Seu cabelo caiu e não cresce mais? Pode ser alopecia cicatricial

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Queda de cabelo é algo comum e que pode acontecer por estresse, alterações hormonais, fatores genéticos ou até como consequência de infecções virais, como a covid-19. Mas há um tipo específico, mais grave e menos conhecido, em que os fios caem e não voltam a crescer: é a alopecia cicatricial.
Ao contrário das formas mais comuns de queda, que permitem a recuperação dos fios com tratamento, a alopecia cicatricial provoca a destruição permanente dos folículos capilares (estruturas da pele responsáveis pelo nascimento dos pelos), que são substituídos por cicatrizes internas (fibroses), impedindo o crescimento de novos fios.
"Alopecia é um termo médico usado para expressar queda de cabelo da barba ou pelos do corpo. As alopecias podem ser classificadas em difusas ou localizadas, e em não cicatriciais e cicatriciais", explica a dermatologista Milene Vieira, do centro médico do Hospital São Rafael, da Rede D'Or, em Salvador. "Nas alopecias não cicatriciais, há retorno do crescimento após o dano ao folículo. Já nas cicatriciais, esse dano resulta em uma cicatriz definitiva", diferencia a médica.
"É um grupo de distúrbios que impede a regeneração dos folículos, e quanto mais cedo o diagnóstico, maior a chance de preservar o que ainda resta", alerta Wendell Uguetto, cirurgião plástico da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) e do Hospital Albert Einstein.
A condição pode se manifestar de forma primária, quando o próprio sistema imunológico ou uma inflamação atinge diretamente os folículos; ou secundária, como consequência de traumas, queimaduras, infecções graves ou radioterapia. "A alopecia cicatricial secundária não atinge o folículo diretamente, mas sim estruturas ao redor que acabam levando à sua destruição", explica Uguetto.
Tipos de alopecia cicatricial
Embora todas as formas de alopecia cicatricial tenham em comum a perda irreversível dos fios, as causas, os sintomas e os públicos mais afetados variam bastante. "Em 2003, uma comissão composta por dermatologistas, patologistas e pesquisadores classificou as alopecias cicatriciais quanto ao tipo de célula predominante na inflamação", afirma Milene Vieira.
Ela complementa: "Quando há predomínio de linfócitos, são exemplos alopecia frontal fibrosante, líquen plano pilar clássico, alopecia cicatricial central centrífuga e alopecia mucinosa. Quando o predomínio é o neutrófilo, as mais comuns são a foliculite decalvante e a celulite dissecante." Veja a classificação:
- Alopecia cicatricial central centrífuga (CCCA): predominante entre mulheres negras, esse tipo se inicia no topo da cabeça e avança em direção às bordas em forma circular. Está frequentemente associada ao uso de químicas capilares e penteados com tração excessiva, como tranças e rabos de cavalo apertados.
- Líquen plano pilar: um quadro autoimune intenso, que gera coceira, ardor e descamação do couro cabeludo. "A inflamação é tão agressiva que rapidamente compromete os folículos", explica o médico Wendell Uguetto.
- Alopecia mucinosa: é uma forma rara de alopecia cicatricial que se caracteriza pelo acúmulo anormal de mucina (uma substância gelatinosa) dentro e ao redor dos folículos pilosos. Ela pode surgir sem causa aparente (forma primária) ou estar associada a doenças inflamatórias ou até a certos tipos de linfoma cutâneo (forma secundária). Suas manifestações incluem placas sem pelos no couro cabeludo, rosto ou pescoço, podendo apresentar leve inchaço ou inflamação local. Quando não tratada, pode levar à destruição permanente dos folículos.
- Foliculite decalvante: causada por infecções bacterianas, essa forma envolve inflamação com pus (pústulas), dor e perda progressiva dos fios. A destruição é provocada pela resposta inflamatória crônica.
