Vacina é coisa de adulto, sim: a idade enfraquece o sistema imunológico
Enquanto as cadernetas de vacinação infantis são atualizadas pontualmente pela maioria dos pais, os adultos esquecem que também precisam de proteção. A consequência desse descuido são surtos de doenças, aumento de internações e mais gastos com saúde pública.
A população global está envelhecendo. Estima-se que, durante esta década (de 2021 a 2030), o número de pessoas com mais de 60 anos crescerá 34% no mundo, chegando a 1,4 bilhão, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Até 2025, esse número deve alcançar 2,1 bilhões.
Conforme a idade avança, a resposta do sistema imunológico perde força, deixando os adultos mais suscetíveis a doenças infecciosas. É quase como se um idoso fosse tão frágil quanto uma criança, que ainda está desenvolvendo suas defesas. Somadas às comorbidades comuns da idade (diabetes e hipertensão, por exemplo), as consequências podem ser graves. Por isso a vacinação é essencial.
Com o envelhecimento, surgem condições médicas como diabetes, pressão alta ou problemas cardíacos, que podem impactar as defesas do corpo. Estudos indicam que, aos 50 anos, uma pessoa pode ter até sete comorbidades. Tudo isso aumenta a vulnerabilidade às doenças infecciosas. Lauriene Harrington, diretora médica de Assuntos Médicos Globais da GSK
Para Otávio Cintra, diretor médico regional de vacinas da GSK, a vacinação em adultos precisa ganhar força, já que o risco de contaminação por várias doenças —como gripe, herpes-zóster e sarampo— pode ser reduzido com alta cobertura vacinal.
"A cobertura vacinal contra influenza em adultos no Brasil não chegou a 50% em 2025. Isso aumenta significativamente as internações hospitalares, assim como o número de mortes entre pacientes que já têm outras doenças que agravam o quadro", explica Cintra.
Consequências a longo prazo para a saúde e para o bolso
"A sensação era de que um objeto estava cortando meu pescoço ou que havia uma bola de metal em minha garganta." Foi assim que uma professora do ensino fundamental nas Filipinas descreveu os sintomas de herpes-zóster, doença que só conheceu após o diagnóstico. Seu desconforto não era visível e a dor difícil de explicar. Mesmo depois da cura, sofreu com problemas crônicos e sequelas por três anos.
O herpes-zóster é causado pelo vírus adormecido da catapora. Mais comum em idosos devido à queda da imunidade, manifesta-se com dores intensas (comparáveis às da fibromialgia) e bolhas na pele. Sua sequela mais temida é a neuralgia pós-herpética: dores crônicas que persistem após a cura, como ocorreu com a professora filipina.
Ainda não há vacina contra herpes-zóster disponível no SUS. Em setembro, o Ministério da Saúde abriu consulta pública sobre a inclusão do imunizante no PNI para idosos acima de 80 anos ou adultos com mais de 18 anos imunossuprimidos. Há expectativa de que a vacina chegue à rede pública em 2026, mas nada está confirmado. Atualmente, na rede privada, ela pode custar até R$ 2.000.
Segundo levantamento do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA), 30% dos adultos terão herpes-zóster, já que 90% das pessoas acima de 50 anos têm o vírus adormecido no corpo. Só nos EUA, a doença custa aos cofres públicos US$ 1,1 milhão por ano, mas o tratamento de complicações pode chegar a US$ 2,4 bilhões anualmente.
A vacinação evita cerca de cinco milhões de mortes por ano, de acordo com a OMS. Apenas o acesso à água potável é mais eficaz na prevenção de óbitos.
Se não há doença, não há gastos. Os benefícios da vacinação vão além do bem-estar do paciente, impactando também a economia do país. Um estudo da Vaccines Europe, realizado em 2024 na Holanda, mostrou que, para cada euro investido em vacinação de adultos acima de 50 anos, o retorno era de quatro euros, considerando a redução de internações, faltas no trabalho e queda na arrecadação de impostos.
Segundo a publicação científica Health Affairs, para cada dólar investido em vacinação, países emergentes teriam um retorno de US$ 52 no período de 2021 a 2030.
