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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Precisei de transplante após tomar remédio pra tireoide por conta própria'

Vagner teve hepatite fulminante induzida por medicamento; caso expõe risco de automedicação Imagem: Arquivo pessoal

Janaína Silva

Colaboração para VivaBem

07/10/2025 05h30

Ao tomar remédio para hipertireoidismo sem acompanhamento médico, Vagner Martins Osório, 38, teve hepatite fulminante e aplasia medular, ou seja, além do fígado comprometido, sua medula óssea deixou de produzir hemácias, leucócitos e plaquetas.

Morador de Floriano (PI), ele viajou de carro de Teresina a São Paulo, bastante debilitado, para realizar um transplante. A VivaBem, ele conta sua história.

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'Continuei tomando remédio por conta própria'

"Há quatro anos, fui diagnosticado com hipertireoidismo, uma condição comum em minha família. Antes de iniciar o tratamento, tive perda de peso, suava mesmo parado, minha pressão arterial aumentava e eu tinha arritmia. Tudo estava descontrolado.

Fui a um especialista, fiz exames, e iniciei uma medicação específica para a condição. A médica me orientou a fazer acompanhamento de três em três meses e disse que, provavelmente, só precisaria tomar o medicamento por, no máximo, dois anos. Fiz os primeiros retornos e estava tudo tranquilo.

O problema foi que, depois de dois anos, parei de acompanhar. Eu morava no interior do Piauí, e o tratamento era na capital. Com a correria do dia a dia e por me sentir bem, continuei tomando o remédio por conta própria. Desconhecia que a medicação pudesse causar outros problemas, como a agressão ao fígado.

'Meus olhos ficaram amarelos'

No início de 2024, comecei a sentir os primeiros sintomas de algo grave: mal-estar, fraqueza e urina escura. O sintoma que realmente me alertou foi a icterícia: meus olhos ficaram amarelos. Foi minha filha mais velha que notou: 'Pai, seu olho está amarelo!'. Quando me olhei no espelho, vi que era verdade.

Liguei para o meu tio, que é médico, e ele me levou a um atendimento, achando que pudesse ser algum tipo de hepatite mais comum. Fiz exames em Floriano e as taxas estavam muito alteradas, precisava ser internado para investigar a causa.

No dia 13 de março de 2024, dei entrada no pronto-socorro em Teresina. Fizemos todo tipo de exame, mas os especialistas não conseguiam encontrar a origem.

Nesse meio tempo, meu fígado continuou piorando, e desenvolvi um problema ainda mais grave: a aplasia de medula. Minha medula óssea parou de produzir sangue: não produzia mais plaquetas, glóbulos brancos e nem glóbulos vermelhos. Eu estava numa situação gravíssima e fazia transfusões de sangue diárias.

'Meu fígado não se regeneraria'

Por fim, foi realizada uma biópsia do fígado e o diagnóstico final foi: hepatite fulminante induzida por medicamento, e a responsável foi a medicação para tireoide. Minha situação estava crítica. Os médicos esperavam que meu fígado se regenerasse, mas isso já não era mais possível.

Então, meu cunhado, que também é médico, entrou em contato com um colega dele que havia se especializado em São Paulo, que o apresentou ao Lucas Nacif, cirurgião do aparelho digestivo do Hospital LeForte.

Fizemos uma consulta por telemedicina, ele teve acesso a todos os meus exames (desde que entrei em março) e foi direto: 'O órgão dele não está mais fazendo a função e nem se recupera. Será necessário transplante, e eu só consigo tratá-lo aqui em São Paulo'.

Teve início, então, outro dilema. Tentei a transferência pelo meu convênio, mas eles estavam negando e eu não podia mais esperar, pois estava muito debilitado, já quase sem me alimentar, e minha pele tinha passado do amarelo para o verde.

'Viajei deitado'

Eu não podia voar em uma companhia aérea regular. Uma UTI aérea custava cerca de R$ 150 mil. Foi então que meu tio propôs uma solução radical: 'Se você topar, a gente vai de carro. Eu faço uma mini-UTI'. Era a minha única esperança. Eu tinha certeza de que, se ficasse, eu não iria resistir.

Adaptamos um carro, contratamos um motorista. Eu fui deitado no banco da frente e o meu tio e o amigo enfermeiro foram no banco de trás. Foram 2.600 quilômetros percorridos para chegar ao hospital. Saímos no dia 6 de junho, passamos por Piauí, Bahia, Goiás e Minas Gerais, até chegar em São Paulo.

O hospital onde eu estava nos avisou que eu não resistiria à viagem, que morreria na estrada. Mas, graças a Deus, eu resisti. Cheguei ao pronto-socorro do Hospital Leforte, em São Paulo, no dia 9 de junho, por volta das 19h30.

No dia 10, passei por consulta, novos exames e fui incluído na fila do transplante. Devido à gravidade extrema, tive prioridade.