- Alopecia cicatricial secundária: surge como efeito colateral de outras agressões ao couro cabeludo: queimaduras, tumores, doenças dermatológicas graves ou até radioterapia. Aqui, o folículo é uma vítima colateral.
- Celulite dissecante: é uma condição inflamatória grave e profunda do couro cabeludo, caracterizada pelo aparecimento de nódulos dolorosos, abscessos e túneis subcutâneos que drenam pus ou sangue. A inflamação severa causa destruição progressiva dos folículos, levando à formação de cicatrizes espessas e, em alguns casos, deformações locais.
Há ainda outra classificação, a alopecia frontal fibrosante, mais comum em mulheres após a menopausa e considerada uma doença relativamente nova, descrita em 1994, e que vem crescendo em número de casos pelo mundo, afirma Milene Vieira. Nesse quadro, a queda começa discretamente na linha da testa e se espalha para pelos de outras regiões.
"A causa ainda é desconhecida, mas, por algum motivo, o organismo começa a agredir o folículo piloso, levando a uma inflamação crônica dos pelos e cabelos, cujo dano resulta numa cicatriz", explica a dermatologista de Salvador.
"A evolução dessa condição é lenta e silenciosa. Os sintomas mais comuns são rarefação ou perda dos pelos das sobrancelhas, dos cílios, do corpo, perda dos pelos da orla de implantação do cabelo —como se o couro cabeludo estivesse recuando—, afinamento da pele, presença de pelos solitários na região lateral da face e pápulas cor da pele na face", completa Milene.

O que provoca a destruição dos fios?
A resposta não é única. Diversos fatores podem desencadear a alopecia cicatricial, e entendê-los é o primeiro passo para agir.
"A alopecia cicatricial é sempre resultado de algum processo que gera inflamação, infecção ou trauma no couro cabeludo, comprometendo os folículos de forma definitiva", explica o dermatologista Ricardo H. Kitamura, coordenador médico de pós-graduação do Grupo Cruzeiro do Sul Educacional. O grande problema é que, após essa agressão, a pele forma uma cicatriz interna no lugar do folículo —e onde há cicatriz, não nasce mais cabelo.
As causas podem ser divididas em cinco grupos principais:
1. Doenças autoimunes: o corpo se volta contra si mesmo. O sistema imunológico, que deveria proteger, acaba enxergando os folículos capilares como uma ameaça e os ataca. Esse comportamento é observado em casos como o líquen plano pilar e a alopecia frontal fibrosante. "Nessas formas autoimunes, o próprio organismo é o agressor. A inflamação é tão intensa que destrói os folículos e impede o crescimento de novos fios", explica Kitamura.
2. Infecções bacterianas ou fúngicas: algumas infecções são tão agressivas que vão muito além da coceira ou da vermelhidão. Bactérias como o Staphylococcus aureus ou fungos mais profundos podem desencadear uma inflamação devastadora, como na foliculite decalvante, levando à morte do folículo.
3. Traumas físicos e químicos: penteados apertados, uso abusivo de químicas no cabelo, queimaduras ou acidentes graves também entram nessa lista. A constante tração, por exemplo, pode estar ligada à alopecia central centrífuga (CCCA), especialmente comum em mulheres negras.
4. Radiação e tumores: a exposição à radioterapia na região da cabeça, ou mesmo o crescimento de tumores cutâneos, pode interferir diretamente na saúde dos folículos, levando ao seu aniquilamento irreversível.
5. Genética e influência hormonal: embora a ciência ainda esteja desvendando esse quebra-cabeça, há fortes indícios de que fatores genéticos e hormonais também estão por trás de alguns casos, como na alopecia frontal fibrosante e na CCCA, que costuma se manifestar após a menopausa.
"A relação com hormônios e herança genética ainda está sendo estudada, mas já sabemos que há uma base predisponente em certos perfis populacionais", afirma Kitamura.
