Ducha retal, comprimido mensal: o que está em estudo para prevenção do HIV

Em um mundo ainda sem vacina contra HIV e onde a PrEP (profilaxia pré-exposição) oral não alcança todos os públicos nem tem a aderência devida, novas estratégias são necessárias. As mais recentes são as terapias de longa duração injetáveis, como o cabotegravir, disponível no Brasil na rede privada.

O tema foi discutido em algumas sessões do 24º Congresso Brasileiro de Infectologia, realizado em setembro. Numa apresentação, a infectologista e pesquisadora Beatriz Grinsztejn mostrou outros formatos que estão em estudo, como implantes, géis, adesivos e ducha retal.

Possibilidades para o futuro

Prevenção com injeção anual. O lenacapavir já foi aprovado nos EUA e protege a pessoa por seis meses. Assim, é preciso tomar duas injeções por ano. Agora, um estudo em fase 1 testa a segurança e como ele age no corpo com aplicação anual. Apenas 20 pessoas participaram da pesquisa, que mostrou resultados que encorajam o seguimento da investigação.

Comprimido uma vez por mês. Um estudo de fase 2 da droga MK-8527 mostrou resultados promissores, com boa tolerância e segurança. A próxima fase da pesquisa vai testar a estratégia com uma pílula oral uma vez por semana. Alguns estudos mostram que há preferência por alternativas de PrEP de maior duração, como oral mensal (74%), oral diária (66%) e versão injetável (60%).

Ducha retal. Uma investigação pequena, com oito homens jovens sem HIV, avaliou segurança e aceitabilidade do produto contendo tenofovir, medicamento usado na PrEP oral. Quase 90% relataram satisfação e 75% considerariam o uso futuro.

Estratégias multifuncionais também são uma possibilidade. Uma pílula de longa ação que combina proteção ao HIV e previne gravidez está em desenvolvimento. Por enquanto, os testes foram feitos em roedores e novos estudos estão em andamento em primatas não humanos para entender melhor a concentração ideal da droga.

Estratégias de longa duração parecem ser o futuro. Buscar formas de estender ainda mais o período entre as injeções ou doses pode ajudar na aderência. A taxa de abandono da PrEP oral chega a 50% entre pessoas de 18 a 24 anos e 70% entre os menores de idade. Os motivos incluem esquecimento, estigma, preconceito, dificuldade de acesso e efeitos colaterais.

Prevenção do HIV: possibilidades em desenvolvimento, opções recém-aprovadas e recomendados e disponíveis atualmente
Prevenção do HIV: possibilidades em desenvolvimento, opções recém-aprovadas e recomendados e disponíveis atualmente Imagem: AVAC

O que já existe

PrEP oral é uma estratégia eficaz e segura. Ela consiste em tomar comprimidos que preparam o organismo para lidar com um possível contato com o HIV. O uso é indicado para qualquer pessoa sem o vírus, mas em situação de vulnerabilidade à infecção.

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Existem duas modalidades de PrEP. A diária, em que se toma o medicamento todos os dias, e a PrEP sob demanda, tomando comprimidos antes de uma possível exposição ao HIV, mas de forma prevista.

A PrEP sob demanda é indicada para pessoas que tenham habitualmente relação sexual com frequência menor do que duas vezes por semana e que consigam planejar quando a relação sexual irá ocorrer. Ministério da Saúde

PEP (profilaxia pós-exposição) protege além do HIV. A estratégia previne contra hepatites virais, sífilis e outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) após situações com risco de contágio, como violência sexual, relação sexual desprotegida (sem uso de camisinha ou com seu rompimento) e acidente ocupacional (com instrumentos perfurocortantes ou contato direto com material biológico).

No caso do HIV, a PEP é uma situação de emergência. Ela deve ser iniciada o quanto antes, no máximo em até 72 horas após o risco de exposição. A profilaxia é feita por 28 dias, e a pessoa deve ser acompanhada pela equipe de saúde, inclusive após esse período, fazendo os exames necessários.

"Se você está tomando muita profilaxia pós-exposição, provavelmente é um candidato para PrEP", disse o infectologista Ricardo Sobhie Diaz a VivaBem. "Não dá para a gente achar que PEP é tratamento. PEP é uma prevenção", completou Renata Zomer, presidente do congresso este ano.

PrEP injetável é considerada uma revolução. Nesse formato, em vez de tomar comprimidos diariamente, a pessoa tomaria injeções com intervalos mais longos. O cabotegravir, por exemplo, é administrado a cada dois meses e pode ser uma alternativa mais prática e com eficácia superior à PrEP oral.

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A questão é que a gente gostaria que o preço dessa medicação fosse mais acessível e que o Brasil incorporasse isso logo no SUS como um compromisso. Álvaro Furtado da Costa, infectologista do Hospital das Clínicas da FMUSP

Estratégias vêm para ampliar a cobertura. O objetivo é fazer o medicamento chegar a quem não tem acesso à PrEP oral devido a barreiras sociais e estruturais. Nesse grupo, estão, por exemplo, mulheres cisgênero e trans, profissionais do sexo, homens heterossexuais, pessoas pretas, de baixa renda e população indígena.

Quem está com PrEP oral é um público básico, de homens que fazem sexo com homens, com alto poder aquisitivo ou que tem alta escolaridade. Esse público já está razoavelmente bem assistido com a PrEP oral e talvez não precise migrar para a injetável. Alexandre Naime, chefe do Departamento de Infectologia da Unesp

Todas as estratégias fazem parte da prevenção combinada. Ou seja, é preciso associar os medicamentos a outros métodos de prevenção, como o preservativo. "Mesmo que os injetáveis possam nos ajudar muito em relação à ampliação da PrEP e da adesão, eles não são uma ação mágica que vai resolver todos os problemas, e a gente precisa trabalhar o indivíduo de forma geral", disse Grinsztejn. "Acredito na composição de uma mandala com muitos produtos que possam atender a diferentes necessidades do mundo. Acho que, isoladamente, nenhum produto dá conta dessa situação."

*A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de Infectologia.

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