Mãe congela cordão umbilical e salva vida do filho: 'Tive pressentimento'

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Quando Arthur Dantas, então com 5 anos, foi diagnosticado com aplasia grave da medula óssea —condição em que a medula deixa de produzir células sanguíneas—, a mãe, Ana Cláudia Dantas, 44, sentiu que estava diante do momento que pressentia desde os 20 e poucos anos de idade.
"Na faculdade, no estágio em oncologia pediátrica, vi uma mãe com um filho doente e tive certeza de que um dia eu passaria por isso. Tive um pressentimento", disse ela, médica psiquiatra. A lembrança daquele episódio nunca a deixou. E, quando surgiram as primeiras opções de congelamento de cordão umbilical, Ana decidiu que faria isso com os três filhos.
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O pai dela, também médico, e o ex-marido e pai de seus filhos, enfermeiro, apoiaram a decisão. "Foi natural, pois já demonstrava esse sentimento 12 anos antes de ser mãe", conta.
Ela congelou o cordão umbilical do primeiro bebê e, depois, do segundo. Mas, nessa segunda vez, um novo pressentimento apareceu.
"Tive a sensação de que ele morreria e eu ficaria apenas com minha filha mais velha." Insegura, buscou apoio espiritual e, pouco tempo depois, engravidou novamente.
O terceiro filho veio como um alívio e ali também a intuição falou mais alto: o cordão umbilical do caçula também foi congelado.
O tempo passou, e os três cordões ficaram armazenados. Até que, em maio de 2023, Arthur, o filho do meio, teve sintomas do que parecia uma gripe. Os exames iniciais sugeriam dengue, mas a mãe sabia que havia algo a mais.
"Parecia que todo mundo achava que era paranoia minha. Eu insistia com os médicos para fazer uma biópsia de medula. Dentro de mim, eu sabia."
Poucos dias depois, veio a confirmação: Arthur tinha aplasia medular grave. O menino, que nunca ficava doente, de repente precisava de um transplante para sobreviver.
Do pressentimento ao transplante
A notícia foi um choque, mas Ana já sabia qual caminho seguir. Ao conversar com os médicos sobre a necessidade de doador compatível, ela contou que havia congelado o sangue do cordão umbilical dos três filhos.
Me perguntaram: 'mas quem congela?'. E eu respondi: 'eu congelei, porque sabia que isso ia acontecer'.
Ana Cláudia Dantas
O cordão umbilical do caçula, Vitor, então com 4 anos, se mostrou 100% compatível com Arthur. O material foi utilizado integralmente, sem que fosse necessário fazer qualquer intervenção invasiva no filho caçula.
"Meu terceiro filho salvou a vida do irmão."
Menos de 40 dias após o diagnóstico, Arthur passou pelo transplante no Hospital Brasília. Foram quase 70 dias de internação e meses em isolamento, longe dos irmãos. Para Ana, a certeza de que daria certo nunca a abandonou.
Se tudo tinha feito sentido até ali, não poderia terminar de outra forma.
Ana Cláudia Dantas
Durante a recuperação do filho do meio, o caçula surpreendeu a família. "Ele dizia: 'daqui tantos dias vai acontecer alguma coisa, vai ser sinal de cura'. E acontecia. Quando a família chorava de medo, ele repetia: 'não sou eu que estou falando, foi Deus quem me contou'. Ver uma criança de 4 anos dar esperança para todos foi emocionante."
A fé e a intuição materna se uniram à ciência. Enquanto médicos acompanhavam cada resultado, a família se fortalecia com a convicção de que tudo daria certo.
Parece que o ciclo se fechou: o insight na faculdade, a decisão de congelar, o terceiro filho e a cura.
Ana Cláudia Dantas
Arthur passou pelo transplante —no corpo, as células do cordão umbilical passam a produzir células saudáveis. O sangue que havia no cordão umbilical do irmão mais novo foi suficiente para salvar sua vida.

Segundo Simone Franco, onco-hematologista pediátrica do Hospital Brasília, da Rede Américas, o procedimento segue o mesmo princípio dos transplantes com outras fontes de células-tronco, como medula óssea.
As células do cordão foram descongeladas e aplicadas por meio de um cateter ligado a uma veia central, como se fosse uma transfusão de sangue.
Antes disso, Arthur passou por um preparo com quimioterapia e imunoterapia, que serve para preparar o organismo para receber as novas células.
