Papel invertido: ele pesquisa câncer e foi diagnosticado com a doença

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Vanderson Rocha, 60, diz que aprendeu a estar cercado pelo câncer. Médico hematologista, faz parte da rotina dele tratar pessoas com a doença e ele integra uma equipe que pesquisa a promissora terapia CAR-T no Brasil, usada em alguns tumores malignos.
O quanto pode, busca encarar tudo com leveza e não deixa o humor de lado: "Até meu pai é do signo de câncer e meu ascendente também é em câncer", escreveu numa publicação no Instagram. A frase era parte de um anúncio: ele foi diagnosticado com câncer.
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"Apesar de eu tratar câncer, trato câncer do sangue, como mieloma e leucemia, e tive um sarcoma, achado por acaso", disse a VivaBem. Não foi a primeira vez. Em novembro de 2020, ele teve um tumor raro de pâncreas, precisou tirar grande parte do órgão e do intestino. "A cirurgia durou 12 horas e a recuperação foi complicada."
Dessa vez, não houve sintomas mais expressivos além de febre e diarreia, mas fez uma tomografia que mostrou, perto do intestino, um indício de tumor benigno.
O exame PET Scan deu negativo, e uma biópsia foi inconclusiva, então o material genético foi enviado aos Estados Unidos para exame de biologia molecular. O resultado, em setembro passado, confirmou: sarcoma de Ewing, um câncer mais frequente em crianças e adolescentes.
Por ser um tumor que não é da minha área, a pior parte foi a ansiedade de não saber direito o diagnóstico e qual seria o tratamento. Vanderson Rocha
Outro ponto foi ser diagnosticado com um tumor mais raro em adultos. "Ainda mais eu, que trato crianças."
A descoberta de um câncer em estágio inicial é uma vantagem e, no caso dele, ter acesso a bons profissionais e tratamentos torna o cenário mais promissor. "Tive que fazer consulta fora, porque tinha poucas pessoas com experiência no Brasil", conta.
Ele conversou com profissionais na França e fez consulta virtual com médicos dos EUA para definir o melhor tratamento, que até agora incluiu cirurgia —feita logo no começo para retirada completa do tumor—, quimioterapia e radioterapia.
Vanderson participa dos estudos da terapia CAR-T para o SUS e é coordenador nacional de terapia celular da Oncologia D'Or, da Rede D'Or, onde investiga a técnica para tratar leucemias, linfomas e mieloma múltiplo. Por enquanto, o tratamento não pode ser usado para o tipo de câncer que ele tem.
Ainda assim, teve uma boa perspectiva. "Desde o início, sabia que o prognóstico era bom", afirma.
Médico-paciente
Numa rede social, Vanderson compartilha histórias de seus pacientes, que agora são mescladas com a própria jornada. Um vídeo dele tendo o cabelo raspado pela sobrinha, também hematologista, foi usado para falar sobre seu diagnóstico pela primeira vez. A transparência gerou conexão.
Não parei de trabalhar e foi importante os pacientes me verem sem barba, sem cabelo. Quando atendo pacientes, mostro meu cateter, me coloco na posição deles. Eu já me colocava no lugar deles, mas é um aprendizado contínuo. Vanderson Rocha
Ele diz que continuar trabalhando fortalece e estimula, mesmo que algumas pessoas não entendam. "Teve paciente que achou que parei de trabalhar ou aquele que não te procura porque acha que você não tem condições."
A estratégia foi se internar no fim de semana para fazer o tratamento e não prejudicar a agenda de atendimentos. Só não se apresenta pessoalmente quando está com a imunidade prejudicada, mas segue com teleconsultas ou direcionando o trabalho para a equipe.
Mas assim como qualquer paciente não especialista, Vanderson diz ter momentos de angústia e solidão. Em um dia de suas quimioterapias, ele saiu do hospital com a notícia da morte do pai. Foi para Belo Horizonte, cidade natal, no mesmo dia. "São períodos difíceis, mas a gente já viu tanto sofrimento de paciente no dia a dia, que tento levar para o paciente de forma leve, porque tem de enfrentar."
Para ele, a doença não foi um presente, mas uma oportunidade para entender tudo que se passa durante um tratamento e pensar longe.
"O câncer despertou em mim uma vontade ainda maior de lutar para que mais pessoas tenham acesso a tratamentos de primeira linha. Nunca estive tão determinado a lutar ainda mais por medicamentos mais eficientes no SUS", escreveu.
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