Desejo sexual feminino: quando é espontâneo e quando só vem com estímulo?
Ler resumo da notícia

Se você já ouviu que o desejo sexual "some" com o tempo, especialmente para as mulheres, talvez só esteja olhando para o tipo de desejo errado. Segundo a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, professora da FMUSP e também fundadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria da Hospital das Clínicas da USP, nem sempre a falta de vontade significa falta de desejo, pelo menos, não do tipo que realmente importa em relações de longo prazo.
A mulher, depois de um tempo de relacionamento, muitas vezes não sente mais o desejo espontâneo. Mas ela pode estar absolutamente funcional, com o chamado desejo responsivo. Carmita Abdo, sexóloga
Mas o que é isso, afinal?
O desejo espontâneo é aquele que aparece do nada: você está parada no trânsito, lembra de uma cena picante e pronto, já está no clima.
Já o responsivo precisa de um empurrãozinho: começa com estímulo, excitação, e só depois vem a vontade. "Essa mulher responde ao estímulo. Ela não é disfuncional, ela é responsiva. Difícil é convencê-la de que isso é normal", disse Carmita Abdo durante o Congresso Brain, que acontece em Fortaleza.
A psicóloga e sexóloga Fernanda Bonato completa: "Muitas pacientes dizem: 'eu não tenho desejo'. Mas, quando a gente investiga, vê que o desejo espontâneo não aparece, mas o responsivo sim. Isso é perfeitamente saudável". A diferença, segundo ela, é essencial para evitar diagnósticos equivocados e tratamentos desnecessários.
Sexo começa na cabeça (e às vezes com uma agenda)

O desejo feminino, ao contrário do masculino, é mais sensível a contexto, estímulos, fases da vida e até? planilhas. Fernanda cita, por exemplo, o "sex day": quando casais agendam o sexo na agenda como parte da rotina. "É melhor assim do que não feito", brinca. E completa: "Se for algo prazeroso e não burocrático, pode ser uma forma de cultivar a intimidade".
Ela também aponta um exemplo curioso: em Vancouver, no Canadá, mulheres criam um "calendário da intimidade" com suas parcerias nos 30 dias antes do Natal. "Um dia para um jantar, outro para uma surpresa, outro para um banho juntos? tudo isso é sexualidade, mesmo sem penetração", explica.
Os antidepressivos podem ser vilões do desejo sexual feminino. Embora sejam essenciais no tratamento de quadros como depressão e ansiedade, condições que por si só já reduzem a libido, muitas dessas medicações atuam diretamente nos centros cerebrais ligados ao prazer.
"Eles diminuem a dopamina, hormônio do desejo, e aumentam a prolactina, o que reduz a produção de testosterona, outro motor importante da motivação sexual", explica a psiquiatra Carmita Abdo.
O efeito colateral mais comum é a queda do interesse sexual e a dificuldade de atingir o orgasmo. No entanto, Carmita reforça que "tratar a depressão é soberano. Mulher deprimida não tem sexo", e que há formas de contornar esses efeitos, como ajustar a dose, trocar a medicação ou associá-la a outras estratégias terapêuticas.
Cuidado com o "roteiro do sexo"
Sabe aquele passo a passo repetido (beijo, preliminar rápida, penetração, fim)? Pois é, ele pode ser o vilão do prazer. Fernanda destaca a importância de diversificar o repertório sexual. "Muita gente vive o que a gente chama de 'dança do acasalamento'. É sempre igual. E isso não sustenta desejo a longo prazo", diz.
Para sair desse piloto automático, ela sugere desde mudanças simples, como novos ambientes ou posições, até explorar conteúdos eróticos, masturbação ou jogos sensoriais. "A pessoa precisa se sentir íntima do próprio corpo e segura para comunicar o que deseja", afirma.
Sem culpa, sem mito, com mais prazer
Ambas as especialistas reforçam que falar sobre sexualidade sem tabu é essencial, e isso vale para consultórios, escolas, relacionamentos e rodas de amigas. "O prazer não pode ser uma surpresa ou um bônus. Ele tem que ser parte da sexualidade feminina", defende Fernanda.
Carmita concorda: "Quando o desejo feminino não é de menos, ele é demais. Mas precisa de saúde física, emocional e de uma parceria igualmente saudável para florescer".
A boa notícia é que desejo não é uma centelha mágica que some com o tempo. Ele pode ser cultivado, reaprendido e provocado desde que se conheça o próprio corpo, se crie intimidade com a parceria e se jogue fora a ideia de que existe uma fórmula certa para o prazer.
O silêncio sobre a sexualidade não indica ausência de demanda, mas, sim, o efeito do silenciamento cultural, principalmente entre as mulheres. Fernanda Bonato, sexóloga
Falar sobre isso, portanto, é um ato de liberdade. E de autoconhecimento. Talvez o grande segredo do desejo não seja esperar que ele apareça, mas permitir-se ir atrás dele.
*A jornalista viajou a convite do Brain.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.