Couro cabeludo dá sinais de alerta
A alopecia cicatricial não chega sem avisar, mas os sinais muitas vezes passam despercebidos. "Sem sinal de poros onde nasce o cabelo é o principal sintoma", alerta o cirurgião Wendell Uguetto. Segundo ele, o aspecto da pele muda completamente. "As áreas ficam lisas, brilhantes e há uma perda capilar progressiva."
O problema é que os sintomas, à medida que aparecem, podem se confundir com outras formas de alopecia ou mesmo com irritações comuns do couro cabeludo. Por isso, saber identificá-los faz toda a diferença para buscar tratamento o quanto antes.
Os sintomas mais comuns incluem:
Queda de cabelo localizada e progressiva, geralmente em placas ou áreas arredondadas;
Desaparecimento dos folículos: a pele parece "zerada", lisa, brilhante e sem os orifícios por onde os fios nascem;
Sintomas inflamatórios no couro cabeludo, como coceira persistente, sensação de queimação, dor ou ardência;
Descamação, vermelhidão e crostas nas bordas da área afetada;
Pústulas (bolhas com pus) nos casos de infecção bacteriana, como a foliculite decalvante;
Manchas escuras ou cicatrizes visíveis, que surgem conforme a inflamação se torna crônica.
A inflamação pode começar antes da queda visível dos fios, por isso, sintomas como ardência e coceira persistente merecem atenção médica. Ricardo H. Kitamura, dermatologista.
Como é feito o diagnóstico?
O primeiro passo é procurar um dermatologista especializado em cabelos, chamado tricologista. O exame clínico inclui uma análise do couro cabeludo, muitas vezes com auxílio de uma lente de aumento com luz (dermatoscopia), capaz de revelar alterações invisíveis a olho nu, como inflamações ao redor dos folículos.
"O diagnóstico precoce é essencial porque a doença pode avançar rapidamente e destruir folículos saudáveis", explica o cirurgião plástico Wendell.
Quando há dúvida ou o quadro é atípico, o especialista pode solicitar uma biópsia —a retirada de um pequeno pedaço da pele para análise microscópica. Esse exame é decisivo para determinar o tipo exato de alopecia cicatricial e o grau de cicatrização da área afetada.

E o tratamento?
Não existe uma cura definitiva para a maioria das alopecias cicatriciais. Mas isso não significa que não haja o que fazer. Enquanto na alopecia não cicatricial o foco do tratamento é estimular o crescimento dos fios, na cicatricial o objetivo é conter a inflamação, controlar os sintomas (como coceira, ardência e descamação) e preservar ao máximo os folículos que ainda estão vivos —e também a autoestima.
"O objetivo é impedir que a doença continue avançando e causar mais perdas. A área que já cicatrizou, infelizmente, não se regenera", explica Wendell Uguetto. As opções terapêuticas são variadas e personalizadas conforme o tipo e a gravidade da alopecia:
Corticoides tópicos ou injetáveis, para reduzir a inflamação no couro cabeludo;
Imunomoduladores orais, como a hidroxicloroquina (usada também em doenças autoimunes), metotrexato e doxiciclina;
Minoxidil e finasterida, que estimulam o crescimento dos fios nos folículos ainda ativos;
Antibióticos ou antifúngicos, nos casos em que há infecção bacteriana ou fúngica envolvida;
Terapia com luz de baixa intensidade, para estimular o couro cabeludo em casos estabilizados;
Transplante capilar, quando a inflamação está controlada por muitos meses e a cicatriz é pequena e localizada (mas nem todos os casos são elegíveis);
Micropigmentação, para disfarçar visualmente as áreas afetadas.
Além disso, cuidados cotidianos como evitar calor local excessivo, escovação ou tração repetitivas e de forma agressiva ou produtos químicos muito abrasivos também ajudam a manter o couro cabeludo em equilíbrio.
"A doença pode entrar em remissão e depois voltar, por isso o acompanhamento médico contínuo é fundamental", reforça o dermatologista Ricardo H. Kitamura.
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