O coração de quem corre bate mais devagar - mas isso é bom
Fausto Fagioli Fonseca
Colaboração para VivaBem
20/06/2025 05h30
Você já ouviu que atletas de alta performance, como corredores profissionais, têm uma frequência cardíaca de repouso incrivelmente baixa? Isso também vale para atletas amadores com bom condicionamento aeróbico.
O número pode chegar a impressionantes 40 batimentos por minuto, ou bpm, em repouso — muito abaixo da média considerada normal para a população geral, que gira entre 60 e 100 bpm. Mas por que isso acontece?
Coração altamente eficiente
É comum que pessoas muito bem condicionadas apresentem uma frequência cardíaca de repouso mais baixa, muitas vezes entre 30 e 50 bpm. Isso é geralmente considerado normal — e até esperado — como resultado das adaptações provocadas pelo treino intenso.
"O que o condicionamento físico traz é um conjunto de alterações do coração que deixam a sua função mais eficaz. O coração do atleta, da pessoa condicionada, funciona de forma mais eficaz do que o da pessoa não condicionada e, com isso, precisa bombear um menor número de vezes para ter o mesmo desempenho", explica Eugênio Moraes, cardiologista do InCor (Instituto do Coração).
Essa condição é chamada de bradicardia sinusal fisiológica, uma redução natural da frequência cardíaca em repouso que não representa um problema de saúde. Ela é causada tanto por mudanças nos nervos que controlam o coração quanto por alterações na estrutura e no funcionamento do próprio coração. "O sistema nervoso basicamente inibe o aumento da frequência cardíaca, mantendo-a em níveis mais baixos do que o normal", fala Francisco Tostes, sócio do Instituto Nutrindo Ideais e especialista em medicina do esporte.
Em uma explicação ainda mais minuciosa, Fernando Lamego, atuante em cardiologia e ortomolecular do Instituto Nutrindo Ideais, detalha que o treinamento aeróbico regular e vigoroso "induz o aumento da atividade do nervo vago, que diminui a taxa de disparo do nó sinoatrial, que produz os sinais do marca-passo que provocam os batimentos cardíacos". Isso significa que pessoas muito bem treinadas, especialmente em exercícios aeróbicos, desenvolvem uma ativação maior do nervo vago, que é como um "freio natural" do coração.
Além disso, o exercício de longa duração faz com que o ventrículo esquerdo (a câmara principal do coração) aumente de tamanho de forma saudável (hipertrofia cardíaca fisiológica). Isso melhora a capacidade de bombear o sangue, sem prejudicar o funcionamento do coração.
Vantagem na prática do esporte
O coração de um atleta treinado bombeia mais sangue por batida, por isso ele precisa bater menos vezes por minuto para atender às necessidades do corpo. Isso reduz o desgaste e melhora a eficiência cardiovascular.
Além disso, como o coração "descansa" mais em repouso, ele tem mais margem para acelerar quando o corpo exige — como durante um treino intenso ou competição. Isso dá ao atleta maior capacidade de resposta ao esforço.
Na prática:
O atleta consegue aumentar bastante a frequência durante o esforço sem chegar ao limite tão rápido;
Isso permite entregar mais oxigênio para os músculos e sustentar esforços por mais tempo;
O atleta cansa menos e tem mais resistência em treinos longos ou provas de resistência.
Assim, mesmo com a frequência mais baixa, o coração do atleta continua funcionando de forma estável e segura. Ele bate devagar, mas com força para atender as demandas. Não se trata de um batimento fraco, mas de um batimento eficiente, diferente de quando a frequência é baixa por algum tipo de problema ou doença.
Quando a frequência cardíaca baixa em repouso é um problema?
Embora uma frequência cardíaca em repouso mais baixa seja comum e até desejável em pessoas bem treinadas, quando a bradicardia (batimentos abaixo de 60 por minuto) não está relacionada ao condicionamento físico, ela pode indicar algum problema.
"Essa condição é considerada normal e benigna em atletas, desde que não haja sintomas como tonturas, fadiga excessiva, síncope (desmaios), intolerância ao exercício", explica Felipe Grazoni, médico nutrólogo com foco em performance.
Quando não relacionada à prática esportiva, a bradicardia pode ter relação com algum problema de saúde e merece investigação ou uso de certos medicamentos. Alguns problemas que podem estar relacionados incluem:
Doença do nó sinusal (síndrome do nó doente): o nó sinusal, que é o marca-passo natural do coração, perde a capacidade de gerar impulsos adequados, causando pausas longas ou variações anormais na frequência cardíaca.
Bloqueios atrioventriculares, ou BAV: interrupções na condução elétrica entre os átrios e ventrículos, que podem ser de 1º a 3º grau. O bloqueio de 3º grau (total) é o mais grave, podendo levar a uma frequência cardíaca muito baixa e risco de parada cardíaca.
Hipotireoidismo: diminuição do metabolismo corporal que afeta o ritmo cardíaco. Costuma vir acompanhado de sintomas como cansaço, pele seca, ganho de peso e intolerância ao frio.
Apneia do sono: durante os episódios de apneia, pode ocorrer queda abrupta da frequência cardíaca. Frequentemente não percebida, causa fadiga durante o dia e aumenta o risco cardiovascular.
Uso de medicamentos: como beta-bloqueadores (ex: propranolol), bloqueadores dos canais de cálcio (ex: verapamil), digoxina, antidepressivos e antipsicóticos podem diminuir a frequência cardíaca. Distúrbios eletrolíticos, como excesso de potássio (hipercalemia) e baixo magnésio (hipomagnesemia) podem contribuir.
Infecções graves: doenças como endocardite, miocardite e sepse podem inflamar o músculo cardíaco ou o sistema de condução elétrica, levando à bradicardia e até complicações neurológicas.
Se você notar uma frequência cardíaca baixa em repouso de forma regular (sem relação com a prática de esportes), acompanhando com um smartwatch ou monitor de frequência cardíaca, por exemplo, ou sentir sintomas como tontura e fadiga excessiva, vale consultar um médico para uma avaliação.
"Lembrando que a melhor forma de manter a saúde do coração é manter uma rotina regular de exercícios físicos, boa alimentação, manter-se dentro do peso normal e fazer os exames recomendados pelo seu médico de acordo com o seu perfil", diz Tostes.
Fontes: Eugênio Moraes, médico pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), cardiologista e doutor pelo Incor (Instituto do Coração); Felipe Gazoni, médico nutrólogo, pós-graduado pela Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) em obesidade e sarcopenia; Fernando Lamego, cardiologista, atuante em cardiologia e ortomolecular do Instituto Nutrindo Ideais, graduado na faculdade de medicina de Teresópolis em 2002, pós-graduado em cardiologia pela Universidade Federal Fluminense e ortomolecular pelo Instituto Hélion Póvoa; Francisco Tostes, sócio do Instituto Nutrindo Ideais, especialista em medicina do esporte, atuante em endocrinologia, mestre em bioquímica fisiológica, pós-graduado em clínica médica, endocrinologia e especialista em medicina do esporte, mestre em bioquímica pela UFRJ.