'Tive câncer e andei com meu útero e ovários fora do lugar por 6 meses'

Diagnosticada com câncer na pelve, a contadora e professora universitária Daniela Correa, 41, moradora de Tubarão (SC), foi submetida a uma cirurgia inovadora. O procedimento mudou o seu útero e ovários de lugar temporariamente para preservar a fertilidade durante o tratamento da doença.

Daniela conta que recebeu o diagnóstico de câncer em 2022, quando tinha 37 anos. A descoberta foi um susto para a mulher, que levava uma vida ativa e saudável.

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Os primeiros sinais de que algo não estava bem veio durante a prática de exercícios físicos. Com dores na pelve, a contadora imaginou que pudesse ser devido aos treinos de corrida de rua.

Nunca estamos preparados para um diagnóstico de um câncer. Eu sempre tive uma alimentação regrada e fazia exercícios físicos. Num primeiro momento, achei que a dor fosse devido ao esforço físico, mas percebi também que, em alguns dias, minha barriga ficava inchada, coisa que nunca havia acontecido. Foi quando decidi buscar um médico.
Daniela Correa

Risco de menopausa precoce

Com o diagnóstico confirmado, era preciso iniciar o tratamento, que além de uma cirurgia, teria sessões de radioterapia para tratar as células cancerígenas. No entanto, a radiação afetaria seu útero e ovários, comprometendo a produção hormonal e impedindo uma futura gestação.

"Apesar de eu não ter vontade de ter filhos, eu entraria em menopausa precoce devido à radioterapia. Essa interrupção dos hormônios poderia ser prejudicial à minha saúde como um todo", diz.

Nesse período, sua médica lhe apresentou a técnica de transposição uterina. O método desenvolvido como protocolo de pesquisa no Hospital Erasto Gaertner, de Curitiba, transfere os órgãos reprodutivos para a parte de cima do abdome, a fim de mantê-los intactos durante a radioterapia. Ao término do tratamento, é feita novamente a reposição do útero, trompas e ovários em seu local original.

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Órgãos foram reposicionados para o tratamento contra o câncer
Órgãos foram reposicionados para o tratamento contra o câncer Imagem: Arquivo Pessoal

"Era uma técnica que eu desconhecia, mas me senti privilegiada por ter a possibilidade de preservar meus órgãos. Vinte dias depois do meu diagnóstico, eu já estava fazendo essa cirurgia de transposição. Durante todo o tratamento, que durou seis meses, eu permaneci com meu útero e ovários em uma parte acima no abdome", conta ela.

Durante o tratamento, Daniela precisou lidar ainda com mais uma dor: a perda da mãe para a covid-19, momento, em que, segundo ela, ela precisou aprender a ressignificar a dor.

É importante entender que o diagnóstico não é um atestado de óbito e ter uma rede de apoio para superar esse momento é fundamental.
Daniela

Após seis meses de radioterapia, a contadora recebeu o diagnóstico de cura. Um novo procedimento cirúrgico para a recolocação dos órgãos reprodutivos foi necessário. Atualmente, Daniela já voltou à sua rotina, incluindo à corrida de rua.

Técnica preserva os órgãos e a fertilidade

A cirurgia de transposição uterina e de ovários tem como principal objetivo preservar a fertilidade de mulheres que passam por sessões de radioterapia. O procedimento foi desenvolvido no Brasil, em 2016, e ainda é considerado novo aqui e no mundo.

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A cirurgia é realizada com tecnologia robótica e, apesar de ser minimamente invasiva, é considerada de média complexidade. Nela, o útero, as trompas e os ovários são retirados do seu local original e reposicionados na parte de cima do abdome - acima do umbigo - para preservá-los durante o tratamento de radioterapia realizado na região pélvica.

"A técnica pode ser realizada em adultos e crianças e tem o objetivo de evitar o efeito colateral da radioterapia nessa região, que é a infertilidade ou menopausa precoce", explica a ginecologista Audrey Tsunoda, diretora da Comissão de Ginecologia Oncológica da SBCO (Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica). A médica é a responsável por realizar a cirurgia de Daniela.

Segundo a profissional, apesar da complexidade da cirurgia, os pacientes costumam receber alta até 48 horas após o procedimento e podem seguir o tratamento oncológico normalmente.

"O útero e demais órgãos continuam funcionando normalmente, mesmo reposicionados. A paciente também tem uma vida praticamente normal durante esse período", acrescenta - isso inclui, por exemplo, a menstruação, que segue ocorrendo como habitual.

A transposição pode ser indicada para pacientes que precisam de radioterapia para tratar tumores no reto, intestino, bexiga, vagina e vulva.

Ainda segundo Tsunoda, a técnica é registrada em protocolo de pesquisa, isso significa que os médicos de todo o país podem oferecê-la aos seus pacientes, desde que sigam o seu protocolo de realização.

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"Por ser uma técnica que envolve o tratamento contra tumores, são casos mais raros e o número de mulheres que passam pela cirurgia também não é muito alto. Por isso é considerado protocolo de pesquisa, mas os resultados têm sido muito satisfatórios e as pacientes tem boa qualidade de vida após o tratamento e a técnica", acrescenta.

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