Por que antidepressivos falham e o que 'cogumelos' podem ensinar ao cérebro
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Pesquisadores estão cada vez mais intrigados com os chamados "cogumelos mágicos" e seu potencial no tratamento da depressão. O composto psicoativo presente neles, a psilocibina, vem sendo estudado por atuar em regiões do cérebro relacionadas à emoção e ao sentimento de recompensa —áreas que, segundo cientistas, ainda não são plenamente alcançadas pelos antidepressivos tradicionais.
Durante palestra a jornalistas no Congresso Brain, em Fortaleza, o neurocientista britânico Edmund Rolls, membro honorário da Universidade de Oxford, professor na Universidade de Warwick (Reino Unido) e referência em estudos sobre emoções e funcionamento cerebral, explicou por que essa nova frente de pesquisa é tão promissora.
Os antidepressivos atuais agem em regiões laterais do córtex orbitofrontal, que não são responsáveis pela sensação de recompensa. Já a parte medial desse córtex, ligada diretamente ao prazer e motivação, não é atingida pelos medicamentos convencionais. Edmund Rolls, neurocientista
Essa distinção anatômica pode ajudar a explicar por que muitos pacientes relatam melhora dos sintomas, mas continuam sem ânimo ou interesse em atividades prazerosas. Segundo Rolls, é justamente aí que substâncias como a psilocibina ou até mesmo a cetamina (ou ketamina) podem atuar, atingindo as regiões cerebrais que realmente "computam" a recompensa.
"Ainda não sabemos ao certo onde essas novas drogas atuam, mas há indícios de que possam acessar esse outro 'andar do edifício', onde estão as emoções mais profundas", disse o pesquisador.
Os estudos com psilocibina ainda estão em fase experimental, mas vêm mostrando resultados animadores em pessoas com depressão resistente, ou seja, que não respondem bem aos tratamentos tradicionais. A principal hipótese é que esses compostos modulam a conectividade entre áreas do cérebro, ajudando a "reorganizar" circuitos ligados à emoção, motivação e tomada de decisão.
Nesse cenário, o papel das redes neurais se torna central: em vez de focar apenas em neurotransmissores isolados, como a serotonina, os cientistas agora observam como as diferentes regiões do cérebro se comunicam —e como isso influencia o estado emocional.
Emoções são individuais
Para Rolls, compreender as emoções também exige considerar as diferenças individuais. Segundo ele, nossas preferências emocionais, o que nos motiva ou nos gera prazer, são moldadas tanto pelos genes quanto pelo ambiente em que vivemos. "Algumas pessoas sentem mais prazer em comer, outras em beber, em conquistar, em criar. Essas diferenças fazem parte da diversidade emocional humana, e têm base neurológica", afirmou.
No caso da depressão, o que os cientistas têm observado é uma hiperconectividade em áreas do cérebro que computam a ausência de recompensa —ou seja, a sensação de frustração, de que algo esperado não aconteceu. "É como se o cérebro deprimido rodasse um cálculo constante de perdas, sem ganhos, o que ajuda a entender por que o sentimento de vazio é tão persistente", explicou.
Apesar dos avanços, Rolls reconhece que a neurociência ainda está longe de ter todas as respostas, mas destaca que novas abordagens baseadas na conectividade cerebral, como os estudos com psilocibina, podem abrir caminhos mais eficazes para tratar transtornos emocionais.
"É uma área emocionante da pesquisa. Precisamos de tratamentos que ajam não apenas nos sintomas, mas nos sistemas neurais que nos fazem sentir vivos."
*A jornalista viajou a convite do Brain.
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