Por que primos se apaixonam? Família e inconsciente podem influenciar união

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Relacionamentos entre primos, como os de Charles Darwin, que se casou com a prima Emma Wedgwood, e Albert Einstein, com sua prima Elsa Einstein, sempre despertaram curiosidade e geraram debates. Em muitas comunidades, esse tipo de união foi —e ainda é— comum, misturando tradições familiares, proximidade afetiva e contextos culturais.
Dirceu Ferreira, 68, nasceu em São Paulo, mas suas origens estão profundamente ligadas ao interior de Portugal. "Meus pais, António e Jesuvina, eram primos de 2º grau, tinham apenas dois anos de diferença e cresceram em aldeias vizinhas, na fronteira entre Santarém e Leiria", conta.
Naquela região, marcada por um passado rural e pelo isolamento geográfico, era comum que famílias se formassem a partir de uniões entre parentes próximos. Até hoje, Dirceu lembra que possui primos, inclusive de 1º grau, que se casaram e tiveram filhos. "A maioria dos moradores compartilha o mesmo sobrenome, ancestrais e até características físicas semelhantes, o que mostra o quanto todos ali são próximos", explica.
António e Jesuvina seguiram esse caminho. Desde jovens, trabalharam juntos na lavoura, dividindo o peso das colheitas e enfrentando os mesmos obstáculos sociais que, anos mais tarde, os levariam a emigrar para o Brasil. "A rotina e as dificuldades compartilhadas fortaleceram uma parceria que, com o tempo, se transformou em intimidade e em um laço afetivo que ultrapassava a simples convivência familiar", complementa Dirceu.

Para a psicologia, não é incomum
As experiências da infância e da adolescência ajudam a moldar os padrões de relacionamento na vida adulta, mas não determinam, por si só, os vínculos amorosos ou sexuais entre primos. "O que faz diferença é a qualidade das vivências afetivas e do apego construído nesse período", explica Mariana Lombardi Novello, pediatra pós-graduada em neurociência, educação e desenvolvimento infantil pela PUC-RS.
Crescer lado a lado, visitar a mesma casa, brincar nos mesmos espaços e compartilhar longos períodos de convivência fortalece a confiança e a intimidade. A curiosidade sobre o próprio corpo e sobre o corpo alheio também desempenha papel importante nesse processo.
Mas primos não carregam a mesma proximidade familiar direta que irmãos. "Enquanto irmãos compartilham o núcleo familiar mais restrito (pais e criação conjunta), primos estão 'um passo afastados', o que permite que sentimentos de atração surjam sem conflito inconsciente intenso", explica Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves, em Salvador.
Para Sigmund Freud, o famoso médico neurologista e psicanalista austríaco, a atração por pessoas próximas, incluindo familiares distantes, faz parte do que ele chamava de "instinto de repetição" e da identificação com figuras significativas da infância. Nesse contexto, primos muitas vezes reúnem dois elementos poderosos: proximidade afetiva e segurança familiar, fatores que podem tornar a atração mais provável.

Família acaba dando uma forcinha
O impacto emocional não depende tanto do grau de parentesco, mas da forma como a convivência foi construída. "Entre primos, a proximidade familiar pode facilitar a supervisão e o acolhimento imediato dos pais. Como a experiência é vivida e conduzida pelos adultos responsáveis é que faz a diferença", explica Novello.
Quando essas descobertas acontecem em ambientes familiares, a proteção costuma ser maior. "Geralmente há maior supervisão adulta e vínculos afetivos estabelecidos, o que pode proporcionar mais segurança emocional", reforça Ana Luisa Meirelles, educadora parental pela Parenting Brasil. Segundo ela, o ambiente doméstico também permite que os pais acompanhem mais de perto e intervenham de forma educativa quando necessário.
A história da família de Dirceu ilustra bem essa dinâmica. "Os pais dos meus pais, além de primos, eram grandes amigos. Eles queriam que os filhos ficassem juntos, em vez de se casarem com pessoas de fora da família, e chegaram a influenciar o casamento, porque já se conheciam e conviviam desde cedo", relata Dirceu.
Genética influencia, mas de outra forma
A atração entre primos não é determinada pelos genes. A semelhança física ou comportamental, resultado da herança genética compartilhada, pode gerar familiaridade e conforto, mas não desperta o desejo sexual por si só.
A genética se torna relevante quando se trata dos riscos da consanguinidade, ou seja, da união entre pessoas com algum grau de parentesco. O principal risco está no aumento do risco de doenças de herança autossômica recessiva, condições que só aparecem quando uma pessoa recebe de ambos os pais cópias alteradas de um mesmo gene.
"Todos nós carregamos alguma alteração em nosso genoma capaz de modificar o funcionamento de um gene", explica a médica geneticista Cecilia Micheletti, do Laboratório DLE do Grupo Fleury. Segundo ela, casais consanguíneos compartilham, em maior ou menor grau, trechos idênticos de DNA. Quando ambos carregam a mesma alteração genética nesses trechos, a chance de transmitir doenças recessivas aos filhos aumenta.
O grau de parentesco influencia diretamente esse risco: primos de 1º grau compartilham cerca de 12,5% do DNA, enquanto parentes mais distantes apresentam porcentagens menores. Por isso, Micheletti reforça: "Para casais consanguíneos que planejam ter filhos, é indicada uma avaliação com um médico geneticista. Ele poderá calcular o risco de forma mais precisa e indicar exames específicos, em um processo chamado aconselhamento genético."
No caso de António e Jesuvina, entretanto, os filhos nasceram e se desenvolveram de forma saudável, mostrando que a consanguinidade nem sempre leva a complicações genéticas.



























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