Outro exemplo é o VSR (vírus sincicial respiratório), para o qual já existe vacina preventiva. Essa doença causa sintomas semelhantes a de uma gripe, mas pode ter complicações como infecção pulmonar, complicações cardíacas, piora em doenças respiratórias pré-existentes e até a morte. Ele é a principal causa de hospitalização e mortalidade entre idosos. De acordo com o CDC, cerca de 180 mil adultos são internados nos EUA anualmente, e a taxa de mortalidade pode chegar a 10 mil ao ano.
"Esses pacientes ficam até 15 dias no hospital, muitos passam pela UTI. Isso gera grande pressão sobre o sistema de saúde e recursos hospitalares, que muitas vezes são limitados. Quando não há vacinação, as consequências são imediatas, pois o vírus circula o ano todo", explica Cintra.
Convencimento é a arma do negócio
"Vacina não salva vidas. A vacinação salva", diz Harrington. Não adianta ter imunizantes disponíveis se os pacientes não querem tomá-los. As fake news trouxeram desconfiança à ciência, e agora cabe aos médicos reforçar a importância das vacinas.
Uma análise do Global Listening Project revelou que a confiança na vacinação caiu após a pandemia de covid-19. Em nove de cada dez países houve aumento da desconfiança: 25% da população passou a questionar a segurança das vacinas e 80% dos especialistas em saúde acreditam que esse número deve crescer nos próximos anos.
Clovis Arns da Cunha, professor de doenças infecciosas da UFPR (Universidade Federal do Paraná), diz que sua estratégia para conscientizar o paciente é ser direto, com imagens e dados.
Pergunto se a pessoa conhece alguém que já teve herpes-zóster. Mostro fotos, dados da doença e as formas de prevenção. Se o paciente tiver herpes-zóster após os 70 anos, pode sofrer com neuralgia por mais de um ano. Clovis Arns da Cunha
Para Rosemeri Maurici, médica coordenadora do Nupaiva (Núcleo de Pesquisa em Asma e Inflamação das Vias Aéreas) da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), é fundamental que os médicos prescrevam vacinas como fazem com medicamentos.
"Não adianta só falar. A prescrição deixa claro que o paciente precisa se vacinar. Acho isso muito importante", diz. Em sua experiência, com esse tipo de recomendação, sete em cada dez pacientes aceitam o imunizante.
Nos laboratórios, o comportamento social é visto com frustração. "Quando vejo pessoas contestando dados científicos robustos, fico decepcionada. Não tenho problema com quem faz perguntas ou busca entender se deve vacinar o filho. Mas, se for passar informação a alguém, é essencial ter referências. Com as fake news, infelizmente, muitos acreditam em dados sem respaldo", afirma Jamila Lauahed, chefe global de P&D para vacinas e diretora do Centro de P&D da Bélgica, da farmacêutica GSK.
Para a indústria e a medicina, desconstruir esse cenário negativo é um dos passos mais importantes para garantir a vacinação de adultos e crianças.
"Nós conversamos com médicos, oferecemos educação e ferramentas para que eles tenham suporte no diálogo com os pacientes. Acredito que nossa principal arma, neste caso, é a educação. Discutir com pessoas antivacina é como jogar gasolina no fogo; por isso, precisamos ser estratégicos", conclui Arnas Berzanski, vice-presidente e chefe regional de assuntos médicos de vacinas para países emergentes da GSK.
Vacinação em dia
Se perdeu sua caderneta de vacinação, pode baixar o aplicativo Meu SUS Digital para ver quais imunizantes já tomou.
Em muitos casos, apenas os mais recentes estão no registro, principalmente as de gripe e covid-19. Outra maneira de ficar em dia com a sua vacinação é a acessar o site Vacinação em Dia, escolher a sua idade, e ver quais são os imunizantes indicados.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Imunologia, essas são as vacinas indicadas para adultos entre 20 anos e mais de 60:
- SCR (Sarampo, Caxumba e Rubéola)
- Hepatite A
- Hepatite B
- dTpa
- dT
- Varicela
- Influenza
- Meningocócicas conjugadas
- Meningocócica B
- Febre amarela
- Hib
- VPC20, VPC15, VPC13
- VPP23
- Herpes-zóster (VZR)
- Dengue
- Covid-19
- VSR
*A jornalista viajou a convite da GSK.