'Tinha tudo para dar errado, mas estou aqui'

Na madrugada de 12 para 13 de junho, fui para a cirurgia. O transplante foi um sucesso. Depois da cirurgia, passei um tempo na UTI e, em seguida, fui para o apartamento, recebendo alta no dia 23 de julho.

Após o transplante do fígado, não precisei do transplante de medula, que era um risco. Minha medula foi sendo estimulada, e ela conseguiu retomar a produção de hemácias e leucócitos; hoje, só preciso de tratamento e estímulo para as plaquetas. O acompanhamento com a equipe de hematologia foi fundamental.

Vagner com o médico Lucas Nacif 2 meses após a cirurgia Imagem: Arquivo pessoal

O fato de eu ser jovem e ter uma reserva física boa, pois eu jogava futebol e corria, ajudou muito a suportar o processo. Embora eu tenha ficado bastante desnutrido e perdido muita massa muscular, me recuperei rapidamente. Depois da alta, fiquei em casa de familiares para o acompanhamento inicial. Atualmente, viajo de três em três meses para São Paulo para consultas.

Retomei minha rotina: trabalho em home office na área de tecnologia, e voltei a praticar esportes. Eu só tenho a agradecer, pois, como falei, tinha tudo para dar errado, mas estou aqui.

Em dezembro, nascerá minha sexta filha. Essa gravidez aconteceu depois do transplante, o que mostra minha vontade de viver. A doação de órgãos me ofereceu uma nova chance de vida, e sou grato por isso."

Os riscos da automedicação

Uso de medicamentos precisa ser monitorado por médicos Imagem: Unsplash

O caso de Vagner reforça os riscos da automedicação. "O erro de Vagner foi negligenciar o acompanhamento médico após dois anos e continuar usando o remédio [metimazol] por conta própria", explica Lucas Nacif, do Hospital LeForte, em São Paulo.

Além disso, mesmo internado por quase um mês, ele seguiu tomando o remédio porque o problema não foi reconhecido inicialmente, levando a uma lesão mais grave.
Lucas Nacif

"O metimazol é um medicamento seguro quando usado com acompanhamento médico regular", afirma Renato Zilli, endocrinologista, membro da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e membro do corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês.

O risco maior está no uso contínuo sem supervisão, o que pode transformar um tratamento seguro em algo perigoso. Segundo o especialista, nenhum medicamento que interfere em funções vitais, como o metabolismo hormonal, deve ser mantido sem o olhar médico.

Como qualquer medicação que interfere no metabolismo hormonal, exige controle rigoroso, especialmente porque atua na síntese dos hormônios tireoidianos. O medicamento é prescrito no tratamento do hipertireoidismo, uma condição em que a glândula tireoide produz hormônios em excesso.

As complicações graves, como hepatite fulminante ou aplasia de medula óssea, são extremamente raras, mas possíveis. Estima-se que a incidência de hepatotoxicidade severa seja inferior a 1 em cada 10.000 pacientes, e de aplasia de medula, ainda menor. Apesar de raras, são reações potencialmente fatais, e por isso o acompanhamento regular é fundamental -- é ele que permite identificar alterações precoces e evitar que uma reação evolua.
Renato Zilli

A dose e o tempo de tratamento variam conforme a resposta individual e os níveis hormonais. As avaliações periódicas compreendem exames de sangue —tanto para acompanhar a função da tireoide (TSH, T4 livre, T3) quanto para monitorar possíveis efeitos colaterais, como alterações nas enzimas do fígado ou na contagem de leucócitos. Esses exames devem ser feitos com intervalos regulares, definidos pelo médico. Em casos específicos, pode ser necessário complementar com ultrassonografia ou exames de imagem da tireoide, mas o principal é o controle laboratorial e clínico.

O grande erro é a automedicação ou a continuidade do uso sem retorno ao endocrinologista.
Renato Zilli

Segundo Nacif, outras substâncias são capazes de causar hepatite fulminante (doença que causa a destruição do fígado), quando consumidas sem indicação médica e acompanhamento. O perigo aumenta com a dosagem. É o caso, por exemplo, do paracetamol, medicação de fácil acesso e que pode causar hepatite fulminante, em altas doses. Polivitamínicos e suplementos esportivos também podem sobrecarregar tanto o fígado quanto o rim, "se não houver um metabolismo que utilize essa quantidade de suplementação", afirma Nacif. Por isso, a importância também de acompanhamento nutricional.

Havia o risco de Vagner precisar também de uma nova medula, além de risco de comprometimento cerebral devido à lesão hepática avançada. "Ele foi transplantado em uma situação extremamente grave, mas, após o procedimento [do fígado], a medula respondeu ao tratamento", afirma Nacif, responsável pelo transplante do órgão. Um ano e dois meses depois, Vagner tem um fígado funcionando 100%, mas continua o acompanhamento para o estímulo da produção de plaquetas.

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