'Discurso de foco, força e fé atrapalha na motivação com exercício físico'
Exercício físico faz bem para a saúde, mas saber disso não é suficiente para aderir à prática. A decisão de permanecer no sofá ou levantar para se movimentar é influenciada por fatores internos e externos, uma saga que o pesquisador Fábio Dominski, professor na Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), destrincha no recente livro "A Jornada Psicológica do Exercício Físico".
A VivaBem, ele fala sobre as farsas do mundo fitness, os benefícios do exercício além do físico e dá caminhos para construir o hábito de se mexer mesmo com experiências anteriores negativas.
'Cérebro é saudável quando o corpo se movimenta'
Dominski lembra que os Homo sapiens de 300 mil anos atrás se movimentavam para sobreviver: caçavam alimentos e carregavam ossos de grandes animais.
Hoje, não precisamos disso, mas o movimento segue no nosso DNA, assim como poupar energia, e nosso cérebro sabe disso.
O cérebro é muito saudável quando o corpo se movimenta --na prática, não existe a separação entre corpo e mente--, mas também quer economizar energia quando percebe que é desnecessário.
Fábio Dominski
A facilidade de ter tudo à mão com mínimo esforço é cada vez maior, levando à redução dos movimentos diários, como andar e subir escadas. Assim, o exercício físico (de forma organizada e repetitiva) é o caminho possível para aumentar os níveis de movimento corporal, com vantagens que vão além da saúde e da estética.
O problema é que, atualmente, na opinião Dominski, o marketing do exercício é pouco atrativo.
'Falar que obesidade é escolha é um otimismo cruel'
Usar o otimismo por meio de frases aparentemente motivacionais, mas de forma simplista e superficial, leva falsa esperança às pessoas e pode afastá-las do exercício, diz Dominski.
Vários problemas de saúde pública são vítimas disso. O mais recente é falar que obesidade é uma escolha. Isso é um otimismo cruel absurdo. Se a gente olha também para a inatividade física ou depressão, frases superficiais como 'não fique triste' ou 'vai lá e faz' são bastante cruéis.
Fábio Dominski
O mesmo vale, segundo ele, para o clássico "foco, força e fé" ou que só precisa "fazer o que precisa ser feito".
[O discurso de foco, força e fé] gera problemas de saúde mental, porque as pessoas acham que o problema é só delas, elas se culpabilizam individualmente. Isso atrapalha a motivação das pessoas.
Fábio Dominski
Pensar que "o exemplo arrasta" também dá esperança, mas até certo ponto, diz ele.
Isso pode valer no sentido de aumentar o repertório da pessoa sobre os benefícios do exercício e também a crença de autoeficácia, ao ver alguém parecido fazendo. Mas não é nem metade do caminho. O exemplo ajuda, mas não arrasta. Não é um mecanismo tão simples de copiar, servir como modelo e dar tudo certo.
Fábio Dominski
Dominski lembra que o otimismo cruel integra o que o pesquisador Bruno Gualano, da USP, descreve: "o mundo fitness é fake". O professor na Udesc explica:
O mundo fitness não está preocupado, de fato, com sua saúde e bem-estar. Ele está preocupado com outras coisas, especialmente o lucro. Ele vende suplementos desnecessários, vende a ideia de que tem um pré-requisito para praticar exercícios, para dormir melhor, para o bem-estar geral.
Fábio Dominski
'Benefícios focados em estética não são suficientes'
Ele afirma que, às vezes, pessoas dizem treinar sem motivação, só "na base da disciplina". Engano. A motivação é o fundamento para os comportamentos que adotamos, mesmo sem vontade.
As pessoas colocam que a disciplina seria essa força, mas a verdade é que, mesmo nos dias ruins, a gente não abandona as motivações com o exercício, que são se sentir melhor, ganhar músculos, emagrecer ou ganhar aptidão cardiorrespiratória.
Fábio Dominski
Ter motivações internas para treinar, como se sentir competente e melhorar o humor, é mais potente do que motivações externas, como mudar a aparência física, diz Dominski.
Os benefícios focados em hipertrofia, emagrecimento, estética ou saúde são importantes, mas não suficientes para manter as pessoas ativas. Talvez elas estejam mais interessadas em como o exercício faz elas se sentirem do que em como o exercício pode fazer elas parecerem. E talvez elas nem queiram parecer daquele jeito, só estejam sendo manipuladas pela sociedade e redes sociais.
Fábio Dominski
Segundo ele, é por isso que muitos desistem durante o processo.
Tem muito a ver com a frustração das necessidades psicológicas: se sentir competente, autônomo e pertencente. Sem isso, fica difícil querer repetir aquilo, precisa de bastante esforço cognitivo para tentar de novo, só que uma hora fica inviável, não faz mais sentido.
