Teste genético pode ajudar a escolher melhor remédio, mas não vale pra tudo
Bárbara Therrie
Colaboração para VivaBem
09/10/2025 05h30
Quando tomamos uma medicação, ela percorre um verdadeiro circuito dentro do corpo até gerar o efeito esperado. Cada indivíduo tem um DNA único e isso pode afetar se um remédio funcionará bem ou se causará efeitos colaterais.
É nesse contexto que surge a farmacogenética, a ciência que estuda como as variações genéticas podem influenciar a forma como reagimos aos medicamentos.
"A partir dessa análise do DNA é possível identificar como o paciente metaboliza, ou seja, processa determinados medicamentos. Algumas pessoas podem metabolizar o remédio rápido demais, outras de forma mais lenta, algumas medicações podem ter dificuldades para chegar às células", explica Patricia Moriel, professora livre-docente do curso de farmácia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp.
Uma das maiores vantagens do teste farmacogenético é que ele proporciona um tratamento mais personalizado, eficaz e seguro, reduzindo os efeitos indesejados.
"Com o resultado, o médico pode ajustar a dose da medicação, trocar por outra que tenha mais chances de funcionar, escolher o melhor horário de uso, evitar remédios que possam causar efeitos colaterais perigosos e ainda evitar o desperdício de dinheiro com medicamentos ineficazes para os pacientes", explica Alice Cristina Rodrigues, farmacêutica-bioquímica pela USP e pesquisadora no Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston, nos Estados Unidos.
Os benefícios dos exames farmacogenômicos já são reconhecidos por especialistas no mundo todo. No Brasil, a Rede Nacional de Farmacogenética e Farmacogenômica coordena estudos e diretrizes nacionais para integrar a farmacogenética à prática clínica.
No cenário internacional, diretrizes como as do CPIC (Clinical Pharmacogenetics Implementation Consortium) e da DPWG (Dutch Pharmacogenetics Working Group) orientam os médicos sobre como usar testes genéticos para escolher o medicamento mais adequado, em áreas como oncologia, cardiologia e psiquiatria.
No tratamento de câncer de mama HER2-positivo, por exemplo, já foi identificado que uma medicação chamada trastuzumabe funciona melhor em mulheres que têm essa mutação genética específica.
Já um estudo publicado em 2022 no periódico Jama avaliou o uso de testes farmacogenéticos em pacientes com depressão e ajudou os médicos a evitar remédios com maior risco de interação genética, tornando a prescrição mais segura.
Guilherme Lopes Yamamoto, superintendente de inovação genômica e bioinformática da Dasa Genômica, destaca que a escolha do medicamento de acordo com o perfil genético do paciente pode contribuir para uma melhora clínica mais rápida, o que é de grande valor para pessoas que sofrem com dor ou que tenham doenças psiquiátricas.
Funciona para tudo?
Apesar dos bons resultados, a professora Patricia Moriel, da Unicamp, afirma, no entanto, que nem todos os medicamentos foram completamente estudados sob a ótica da farmacogenética e não existem pesquisas de alta qualidade que sustentem recomendações para todos os casos. Ou seja, ela não funciona para todos os remédios e doenças.
Na prática, estima-se que a farmacogenética consiga esclarecer cerca de 20% das falhas de eficácia ou dos efeitos colaterais.
O problema é que muitas empresas oferecem painéis muito amplos, que analisam dezenas ou centenas de variantes genéticas, só que apenas uma parte tem relevância clínica comprovada. Isso pode gerar informações confusas ou até inúteis, dificultando a interpretação pelo médico. A recomendação é priorizar os testes validados e respaldados por diretrizes reconhecidas que realmente ajudam a personalizar o tratamento.
Patricia Moriel, professora da Unicamp
Farmacogenética é útil, mas não é solução mágica
Segundo os especialistas, a resposta a um medicamento não depende apenas da genética, mas de fatores ambientais, comportamentais, estilo de vida, interações com outros remédios, adesão ao tratamento, indicação correta da classe do fármaco, entre outros.
Um exemplo é a obesidade. A genética pode predispor ao ganho de peso, mas o controle da doença depende, em grande parte, de uma mudança de hábitos, como a prática regular de exercícios físicos, ter uma alimentação saudável e, eventualmente, tratar questões psicológicas.
Além disso, outras condições, como doenças autoimunes, infecciosas, inflamatórias e neurológicas ainda dependem de abordagens clínicas tradicionais em que a genética não desempenha um papel central.
De acordo com a professora e pesquisadora Alice Rodrigues, embora a farmacogenética seja uma ferramenta poderosa que ajude na escolha de medicamentos e tratamentos, ela tem seus limites.
A farmacogenética não é uma solução mágica e nem uma 'bala de prata' que resolve todos os problemas. A genética é apenas uma parte do quadro. O acompanhamento médico e eventuais ajustes são essenciais para garantir que o paciente receba o melhor cuidado possível.
Alice Rodrigues, pesquisadora
Como o exame é feito e para quem é indicado?
O exame de farmacogenética pode ser feito por meio de uma coleta de sangue, de saliva, ou raspado bucal, em casa ou no laboratório.
O teste pode ser indicado para qualquer pessoa que vai começar a tomar ou já esteja tomando alguma medicação.
Ele pode ser especialmente útil para pacientes:
- com histórico de efeitos colaterais a medicamentos;
- pessoas que não respondem bem ao tratamento convencional;
- indivíduos que não têm boa resposta à medicação mesmo com doses altas;
- quem tem dificuldade em tolerar doses baixas;
- pessoas que tomam vários medicamentos ao mesmo tempo --múltiplas interações podem afetar sua eficácia ou segurança.
Nem sempre o teste mais caro é o melhor
O exame de farmacogenética pode variar de R$ 500 a R$ 8 mil, dependendo do tipo de teste e do laboratório.
Guilherme Yamamoto, da Dasa, ressalta que nem sempre o teste mais caro, ou o que inclui mais genes, é melhor. "A recomendação é que o exame seja sempre solicitado por um profissional de saúde e que sejam discutidos os critérios de qualidade do laboratório em que o teste será realizado."
Tem no SUS?
Atualmente, a maioria dos testes farmacogenéticos é oferecida em clínicas e laboratórios, e apenas algumas operadoras de planos de saúde cobrem esse tipo de serviço no Brasil. No Sistema Único de Saúde (SUS), os testes farmacogenéticos são realizados em situações específicas, como no tratamento de alguns tipos de câncer ou doenças raras.
Na avaliação de Patricia, a implementação dos testes farmacogenéticos no SUS enfrenta desafios, especialmente pela alta miscigenação da população brasileira. Como a maioria das diretrizes internacionais foi baseada em estudos com populações europeias ou norte-americanas, surge a dúvida: será que essas recomendações se aplicam integralmente à realidade brasileira?
Para entender melhor essa questão, Patricia coordena um grupo de pesquisa da Unicamp, em colaboração com outros centros do país, que acompanha pacientes em quimioterapia, com anemia falciforme ou que fizeram transplante de medula óssea.
A proposta é investigar como as variações genéticas, presentes em diferentes perfis populacionais, podem influenciar a resposta a alguns medicamentos específicos.
Para os especialistas, com investimento em pesquisa, tecnologia, produção local de insumos, infraestrutura, capacitação profissional e políticas públicas, os exames farmacogenéticos têm potencial e podem chegar à população brasileira de forma ampla e acessível, melhorando os resultados dos tratamentos.