rapidamente. O cérebro planeja a mudança, mas não cria os caminhos neurais necessários para transformá-la em hábito", afirma.

Aline concorda que o "viés do novo começo" tem um efeito agradável. "Nosso cérebro gosta de ciclos com início, meio e fim. Essa sensação de marco de início é motivadora, porque aciona o sistema de recompensa cerebral. Mas é importante entender que a vida precisa de momentos de ação e de pausa. Não é sobre criar uma nova vida em janeiro, e sim entender o que é importante o tempo todo, alternando o agir e o descansar", diz.

Outubro como ponte neural

De acordo com Thaís, começar em outubro pode ser uma estratégia muito mais inteligente do ponto de vista neurocientífico. "Em vez de uma grande revolução em janeiro, a "teoria de outubro" nos permite criar uma ponte neural para o novo ano. Quando você começa uma pequena mudança agora, mesmo que imperfeita, está ativando as redes neurais relacionadas a esse comportamento. É como construir uma estrada, tijolo por tijolo."

Esse início antecipado reduz o impacto da barreira da inércia, aquela dificuldade que nos impede de sair do lugar. "Quando janeiro chegar, você já terá um caminho pré-existente. Vai apenas pavimentar e expandir algo que já começou, e não começar do zero", afirma.

Além disso, ela destaca que o fim do ano é o momento perfeito para experimentar sem a cobrança típica das resoluções de Ano-Novo. "Se você não conseguir meditar todos os dias, por exemplo, não há a sensação de fracasso. Você pode ajustar, aprender e tentar de novo, o que é essencial para a formação de hábitos".

E se eu estiver sem energia?

Aline lembra que, para muitas pessoas, o desafio não é falta de vontade —é cansaço.

"Se a pessoa estiver fatigada demais, novos hábitos podem não ser bem executados. Às vezes, o primeiro passo é justamente recuperar o fôlego. Descansar, tirar férias, se reconectar. As pessoas chegam exaustas em dezembro, batendo ponto em confraternizações, mas sem disposição real para se conectar."

Ou seja, começar algo novo não significa necessariamente produtividade frenética. Pode ser tão simples quanto fazer uma pausa para criar espaço mental para o que virá.

Pequenos passos, grandes efeitos

Fim do ano pode ser um ensaio para mudanças de hábitos consistentes Imagem: Baris-Ozer/Getty Images/iStockphoto

Para quem deseja aproveitar o espírito da "teoria de outubro", Thaís sugere começar por micrometas —pequenas ações que exigem o mínimo de esforço, mas que têm um impacto cumulativo enorme.

Ela recomenda exemplos práticos:

  • Para ler mais: "Em vez de 'ler um livro por semana', leia uma página por dia. Deixe o livro sempre à vista --a facilidade de acesso é crucial."
  • Para se organizar: "Arrume uma gaveta por dia ou guarde um item fora do lugar antes de dormir."
  • Para se exercitar: "Faça cinco minutos de alongamento ao acordar ou dê uma volta no quarteirão após o jantar."

Essas ações, pequenas à primeira vista, ajudam o cérebro a entender que você está no caminho certo. "Cada minivitória libera dopamina, que reforça o comportamento. É assim que a motivação se sustenta", diz a neurocientista.

Mas, além de definir hábitos possíveis, é essencial entender por que queremos mudar. A psicóloga Daniele Nazari, do Zenklub, destaca que o primeiro passo para alcançar metas é garantir que elas façam sentido para cada pessoa.

Muitas vezes, olhamos para fora --para o que o outro tem ou faz-- e acabamos nos guiando por referências que não são nossas. O segredo é a descoberta do que é relevante para o seu crescimento e o que você realimente deseja.
Daniele Nazari, psicóloga

Segundo ela, o autoconhecimento é o ponto de partida. "Meu conselho é iniciar por ele e se apropriar do que se descobre dentro de si como um direcionamento. Só assim é possível estabelecer objetivos que tenham propósito e aumentar as chances de conquista."

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Então é Natal, e o que você fez? 'Teoria de outubro' alivia essa pressão - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Equilíbrio