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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Doei 70% do meu fígado à minha filha de 2 anos e hoje ela tem vida normal'

Tatiana e Alana: mãe doou parte do fígado para a filha Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

12/10/2025 05h30

Após enfrentar dificuldades na introdução alimentar e uma sonolência excessiva, Alana foi diagnosticada com uma doença rara que impede o fígado de eliminar corretamente algumas toxinas produzidas pela digestão de proteínas. Com a condição, a menina precisava seguir uma dieta restritiva e não podia comer vários tipos de alimentos, como carne e doces.

Em 2021, a mãe de Alana, a empresária Tatiana Pinho, 38, doou 70% do seu fígado para a filha em um transplante intervivos, ou seja, quando o procedimento é realizado com um doador vivo que seja compatível.

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"O transplante curou a minha filha. Hoje em dia ela come de tudo e tem uma vida normal", comemora Tatiana, moradora de São Bernardo do Campo (SP). A VivaBem, ela compartilha a história da família.

'Dormia praticamente o dia todo'

"Tive uma gestação saudável e Alana nasceu bem, mas, aos seis meses, teve algumas dificuldades durante a introdução alimentar: comia frutas, mas recusava o almoço e o jantar. Eu fazia sopa com músculo, por exemplo, mas ela fechava a boca e não comia.

Inicialmente, achei que fosse do próprio processo da introdução alimentar que costuma ser desafiador para muitas crianças, mas essa recusa persistiu por um tempo.

A pediatra de Alana me orientou a realizar alguns testes, que consistiam em retirar determinados alimentos para observar quais ela aceitava e rejeitava. Percebi que ela não gostava de nenhum tipo de carne — como fígado, carne moída e frango — e retirei a proteína de origem animal da dieta. Ela passou a se alimentar um pouco melhor, mas ainda era um desafio.

Quando a Alana tinha por volta de 1 ano e 4 meses, uma outra mudança chamou a minha atenção. Ela sempre foi uma criança agitada, mas em alguns momentos ficava muito letárgica, sonolenta e dormia praticamente o dia todo. Tentava despertá-la, mas ela não acordava. Nessas situações, ela não tomava leite e não comia nada durante o dia, o que me deixava preocupada.

Quando isso acontecia, eu a levava ao PS, ela fazia exames de sangue, mas os resultados davam normais. No dia seguinte, Alana acordava bem, ficava estável por algumas semanas até o quadro se repetir —isso durou mais de 1 ano e nenhum médico sabia o que ela tinha.

Como a Alana ficava "apagada" durante esses episódios, desconfiei que pudesse ser algo neurológico e marquei uma consulta com uma neuropediatra. Ela solicitou novos exames, incluindo exames de função hepática para avaliar o fígado.

Ao levar os resultados para a médica, ela disse que Alana tinha encefalopatia hepática, quando o fígado não consegue eliminar as toxinas do sangue, que acabam se acumulando no cérebro.

A neuro solicitou a internação dela para investigar qual doença ela tinha [e havia causado a encefalopatia]. Alana fez uma bateria exames, entre eles um mapeamento genético. Ela foi diagnosticada com citrulinemia, uma doença genética rara que impede o fígado de eliminar corretamente as toxinas produzidas pela digestão de proteínas. Sem o tratamento, a condição pode levar a confusão mental, letargia, coma e risco de morte.

Descobri a doença quando a Alana tinha 2 anos e seis meses, mas poderia ter descoberto após o nascimento caso ela tivesse feito o teste do pezinho ampliado [capaz de detectar outras condições]. Com o diagnóstico, tudo passou a fazer sentido.

A médica explicou que os dias em que a Alana ficava muito sonolenta e letárgica eram em decorrência das crises de encefalopatia hepática desencadeadas pelo acúmulo de proteínas de origem vegetal que ela consumia.

No começo, fiquei angustiada por não saber como seria a vida dela. Nos primeiros seis meses do tratamento, Alana tomou uma medicação e seguia uma dieta restritiva que a limitava a consumir 10 gramas de proteínas por dia. Ela comia arroz, legumes e verduras de baixa incidência proteica. Pesava todos os alimentos na balança e levava a marmita dela quando saíamos para passear ou comer fora.

