Pular e correr de quatro? Quadrobics vira febre fitness, mas tem riscos

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Uma nova febre fitness no TikTok está chamando atenção: o quadrobics. A prática consiste em imitar movimentos de animais quadrúpedes —andar, correr e saltar apoiado nas mãos e nos pés. À primeira vista, parece uma mistura de exercício funcional com performance lúdica. Mas, por trás da estética viral, surgem dúvidas importantes: será que andar de quatro faz bem para o corpo humano?
O que é o quadrobics
O quadrobics surgiu em comunidades online e cresceu como um desafio físico e uma forma de expressão corporal. Os praticantes exploram superfícies variadas —de asfalto a florestas— para executar movimentos que exigem força, coordenação e agilidade. Alguns enxergam no treino uma chance de desenvolver mobilidade e consciência corporal.
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@suriiyp Lembrem-se, quadrobics é ESPORTE. Não fiquem achando que é coisa de therian não, a maior parte da comunidade faz, mas isso não significa que seja excluisivo para eles. O quadrobics dá força em todo o seu corpo, principalmente nos braços, por fazer um esforço maior nesta região. Qualquer um pode praticar #CapCut #therian #theriantropia #theriantype #therianbrazil #therianbrasil #therianbr #therian #therians #viral #fyp ? sonido original -
Mas tem benefícios?
Segundo o educador físico Ender Biscaia, treinador da Les Mills Brasil, a modalidade pode trazer certos ganhos, mas com ressalvas. Os movimentos ativam fortemente os músculos do core (abdome e lombar), além de braços, ombros, peitorais, músculos estabilizadores da escápula, glúteos e quadríceps.
"Essa integração muscular melhora a mobilidade articular de quadris, joelhos, ombros e tornozelos, a coordenação motora e favorece o controle postural constante", explica.
O movimento dinâmico e constante ainda eleva a frequência cardíaca e aumenta o gasto energético. "É um complemento lúdico, mas não substitui treinos estruturados quando o objetivo é força ou condicionamento físico", reforça Biscaia.
Já o educador físico Paulo Gentil, doutor em ciências da saúde e professor na Faculdade de Educação Física e Dança da Universidade Federal de Goiás, é ainda mais enfático em suas ressalvas: "Muitos músculos de tronco, ombros e quadris são ativados, mas em um padrão pouco funcional para humanos."
Ele explica que, para o core (centro de equilíbrio do corpo), as maiores ativações úteis ocorrem com sobrecarga em pé (agachamento, levantamento terra, carregamentos, por exemplo). "A coordenação segue o princípio da especificidade: devemos aprimorá-la nos padrões usados no dia a dia e no esporte. Ganhar coordenação em quadrupedia tem baixa transferibilidade [aplicação em movimentos úteis no dia a dia] para a maioria", acredita.

Riscos escondidos
Apesar da aparência divertida, especialistas concordam: o quadrobics está longe de ser inofensivo.
Os punhos, por exemplo, não evoluíram para sustentar o peso do corpo. "O apoio prolongado pode causar tendinite, dor na articulação dorsal, enfraquecimento da cápsula articular e até lesões em cartilagem de crescimento de crianças e adolescentes", diz João Polydoro, ortopedista especialista em medicina esportiva do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Ele conta que, neste último caso, uma lesão fisária (na placa de crescimento dos ossos) pode levar a sintomas como dor crônica, aumento da largura do punho e dificuldade de movimentação da região.
A coluna também entra na lista de preocupações. A postura inclinada, mantida por tempo prolongado, aumenta a fadiga muscular e pode agravar dores lombares ou cervicais pré-existentes, além de compensações posturais. Já os joelhos sofrem especialmente em pessoas com sobrepeso, artrose ou predisposição à condromalácia (desgaste da cartilagem que fica sob a patela).
Paulo Gentil vai além: questiona a lógica de transformar a quadrupedia em modalidade fitness. "Nossa mecânica evoluiu para produzir força em pé. Manter padrões sustentados em quatro apoios não maximiza hipertrofia e nem potência — e ainda aumenta o risco de lesões."
Superfícies duras aumentam os riscos
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O tipo de solo faz diferença. Superfícies duras, como concreto, asfalto ou terra batida, aumentam o impacto e os riscos de escoriações. Tatames de borracha, grama bem cuidada ou colchonetes reduzem o risco.
Para quem insiste em experimentar, a receita é progressão gradual até que haja força e mobilidade suficientes nas articulações, tempo reduzido de prática e atenção aos sinais do corpo: dor aguda, inchaço, dormência ou perda de força exigem pausa imediata e avaliação médica.
Além disso, recomenda-se procurar um atendimento personalizado com um profissional de educação física, que poderá integrar exercícios realmente eficazes ao treino e adaptar a atividade aos objetivos individuais.
Quem deve evitar
Crianças e adolescentes (que estão em fase de crescimento), pessoas com osteopenia ou osteoporose e indivíduos com histórico de lesões articulares estão entre os grupos que mais devem evitar a prática. O mesmo vale para sedentários e pessoas com sobrepeso.
O quadrobics não deve ser considerado um método de treino estruturado, mas sim uma prática recreativa para indivíduos com bom condicionamento. Ele exige força, estabilidade e mobilidade prévias, e não é indicado para quem tem histórico de dores ou lesões. Ender Biscaia, educador físico
Entre modismo e exercício
Em comparação com modalidades como o Animal Flow ou o primal movement, o quadrobics sai perdendo. Enquanto essas práticas têm bases metodológicas sólidas e progressões seguras, o fenômeno do TikTok nasceu sem respaldo técnico.
"O método do Animal Flow é baseado em seis componentes: mobilização de pulsos, ativações, alongamentos específicos, direcionamentos, trocas e transições para então entrar na fluidez de uma sequência de movimentos. O quadrobics apresenta no máximo dois dos seis componentes", ressalta Biscaia, que foi até Nova York aprender a modalidade Animal Flow.
"Imitar quadrúpedes não faz sentido quando já existem exercícios superiores em pé para força, condicionamento e coordenação. Não recomendaria o quadrobics para ninguém", diz Gentil.
O veredito dos especialistas consultados pela reportagem é claro: o quadrobics pode até ser divertido e gerar vídeos impressionantes, mas deve ser encarado como uma atividade lúdica, não como substituto de treino. Afinal, nossa anatomia foi projetada para caminhar de pé e insistir em andar de quatro pode custar caro às articulações.



























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