'Fui operado em Curitiba por um médico que estava no Kuwait'
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Deitado na maca de um hospital em Curitiba, Brian William de Carvalho, 25, tentava controlar o nervosismo.
Luzes brancas, falas técnicas, uma tela à frente. Do outro lado do mundo, a mais de 12 mil quilômetros dali, um médico no Kuwait guiava um robô que faria o que, até então, parecia impossível: operá-lo a distância.
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"Fui operado por um médico que estava no Kuwait", resumiu Brian.
Ele passou por uma cirurgia robótica remota, realizada pelo cirurgião brasileiro Leandro Totti, que estava no Hospital Jaber Al-Ahmad, no Kuwait —com o apoio da equipe local do Hospital Cruz Vermelha, no Paraná.

O idealizador e coordenador da iniciativa foi o brasileiro Marcelo Loureiro, da Scolla Centro de Treinamento Cirúrgico, uma instituição de treinamento para cirurgias minimamente invasivas.
O feito entrou para o Guinness como um recorde de operação com maior separação geográfica entre paciente e cirurgião já realizada.
'Fiquei com medo no começo, mas confiei'
Na primeira vez que Brian ouviu o diagnóstico de hérnia inguinal, no fim de 2024, imaginou que passaria por uma cirurgia convencional. Desde junho de 2023, o administrador sentia dores constantes na virilha.
A hérnia ocorre quando há o deslocamento de uma alça do intestino por meio de um orifício que se forma na parede abdominal, na região da virilha. A cirurgia é o único tratamento eficaz para as hérnias, especialmente na fase precoce da doença.

O diagnóstico de Brian foi confirmado em consultas realizadas em unidades públicas no ano passado, e o procedimento só foi autorizado quase um ano depois.
Quando soube que a operação seria feita com o auxílio de um robô, ficou tranquilo —até descobrir que o médico que comandaria o equipamento não estaria nem no mesmo país.
De início, eu achei que seria só uma cirurgia robótica normal. Mas, quando falaram que o doutor estaria em outro continente, eu pensei: será que é seguro? Será que vai dar certo? Ele não ia estar ali pessoalmente, mas controlando tudo de uma tela 3D. A gente se pergunta: e se a internet falhar? E se algo der errado?
Brian William de Carvalho
Antes do procedimento, ele foi tranquilizado pela equipe médica. Havia uma equipe completa de cirurgiões e enfermeiros no centro cirúrgico, prontos para intervir no que fosse necessário.
"Os médicos me explicaram que, se houvesse qualquer problema, fariam a cirurgia de modo convencional. Isso me deixou mais calmo. E, sinceramente, saber que eu estava ajudando a abrir portas para um avanço desses me deixou confiante", disse o administrador.
Cirurgia feita com precisão
A operação, que durou pouco mais de uma hora, foi controlada a partir de uma estação remota no Kuwait, por meio de uma conexão de alta velocidade e baixa latência (pouco atraso).
O robô reproduziu em tempo real cada movimento das mãos do cirurgião, com uma precisão que, segundo especialistas, chega a ser superior à do toque humano.
"O sistema permite que o médico opere com visão tridimensional, controle total dos instrumentos e uma estabilidade que elimina tremores naturais da mão humana. É uma revolução, especialmente para regiões que não têm especialistas por perto", disse Loureiro a VivaBem.
Segundo o médico, o objetivo era comprovar, com segurança, que a telecirurgia pode ser uma realidade viável no país.
O Kuwait foi o país escolhido para este feito, pois já havia uma relação sólida científica entre cirurgiões brasileiros e os do país
O Brasil é um país continental. Imagine um cirurgião experiente em Curitiba podendo atender pacientes de Manaus, do sertão nordestino ou de pequenas cidades do interior sem precisar viajar. Esse é o futuro que estamos testando agora.
Marcelo Loureiro
'Participei de algo inédito'

A recuperação de Brian foi tranquila. Em apenas 11 dias, ele já estava quase completamente recuperado —sem dores fortes, complicações ou restrições graves.
"Eu me senti bem desde o começo. Tomei remédio só na primeira semana e já consigo andar normalmente. Não posso fazer esforço ainda, mas, comparado com a cirurgia convencional, é muito mais leve", relata.
"Em vez de um corte grande, foram quatro pequenos pontos no abdome. Isso faz toda diferença."
O jovem, que fez a cirurgia pelo SUS, reconhece a sorte de ter participado de um procedimento que ainda não está disponível em larga escala.
"Eu nunca imaginei que uma cirurgia pelo SUS pudesse acontecer com tecnologia tão avançada. Foi uma oportunidade enorme. Fico feliz por ter dado certo e por poder contar que participei de algo inédito", diz.
'Queremos democratizar o acesso'
Para Marcelo Loureiro, o caso de Brian representa um marco para a cirurgia robótica no país. A Scolla, centro que ele comanda, vem há anos desenvolvendo programas de capacitação e integração tecnológica para conectar médicos de diferentes regiões a plataformas cirúrgicas de alta precisão.
"Essa é uma conquista coletiva, fruto de anos de investimento e preparo. Não é só sobre operar a distância —é sobre democratizar o acesso à medicina de ponta. Um paciente que mora em uma cidade pequena, distante de grandes centros, poderá ter acesso a um especialista altamente qualificado sem precisar viajar. Isso muda tudo", avaliou o cirurgião.
A equipe agora pretende ampliar o programa e realizar novos testes de conexão, com a meta de, em breve, expandir o alcance das telecirurgias robóticas no país.
'Foi tudo novo -- e deu tudo certo'
Hoje, duas semanas após o procedimento, Brian fala com gratidão e alívio.
"É estranho pensar que um médico que estava do outro lado do mundo mexeu num robô para me operar. Mas deu tudo certo. Eu estou bem, me recuperando e muito feliz."
Se tudo continuar como o esperado, ele deve retomar a rotina completa em cerca de dois meses —e já tem um novo olhar sobre a medicina.
Quando a gente passa por algo assim, percebe como a tecnologia pode salvar vidas. Eu fui o primeiro, mas espero que muitos outros possam ter essa mesma chance.
Brian William de Carvalho




























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