A vida depois da cura
Em janeiro de 2025, Arthur voltou para casa e reencontrou os irmãos. O retorno não foi simples. Devido à idade próxima, ele sentiu ciúmes ao ver seus brinquedos e roupas usados pelo caçula durante sua ausência. A família toda precisou passar por psicoterapia para se adaptar à nova fase.
Mesmo assim, a recuperação surpreendeu. Diagnosticado com altas habilidades, Arthur conseguiu acompanhar os estudos e iniciar o ano letivo sem prejuízos acadêmicos. Ainda não pode praticar esportes de contato e precisa usar máscara para evitar infecções, mas está saudável e cheio de energia.
Passei por dor e medo, mas também por uma certeza: tinha de dar certo. Hoje vejo que tudo fez sentido, e sou muito grata.
Ana Cláudia Dantas
A experiência mudou a vida de Ana. "Existe uma vida antes e uma vida depois de tudo isso. Aprendi pelo caminho mais difícil, mas aprendi para sempre."
Para ela, fica também uma mensagem às mães: confiar em sua própria intuição.
Muitas vezes dizem que é coisa da nossa cabeça, que somos superprotetoras. Mas eu nunca dei ouvidos. Se uma mãe sente, ela tem de ir atrás. Essa intuição pode salvar vidas.
Ana Cláudia Dantas
O que é aplasia medular?
Aplasia medular é um adoecimento da célula-mãe, responsável pela produção de todas as séries sanguíneas (vermelhas, brancas e plaquetas). Sintomas incluem palidez, febre, risco aumentado de infecções e sangramentos. Também podem surgir petéquias (pequenos pontos de sangramento na pele) e hematomas em locais incomuns, diferentes daqueles que aparecem em crianças apenas por quedas ou brincadeiras, explica Simone Franco, especialista em transplante medular pelo Instituto de Oncologia Pediátrica do GRAACC-Unifesp.
Doença pode ser congênita ou adquirida. Nas formas congênitas, geralmente ligadas a síndromes genéticas, o diagnóstico pode ser feito por meio de painéis genéticos. Já nas adquiridas, não há como prever quem desenvolverá a condição, embora fatores como exposição a pesticidas estejam associados.
Tratamento depende da origem e da gravidade. Nos casos congênitos, pode variar entre acompanhamento e transplante de medula óssea. Nas formas adquiridas graves, o transplante é o tratamento de escolha quando há um doador compatível; caso contrário, pode-se recorrer a imunossupressão ou a transplantes alternativos.
Caso de Arthur foi de aplasia adquirida. Com um irmão 100% compatível e o sangue de cordão previamente congelado, foi possível realizar o transplante.
Como é o congelamento do cordão umbilical
O sangue de cordão umbilical é rico em células que produzem o sangue. Ele permanece dentro da placenta após o nascimento e contém células capazes de se transformar em outros tipos de células. "Essas células podem ser captadas tanto na medula óssea quanto no cordão umbilical", explica Roberto Gil, diretor-geral do Inca (Instituto Nacional de Câncer).
Cordão é congelado em hidrogênio líquido a -80°C. Nessa temperatura, as células permanecem preservadas por tempo indeterminado. Não existe prazo máximo de armazenamento e nem restrições — qualquer pessoa pode optar por congelar o material, em bancos privados, mesmo sem histórico de doenças na família.
O congelamento pode ser útil, mas apenas em situações específicas. Ele é indicado a famílias com histórico de doenças hematológicas —como leucemias, falhas na produção de sangue e imunodeficiências. Fora dessas situações, especialistas não recomendam o congelamento apenas como forma de "seguro de vida".
As sociedades médicas não indicam o congelamento de cordão como um seguro de vida. A recomendação é armazenar apenas com indicação médica de transplante ou terapia gênica.
Adriana Seber, vice-presidente da SBTMO (Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea)
Hoje, o uso de sangue de cordão é cada vez menor. Segundo o Inca, menos de 1% dos transplantes realizados no país usam cordão umbilical. "Encontramos maneiras mais econômicas e eficazes de captar essas mesmas células na medula óssea", explica Gil. Programas de coleta de cordão umbilical deixaram de ser incentivados, já que o método mais moderno e seguro é o transplante de medula óssea de doadores compatíveis.
As células do cordão da própria criança doente não podem ser usadas em casos de aplasia. Simone Franco explica que o transplante feito com o próprio material genético do paciente não é indicado porque as células podem carregar a mesma falha que causou a doença.
Ana Cláudia pagou cerca de R$ 3 mil para cada cordão congelado. Além da taxa inicial, há uma anuidade variável conforme a empresa.


