Fábio Dominski
Mudanças físicas significativas e benefícios à saúde são geralmente vistos no longo prazo, mas nosso cérebro valoriza mais os ganhos no presente. Então, para Dominski, vale prestar mais atenção aos resultados imediatos, especialmente na saúde mental.
Pesquisas mostram que com 15 minutos já tem uma elevação no humor. A gente consegue também a distração para eliminar pensamentos ruminativos, redução da ansiedade e de sintomas depressivos. O desempenho mental pode ser melhorado de maneira rápida para fazer tarefas de trabalho ou de aprendizado.
Fábio Dominski
Como construir o hábito do exercício?
Algumas pessoas terão mais facilidade, outras nem tanto, principalmente se as experiências anteriores foram negativas ou inexistentes. Mudar o cenário exige esforços iniciais conscientes, diz o especialista.
Novas experiências podem construir uma memória afetiva melhor. É meio que voltar a ser criança, no sentido de se expor a alguma atividade, mesmo que seja muito simples, para tentar criar um hábito.
Fábio Dominski
Ao escolher uma prática de exercício, é importante repeti-la e planejar o momento.
Eu preciso me expor àquela situação algumas vezes, seja ir à academia ou ao lugar onde vai fazer uma caminhada, uma corrida ou tomar um café. Vai passear, não tem problema, mas é importante construir esse momento e viver as etapas de preparação: se vestir, se programar, ir com alguém.
Fábio Dominski
Aliás, fazer do exercício físico uma atividade social é valioso.
Marcar um compromisso que vá além de você talvez seja mais forte. E abrir espaço para novas experiências, no sentido de tentar de novo. Isso exige um esforço bastante grande, por isso o social é importante.
Fábio Dominski
Outra dica é começar com moderação para evitar dores intensas e lesões que podem gerar desprazer.
O exercício será feito pelo resto da vida, vai ter tempo para evoluir. É começar bem simples, bem lento, mesmo que seja abrir a porta e dar mil passos. Geralmente, as pessoas vão sentir prazer em intensidades mais moderadas, que não são tão exaustivas. As tendências no mercado fitness geralmente exploram usar pouco tempo com esforço muito grande, como levantar muito peso e correr muito rápido, mas nem todo mundo está apto a isso.
Fábio Dominski
'Medo de falhar é o receio de ser exposto'
O medo de não conseguir se exercitar no longo prazo pode fazer a pessoa nem começar. Mas de onde isso vem?
O medo de falhar é o receio de ser exposto a situações constrangedoras. É um viés que provoca ansiedade social, porque a gente acha que está todo mundo olhando pra gente quando, na verdade, as pessoas estão mais preocupadas com a vida delas. O medo também vem desse mundo fitness, de desempenho máximo sem dias ruins. As pessoas falham, é natural, mas não comentam sobre isso.
Fábio Dominski
A mente também pode querer parar no meio do exercício, mas é bom saber que se trata de uma resposta natural, e boas motivações ajudam.
A tendência geral é minimizar esforços. Talvez nossa cabeça disperse um pouco, não tenha paciência para se manter ali, porque é difícil se manter em um esforço, e o cérebro tenta reduzir a intensidade ou interromper. A psicologia do exercício coloca algumas estratégias, como falar consigo mesmo, estabelecer metas e se distrair durante esses momentos para tentar sair dessa fuga.
Fábio Dominski
Como encontrar prazer no exercício?
Dominski dá dicas:
Ter autonomia é importante.
A gente [profissionais de educação física] não erra quando deixa as pessoas selecionarem seu esforço. Elas se colocam, por padrão, numa intensidade mais confortável, mais prazerosa e mais benéfica no longo prazo.
Fábio Dominski
Vale reconhecer os pontos altos da prática.
A gente pode explorar a parte mais intensa do treino com um exercício que a pessoa goste de fazer. A gente deveria deixar as pessoas falarem mais sobre qual exercício escolher, dar opções entre os fundamentais.
Fábio Dominski
Divirta-se no processo.
O prazer pode ser derivado de a pessoa se divertir mais, às vezes sozinha, às vezes em grupo. Outros fatores têm a ver com ouvir música, que diminui percepção de esforço, e estar em ambientes ao ar livre e mais dinâmicos.
Fábio Dominski
Junte algo de que gosta mais.
Uma estratégia desenvolvida pela pesquisadora Katherine Milkman é agrupar tentações, ou seja, condicionar uma coisa que você gosta muito de fazer ao exercício. É assistir à minha série favorita enquanto faço exercício, como na esteira ou bicicleta.
Fábio Dominski
Seja autêntico.
A escolha da atividade tem um papel fundamental. Talvez corrida não seja para você, mas pode ser musculação, ioga, pilates, caminhada, dança em casa ou numa academia. Ter uma experiência afetiva positiva vai fazer diferença numa próxima decisão.
Fábio Dominski