Claudia Rodrigues: 'Pôquer me trouxe independência e autoestima lá em cima'

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Em 2000, a atriz e humorista Claudia Rodrigues recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla, uma doença autoimune e degenerativa que afeta o sistema nervoso central e compromete funções motoras e cognitivas. Desde então, ela enfrentou uma verdadeira batalha pela qualidade de vida, sempre buscando alternativas para manter a mente ativa e o corpo em movimento.
Nos últimos anos, o pôquer se tornou uma dessas importantes ferramentas. Muito mais do que um passatempo, o jogo virou parte da sua rotina. Em 2024, a International Mind Sports Association reconheceu oficialmente o pôquer como um esporte da mente, ao lado de atividades como xadrez e eSports.
Além de ser um exercício de habilidade intelectual, estratégia e tomada de decisões, aspectos que são essenciais para o desenvolvimento cognitivo, esses esportes podem, inclusive, ajudar na diminuição da progressão de doenças neurodegenerativas, como a esclerose múltipla.
A VivaBem, Claudia conta como o pôquer ajudou a melhorar sua memória, autoestima e qualidade de vida, além de proporcionar momentos inesquecíveis de superação e diversão.
'Hoje me sinto muito mais confiante'
"Comecei a jogar pôquer em 2019, quando a Adriane Bonato, minha companheira de todas as horas, me ensinou as regras. Naquela noite, ganhei dela em todas as mãos que joguei e me diverti demais. Foi aí que percebi que não era só um jogo de sorte, mas que envolvia estratégia, raciocínio e muita concentração. A Dri me incentivou a entender mais, a acompanhar os torneios pela TV e, principalmente, a participar das competições.
O pôquer se tornou um grande aliado no meu dia a dia. Ajudou muito na minha saúde: melhorou meu foco, minha memória, atenção e concentração. Foi essencial para a minha cognição. Antes de começar a jogar, esses eram pontos frágeis, por causa da esclerose múltipla, mas o jogo virou (literalmente!). Hoje, me sinto muito mais confiante, com autoestima lá em cima, acreditando que é possível superar qualquer desafio.
O mais incrível é que, nas mesas, ninguém me trata como doente. Eles jogam duro comigo, e eu gosto disso! Ao mesmo tempo em que me respeitam e entendem minhas limitações. É maravilhoso sentir a liberdade e a autonomia que o pôquer me dá, porque na mesa sou eu e eu: ninguém decide por mim, tenho que jogar e decidir o que fazer.
Me dá uma sensação maravilhosa de independência.
Jogo toda semana, é parte da minha rotina. Às vezes minha cabeça 'dá tilt' e esqueço as regras, mas é só treinar que fica automático. E quer saber? Tenho muita sorte! É raro cair da mesa, os adversários que o digam.
''Para quem vive com esclerose múltipla, eu digo: joguem pôquer''
Nesses 6 anos desde que comecei a me envolver com o esporte, tive várias experiências marcantes, mas uma das que mais me emocionou foi quando participei do BSOP Millions, em São Paulo, e joguei contra o (André) Akkari e consegui tirá-lo da mesa.
Fiquei em 4º lugar nesse dia, me senti né!? Foi um marco pra mim: uma mulher com esclerose múltipla eliminando um dos grandes nomes do pôquer.
Uma das vezes em que o pôquer me ajudou a superar uma fase difícil da doença foi quando estava bem debilitada no hospital e meu amigo Igor Federal me ligou convidando para participar de uma etapa especial para celebridades. Aquilo me deu um gás! Não queria perder aquele torneio de jeito nenhum. Fui, joguei, cheguei na mesa final e agradeci muito a ele por aquele incentivo que me ajudou a sair do fundo do poço.
Para quem vive com esclerose múltipla ou qualquer condição parecida, eu digo: joguem pôquer! No começo achei que a Dri estava louca, que um jogo de azar nunca poderia me ajudar. Mas entendi que não é só sorte; é estratégia, raciocínio, memória, foco, tudo o que minha mente precisava.
Além de tudo é divertido, faço amigos, passo raiva também porque as vezes o baralho judia —e faço o povo rir, o que não é muito difícil pra mim, né?
Recentemente estive no BSOP de Gramado (RS) e, mesmo sem ganhar dessa vez, foi maravilhoso. Indico para todo mundo que deseja ter momentos maravilhosos na vida se envolver com o pôquer, pois é fascinante. Mesmo com limitações, é possível competir de igual para igual com os melhores. O pôquer é, de verdade, um esporte inclusivo."