'Médica falou sobre o transplante'

Durante esse período Alana não teve nenhuma crise, mas a hepatologista sugeriu que ela fizesse o transplante de fígado para se curar da doença e pelo histórico de intercorrências clínicas. Segundo ela, ficaria cada vez mais difícil seguir a dieta à medida que a Alana crescesse.

Essa restrição impactaria situações do dia a dia, como ir a uma festinha de aniversário e não poder comer bolo e brigadeiro. Ao longo da vida, ela teria de se privar de comer muitas coisas para evitar uma piora da doença.

Inicialmente fiquei assustada, mas comecei a pesquisar mais informações sobre o assunto. A médica falou da possibilidade de realizar um transplante intervivos, ou seja, eu ou meu marido poderíamos doar parte do fígado para ela, já que somos compatíveis (entenda mais abaixo). Aos poucos fomos amadurecendo a ideia e no fim fui a doadora.

Após quatro meses de avaliações e exames, no dia 9 de abril de 2021 eu e a Alana fizemos o transplante de fígado intervivos no Sírio-Libanês, por meio do projeto Transplantar, uma iniciativa do hospital em parceria com o Proadi-SUS.

Doei 70% do meu fígado para a minha filha, que na época tinha 2 anos e 10 meses.

Alana tinha restrições alimentares devido a uma doença rara Imagem: Arquivo pessoal

A cirurgia e o pós-operatório foram bem-sucedidos. Alana não teve nenhuma intercorrência e no dia seguinte já estava liberada para se alimentar sem restrições.

Ela passou por um novo e longo processo de introdução alimentar. No começo, só aceitava comer ovo, mas os poucos foi aprendendo a gostar dos outros alimentos.

O transplante curou a minha filha, hoje em dia ela come de tudo e tem uma vida normal.

O fígado se regenera. Durante um ano, tem de seguir alguns cuidados, como não ingerir bebida alcoólica, não fumar, evitar gorduras. Após esse tempo, vida normal."

Entenda o transplante intervivos

É um procedimento cirúrgico em que uma parte de um órgão saudável (ou a totalidade, a depender, se o órgão for duplo, como os rins) de um doador vivo é transplantado para um paciente, explica a coordenadora médica da Gestão de Transplantes do Hospital Sírio-Libanês Betania da Silva Rocha.

Os órgãos que podem ser doados em vida são

  • O rim: modalidade mais frequente mundialmente devido à possibilidade de levar uma vida normal na presença de apenas um órgão.
  • Parte do fígado, pela sua capacidade de regeneração, quando saudável.
  • Parte do pulmão --em situações excepcionais doa-se um lobo pulmonar.
  • Parte do intestino, para situações de falência intestinal.
  • E, mais recentemente, o útero, cuja doação tem finalidade reprodutiva e não envolve um órgão vital.

Os critérios para ser doador são ser saudável, sem comorbidades, sem doenças no órgão a ser doado, e com compatibilidade sanguínea com o receptor. Além disso, o candidato deverá passar por uma avaliação médica detalhada para afastar a possibilidade de doenças que comprometam sua saúde ou a do receptor, explica Betania. Também é obrigatória uma avaliação psicológica e social. A doação pode ser feita para cônjuges e parentes de até quarto grau sem necessidade de autorização judicial. Para não parentes, é obrigatório obter uma autorização judicial e passar pelo Comitê de Ética.

O transplante intervivos surge como uma alternativa diante da escassez de órgãos doadores, ajudando a reduzir a fila de espera, já que não depende de doadores falecidos. Além disso, o procedimento é especialmente importante para crianças, que têm uma menor oferta de doadores falecidos.

Como outras cirurgias, há riscos:

  • Coleções abdominais (acúmulo de líquido na cavidade abdominal, como pus)
  • Infecção da cicatriz cirúrgica.
  • Sangramento durante ou após o procedimento.

Outras complicações menos comuns e de difícil previsão podem surgir, mas, de forma geral, a maioria dos doadores se recupera bem, sem prejuízos significativos à saúde a longo prazo.

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