Troca de kudos vira date: como app de corrida se tornou Tinder dos fitness

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Alguns "kudos" pra lá. Outros "kudos" pra cá. Se você não é do mundo fitness, é provável que não esteja entendendo nada.
Por trás de um aplicativo para corredores, tem rolado algo além do registro de quilômetros percorridos: a troca de likes (os tais kudos) virou um jeitinho de flertar. Sim, o Tinder —pelo menos para os mais fitness— mudou de plataforma.
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'Ele curte e te encontra correndo'
A comunicadora Thaís Padilha, 32, acorda três vezes na semana às 5 horas da manhã para correr pelo parque Ibirapuera, em São Paulo, assim como milhares que também aderiram ao esporte na última década.
Para medir a velocidade, ritmo e distância, ela usa o aplicativo Strava —conhecido como a "rede social dos fitness".
Lá, além de acompanhar seu progresso, os esportistas conseguem postar fotos de si mesmos nos treinos e também ver as fotos dos outros, em uma espécie de motivação e competição.
No Brasil, 10% da população já está na plataforma e engaja (participa) duas vezes mais do que a população de outros países, segundo dados da própria empresa.
E o aplicativo, que existe desde 2009, ganhou uma utilidade inesperada nos últimos anos —atribuída não pelos criadores, mas pelos próprios atletas. Agora, alguns deles se sentem à vontade para fazer não só investidas esportivas, mas também amorosas.
O usuário consegue, inclusive, se conectar na plataforma com pessoas que passaram por ele durante uma corrida. Isso acontece porque a localização de cada um precisa ser ativada para as métricas da atividade física serem calculadas pelo software.
O recurso, então, acaba facilitando o cruzamento de pares potencialmente românticos.
Tudo começa com as curtidas, os famosos "kudos". De like em like, somados a comentários elogiosos sobre o treino alheio, o aparente flerte pode se encerrar no meio digital ou até chegar na vida real.
O cara te adiciona, fica lá curtindo, curtindo, curtindo o que você posta e eventualmente te encontra correndo. Então ele vai te abordar pessoalmente e puxar um assunto, mas ele inicia isso no Strava. Acaba sendo um ponto de partida para ele não chegar do nada e te chamar para conversar.
Thaís Padilha
Em um desses casos, a comunicadora relata que quis marcar um date. Ela conta ter ido para o encontro com uma boa expectativa, sabendo que o pretendente tinha um gosto em comum, além de uma rotina e disciplina parecidas.
"É um critério para mim. Não consigo me relacionar com uma pessoa que seja sedentária. Ela tem de ter esse lifestyle e estar no esporte."
Comentário sobre pace virou date

A bióloga Sarah Waldschmidt, 22, também admite que passou a usar o app para flertar.
"Tinha uns meninos da minha idade na minha assessoria esportiva. Segui eles [no Strava] e eles me seguiram de volta. E aí eles começaram a curtir basicamente tudo o que eu postava."
A corredora amadora conta que recentemente puxou assunto com um cara que lhe interessava comentando sobre o pace —o ritmo de corrida dele. "A gente começou a conversar sobre pace, corrida, há quanto tempo estava correndo, quando começou. Foi só um pretexto mesmo."
Logo, o papo começou a ganhar outros contornos. "Você é muito melhor do que eu, você corre muito mais rápido", dizia um. "Eu não corro tantos quilômetros assim", dizia o outro.
"Aí eu falei: 'vamos ver, vamos marcar um date e correr juntos'. No dia seguinte, a gente se encontrou no parque. Foi um date de corrida ainda, sob a provocação de quem corria mais", lembra, rindo.
'Risco é criar spoiler imaginário'
Para especialistas, o flerte nessas plataformas tem o diferencial de que ali há um senso de pertencimento ao mesmo grupo —no caso, o mundo fitness.
Tatiane de Sá Manduca, psicóloga especialista pelo Instituto de Psiquiatria da USP, explica que a busca pelo outro costuma ser pela via da identificação. "Em um aplicativo em que as pessoas têm gostos semelhantes, parece ser mais fácil começar uma conversa, porque o primeiro passo já foi dado."
Manduca, no entanto, faz um alerta: identificação inicial não garante compatibilidade duradoura. "O único risco, talvez, é tomar um traço de identificação e criar um spoiler imaginário sobre o outro, apagando todas as diferenças que possam existir."
As corredoras Thaís e Sarah dizem que trocas genuínas por aplicativos de relacionamento, como o Tinder, estão cada vez mais difíceis. Para elas, engatar uma conversa do zero, sem muitas informações sobre a pessoa, é um desafio. O que costuma ocorrer é uma roteirização de perguntas generalizadas, que se mostra desinteressante pouco tempo depois.
Para Eliana Vaz, psicóloga e sexóloga, a conquista por meio de aplicativos fitness pode ser mais sutil e natural, diferentemente de uma espécie de "catálogo de pessoas" oferecido pelos apps de relacionamento.
Além disso, Sarah cita o estigma que ainda existe em torno das plataformas específicas para paquera. "Conhecer alguém pelo Tinder pega um pouco mal. Acham que você estava desesperada, procurando. No Strava, é só um negócio que eu estava ali, apareceu e aconteceu", argumenta a bióloga.
A minha geração está muito engajada em atividade física. E aí, a gente tende a se afastar de certas coisas, certos comportamentos, como sair muito para festa e beber. E o Tinder me remete a essas coisas.
Sarah Waldschmidt
Sarah conta que as pessoas de sua geração já flertam pelas redes. "A gente só dá curtida no story [do Instagram] mesmo. Então, os kudos no Strava seriam como a curtida no story."
Na avaliação de Vaz, esses apps nichados acabam atraindo aqueles que buscam relações mais consistentes e de menos casualidade. "Nos interesses de curto prazo, costuma pesar a aparência e a extroversão. Já para algo de longo prazo, entram em cena critérios por uma pessoa que vive uma vida parecida com a sua."



























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