O que a ciência diz sobre os esportes da mente?
A lista dos esportes da mente da IMSA inclui:
- Xadrez
- Pôquer
- Bridge
- Damas
- Go
- Xiangqi
- Mahjong
- eSports
- Jogos de cartas
Silvana Sobreira Santos, neurologista, especialista em neuropsicologia e coordenadora da neurologia nos Hospitais Memorial São José e Memorial Star, da Rede D'Or Recife, explica que os esportes da mente estimulam funções importantes como raciocínio, tomada de decisão, planejamento e estratégias, fortalecendo as redes neurais.
"Jogos como o xadrez e o pôquer são formas eficazes de fortalecer a atividade cerebral, assim como o exercício físico fortalece o corpo", diz.
Esse fortalecimento ocorre, sobretudo, por meio da neuroplasticidade cerebral —a capacidade do cérebro de se reorganizar e criar novas conexões neurais em resposta a estímulos. De acordo com a médica, praticar regularmente esses esportes estimula habilidades como memória, atenção e concentração, essenciais não só para o dia a dia, mas também para lidar com o envelhecimento ou condições neurológicas.
"Quanto mais o cérebro é estimulado, mais preparado ele se torna para responder a desafios futuros", afirma.
Além disso, estudos apontam que manter o cérebro ativo com atividades intelectualmente desafiadoras pode ajudar na prevenção ou na diminuição da progressão de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e esclerose múltipla.
"A reserva cognitiva pode, sim, exercer um papel protetor ou compensatório", explica a neurologista, embora destaque que os efeitos variam conforme cada doença e indivíduo. No caso da esclerose múltipla, os esportes da mente podem ser integrados a um conjunto mais amplo de estímulos terapêuticos, inclusive medicações, contribuindo para o bem-estar e a qualidade de vida.
Lucas Elias Rosito, psicólogo especialista em psicologia do esporte e professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUC-RS, também destaca que essas atividades ajudam a desenvolver habilidades importantes como foco, atenção seletiva e regulação emocional.
"Jogos como o xadrez exigem que a pessoa mantenha o foco por um período prolongado, regulando distrações externas e internas", explica.
Além disso, lidar com decisões sob pressão, comuns nesses esportes, estimula o autocontrole emocional e a resiliência, competências essenciais para enfrentar situações adversas.
Ou seja, os benefícios dos esportes da mente vão além do estímulo cognitivo, incluindo fatores emocionais e comportamentais.
"Praticar esses jogos em grupo pode melhorar a autoestima e a autoconfiança, ao proporcionar desafios, superações e trocas positivas com outras pessoas", destaca Santos.
Já Rosito observa que essas atividades podem funcionar como ferramentas terapêuticas coadjuvantes em tratamentos de saúde mental, como nos casos de transtorno de ansiedade, depressão ou TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), estimulando a disciplina, o foco e a interação social, fundamentais para o bem-estar psicológico e cognitivo.

O que acontece no cérebro durante os esportes da mente?
Durante uma partida, múltiplas funções cognitivas entram em ação. Inicialmente, o cérebro precisa reconhecer os elementos do jogo —peças, cartas, tabuleiro— e atribuir a eles os significados previamente aprendidos. "Essa habilidade de reconhecimento, chamada gnosia, envolve os lobos occipital e parietal do cérebro, que armazenam e acessam informações visuais e espaciais adquiridas ao longo da vida", explica Silvana Sobreira Santos.
A neurologista indica que, na sequência, o lobo frontal entra em cena, responsável por planejar estratégias, tomar decisões e ativar a memória de trabalho —uma forma de memória de curto prazo que armazena e manipula informações temporariamente para uso imediato.
Já a memória de longo prazo, localizada no lobo temporal, é necessária para lembrar regras do jogo, padrões táticos e experiências anteriores, fundamentais para guiar a tomada de decisão. "Além disso, há o envolvimento da praxia, que é a capacidade de executar movimentos aprendidos. Nos jogos, isso se traduz em movimentos precisos com as mãos e dedos para manusear peças e cartas, uma função que também depende de áreas do lobo parietal", complementa.
Em resumo, jogar pôquer ou xadrez não é apenas entretenimento: é um verdadeiro exercício cerebral. Essas atividades exigem a ativação coordenada de múltiplas regiões cerebrais, o que ajuda a manter o cérebro em constante treinamento e prontidão.
"É importante lembrar, no entanto, que esses jogos devem ser praticados como atividades recreativas, sem envolver apostas, e com tempo moderado de dedicação —para que tragam benefícios reais à saúde mental", aconselha Silvana Sobreira Santos.
Tempo recomendado
Atualmente, muitos jogos que antes eram praticados manualmente, como xadrez e pôquer, migraram para plataformas digitais. Embora essas versões eletrônicas ofereçam conveniência, é importante não substituir completamente a dinâmica presencial. A interação física e social pode aumentar os benefícios cognitivos e emocionais dessas atividades.
Por isso, recomenda-se equilibrar o tempo de jogo digital e físico para maximizar os efeitos dos esportes da mente. Em relação ao tempo diário ideal, alguns estudos sugerem que cerca de 1 hora por dia pode ser suficiente para obter benefícios cognitivos sem sobrecarregar o indivíduo. Esta duração permite uma prática constante e regular, promovendo a aprendizagem de maneira saudável e eficaz.
É importante lembrar que a qualidade do tempo investido é tão crucial quanto a quantidade. Interagir pessoalmente com outras pessoas enquanto joga pode aumentar a experiência e promover sentimentos de conexão social, essencial para o bem-estar geral.
Fontes: Silvana Sobreira Santos, neurologista, mestre e doutora pela UFPE, coordenadora da neurologia nos Hospitais Memorial São José e Memorial Star, da Rede D'Or Recife, preceptora da residência em neurologia do Hospital Restauração (SUS) e especialização em neuropsicologia; e Lucas Elias Rosito, psicólogo especialista em psicologia do esporte, professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUC-RS e foi consultor do Comitê Olímpico Brasileiro nos jogos de Londres 2012 e Rio de Janeiro 2016.



























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