O coração de quem corre bate mais devagar - mas isso é bom

Você já ouviu que atletas de alta performance, como corredores profissionais, têm uma frequência cardíaca de repouso incrivelmente baixa? Isso também vale para atletas amadores com bom condicionamento aeróbico.

O número pode chegar a impressionantes 40 batimentos por minuto, ou bpm, em repouso — muito abaixo da média considerada normal para a população geral, que gira entre 60 e 100 bpm. Mas por que isso acontece?

Coração altamente eficiente

É comum que pessoas muito bem condicionadas apresentem uma frequência cardíaca de repouso mais baixa, muitas vezes entre 30 e 50 bpm. Isso é geralmente considerado normal — e até esperado — como resultado das adaptações provocadas pelo treino intenso.

"O que o condicionamento físico traz é um conjunto de alterações do coração que deixam a sua função mais eficaz. O coração do atleta, da pessoa condicionada, funciona de forma mais eficaz do que o da pessoa não condicionada e, com isso, precisa bombear um menor número de vezes para ter o mesmo desempenho", explica Eugênio Moraes, cardiologista do InCor (Instituto do Coração).

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Imagem: Cameron Spencer/Getty Images

Essa condição é chamada de bradicardia sinusal fisiológica, uma redução natural da frequência cardíaca em repouso que não representa um problema de saúde. Ela é causada tanto por mudanças nos nervos que controlam o coração quanto por alterações na estrutura e no funcionamento do próprio coração. "O sistema nervoso basicamente inibe o aumento da frequência cardíaca, mantendo-a em níveis mais baixos do que o normal", fala Francisco Tostes, sócio do Instituto Nutrindo Ideais e especialista em medicina do esporte.

Em uma explicação ainda mais minuciosa, Fernando Lamego, atuante em cardiologia e ortomolecular do Instituto Nutrindo Ideais, detalha que o treinamento aeróbico regular e vigoroso "induz o aumento da atividade do nervo vago, que diminui a taxa de disparo do nó sinoatrial, que produz os sinais do marca-passo que provocam os batimentos cardíacos". Isso significa que pessoas muito bem treinadas, especialmente em exercícios aeróbicos, desenvolvem uma ativação maior do nervo vago, que é como um "freio natural" do coração.

Além disso, o exercício de longa duração faz com que o ventrículo esquerdo (a câmara principal do coração) aumente de tamanho de forma saudável (hipertrofia cardíaca fisiológica). Isso melhora a capacidade de bombear o sangue, sem prejudicar o funcionamento do coração.

Vantagem na prática do esporte

O coração de um atleta treinado bombeia mais sangue por batida, por isso ele precisa bater menos vezes por minuto para atender às necessidades do corpo. Isso reduz o desgaste e melhora a eficiência cardiovascular.

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Além disso, como o coração "descansa" mais em repouso, ele tem mais margem para acelerar quando o corpo exige — como durante um treino intenso ou competição. Isso dá ao atleta maior capacidade de resposta ao esforço.

Na prática:

O atleta consegue aumentar bastante a frequência durante o esforço sem chegar ao limite tão rápido;

Isso permite entregar mais oxigênio para os músculos e sustentar esforços por mais tempo;

O atleta cansa menos e tem mais resistência em treinos longos ou provas de resistência.

Assim, mesmo com a frequência mais baixa, o coração do atleta continua funcionando de forma estável e segura. Ele bate devagar, mas com força para atender as demandas. Não se trata de um batimento fraco, mas de um batimento eficiente, diferente de quando a frequência é baixa por algum tipo de problema ou doença.

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Imagem: iStock

Quando a frequência cardíaca baixa em repouso é um problema?

Embora uma frequência cardíaca em repouso mais baixa seja comum e até desejável em pessoas bem treinadas, quando a bradicardia (batimentos abaixo de 60 por minuto) não está relacionada ao condicionamento físico, ela pode indicar algum problema.

"Essa condição é considerada normal e benigna em atletas, desde que não haja sintomas como tonturas, fadiga excessiva, síncope (desmaios), intolerância ao exercício", explica Felipe Grazoni, médico nutrólogo com foco em performance.

Quando não relacionada à prática esportiva, a bradicardia pode ter relação com algum problema de saúde e merece investigação ou uso de certos medicamentos. Alguns problemas que podem estar relacionados incluem:

Doença do nó sinusal (síndrome do nó doente): o nó sinusal, que é o marca-passo natural do coração, perde a capacidade de gerar impulsos adequados, causando pausas longas ou variações anormais na frequência cardíaca.

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Bloqueios atrioventriculares, ou BAV: interrupções na condução elétrica entre os átrios e ventrículos, que podem ser de 1º a 3º grau. O bloqueio de 3º grau (total) é o mais grave, podendo levar a uma frequência cardíaca muito baixa e risco de parada cardíaca.

Hipotireoidismo: diminuição do metabolismo corporal que afeta o ritmo cardíaco. Costuma vir acompanhado de sintomas como cansaço, pele seca, ganho de peso e intolerância ao frio.

Apneia do sono: durante os episódios de apneia, pode ocorrer queda abrupta da frequência cardíaca. Frequentemente não percebida, causa fadiga durante o dia e aumenta o risco cardiovascular.

Uso de medicamentos: como beta-bloqueadores (ex: propranolol), bloqueadores dos canais de cálcio (ex: verapamil), digoxina, antidepressivos e antipsicóticos podem diminuir a frequência cardíaca. Distúrbios eletrolíticos, como excesso de potássio (hipercalemia) e baixo magnésio (hipomagnesemia) podem contribuir.

Infecções graves: doenças como endocardite, miocardite e sepse podem inflamar o músculo cardíaco ou o sistema de condução elétrica, levando à bradicardia e até complicações neurológicas.

Se você notar uma frequência cardíaca baixa em repouso de forma regular (sem relação com a prática de esportes), acompanhando com um smartwatch ou monitor de frequência cardíaca, por exemplo, ou sentir sintomas como tontura e fadiga excessiva, vale consultar um médico para uma avaliação.

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"Lembrando que a melhor forma de manter a saúde do coração é manter uma rotina regular de exercícios físicos, boa alimentação, manter-se dentro do peso normal e fazer os exames recomendados pelo seu médico de acordo com o seu perfil", diz Tostes.

Fontes: Eugênio Moraes, médico pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), cardiologista e doutor pelo Incor (Instituto do Coração); Felipe Gazoni, médico nutrólogo, pós-graduado pela Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) em obesidade e sarcopenia; Fernando Lamego, cardiologista, atuante em cardiologia e ortomolecular do Instituto Nutrindo Ideais, graduado na faculdade de medicina de Teresópolis em 2002, pós-graduado em cardiologia pela Universidade Federal Fluminense e ortomolecular pelo Instituto Hélion Póvoa; Francisco Tostes, sócio do Instituto Nutrindo Ideais, especialista em medicina do esporte, atuante em endocrinologia, mestre em bioquímica fisiológica, pós-graduado em clínica médica, endocrinologia e especialista em medicina do esporte, mestre em bioquímica pela UFRJ.

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