Metanol em bebidas: existe dose da substância que não causa danos à saúde?
Do UOL, em São Paulo
11/10/2025 05h30
O Brasil já registra mais de 250 casos sob investigação e cinco mortes confirmadas por intoxicação de bebidas adulteradas por metanol, segundo o Ministério da Saúde. Em meio à crise, especialistas alertam que qualquer quantidade da substância pode ser perigosa, se ingerida.
'Não há dose segura'
Metanol é uma substância tóxica em praticamente qualquer concentração. Semelhante ao etanol na aparência, ele é um um álcool líquido, incolor e inflamável, também conhecido como álcool metílico. Serve ainda como matéria-prima para tintas, biodiesel, resinas e solventes.
Doses entre 4 e 10 ml de metanol puro já são suficientes para causar lesões irreversíveis. De acordo com o Conselho Federal de Química, a ingestão dessa pequena quantidade pode resultar em uma cegueira permanente, por exemplo. Já 30 ml podem ser fatais, segundo a literatura médica.
Ele aparece naturalmente durante a produção de bebidas alcoólicas como resultado de processos químicos. Na destilação de produtos como gin, vodca e uísque, ele deve ser descartado e, o etanol, mantido para formar o teor alcoólico. Apesar do descarte, é natural que fique um resquício dele.
As bebidas destiladas e fermentadas já têm metanol, é inerente ao processo, mas os níveis são baixos. Alaor Almeida, farmacêutico-bioquímico do Ciatox (Centro de Informação e Assistência Toxicológica) de Botucatu.
Esse resíduo é regulado pela Anvisa e corresponde a menos de 1% da bebida final, o que o órgão considera tolerável. Pode haver no máximo 0,011 ml de metanol por 100 ml de bebida destilada contendo em média 43% de etanol —ou seja, 8,7 mg do produto. As regras para produção de cachaça estão previstas em portaria do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) e também se aplicam a outros da mesma classe.
É uma quantidade muito pequena que deve ficar, que provavelmente não resultará em nada porque será facilmente eliminada pelo corpo. Essa 'quantidade segura', então, seria o que a gente normalmente encontra nas bebidas, menos de 1%. Flavio Vichi, professor do Instituto de Química da USP
Gravidade pode variar
Qualquer concentração acima da estipulada pelas autoridades pode causar danos. Para Nancy Barbi, professora da Faculdade de Farmácia da UFRJ, apesar de haver um limite tolerável, não há como garantir uma "dose segura", já que as pessoas podem responder de forma diferente a certas doses de metanol.
Idade, peso e metabolismo são alguns dos fatores que determinam a tolerância do paciente à substância. Nancy esclarece que, quanto menor o peso e a idade, mais rápido a pessoa transformará o metanol em subprodutos tóxicos —o que significa que sentirá seus efeitos de forma mais grave.
Doenças prévias também podem ser determinantes. "Se uma pessoa tem um problema no fígado ou no rim, que são os órgãos responsáveis por essa eliminação, já demoraria mais para o metanol ser eliminado do corpo", explica a professora.
Metanol produz ácido fórmico e, por consequência, aumenta a acidez no sangue. Com isso, as funções dos órgãos ficam desreguladas. "O corpo é uma máquina que foi projetada para funcionar com um pH ideal. Quando você tem um pH muito ácido, vai hiperventilar, ter uma depressão do sistema nervoso central, vão ter distúrbios visuais, como a cegueira, até um possível colapso circulatório e morte", afirma Wagner Pacheco, do departamento de Química Analítica da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Como ocorre adulteração
Adulteração pode ocorrer quando a destilação não é realizada de forma correta. Pacheco entende que, quando o processo é feito em empresas criminosas, não há controle ou critério para o descarte devido. "Provavelmente eles não sabem disso ou não têm interesse em separar essa primeira fração, porque isso vai dar volume ao produto e não estão nem aí para isso."
Grupos criminosos também podem adulterar depois da produção. Ou seja, o metanol é adicionado propositalmente para aumentar a quantidade.
Em SP, polícia fechou uma fábrica clandestina ligada à morte de ao menos duas pessoas no estado. A fábrica foi descoberta após o dono de um bar —onde vítimas intoxicadas por metanol beberam antes de morrer— contar às autoridades que comprou os produtos em um local não autorizado, entregando o endereço da distribuidora ilegal. "Dessas duas mortes, tinha 36% de metanol na bebida que foi apreendida e (que foi) submetida à perícia cientifica", disse Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública do estado.