Nova regra baixa idade para cirurgia bariátrica; quem pode fazer?

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"Quando soube que as regras tinham mudado e que agora eu poderia operar, me senti esperançoso pela primeira vez em muito tempo", conta Felipe Gomes, de 14 anos.
Com 117 quilos, ele já tentou de tudo para perder peso: dieta, remédio, exercício, terapia. Nada parece funcionar por muito tempo. Agora, com a nova resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina), que flexibilizou os critérios para cirurgia bariátrica em adolescentes, permitindo que pacientes de 14 e 15 anos realizem o procedimento, ele finalmente vê uma possibilidade real de mudança.
A situação de Felipe reflete um cenário cada vez mais comum. Em apenas quatro décadas, o número de crianças e adolescentes com obesidade saltou de 11 milhões para 124 milhões no mundo. No Brasil, uma a cada três crianças está com sobrepeso ou obesidade. A previsão é que até o ano 2035, metade das crianças e adolescentes brasileiros de 5 a 19 anos se enquadrará nesse perfil, de acordo com a Federação Mundial de Obesidade.
Critérios e riscos
Para que um adolescente seja considerado apto à cirurgia, os critérios técnicos são os mesmos que os aplicados em adultos: índice de massa corporal, ou IMC, superior a 40 ou superior a 35 com comorbidades, como diabetes tipo 2.
A avaliação emocional também é essencial. "Em casos de condições emocionais graves, como depressão profunda ou transtornos de ansiedade, é importante que esses problemas sejam tratados primeiro", afirma o endocrinologista Bruno Geloneze, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
A obesidade na adolescência é frequentemente acompanhada por sofrimento psíquico. O psiquiatra Adriano Segal, responsável pelo setor de saúde mental do Ambulatório de Obesidade do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), afirma que a pressão social pode gerar um fenômeno chamado de introjeção do preconceito, fazendo com que adolescentes com obesidade passem a "concordar" com o preconceito e a se sentir efetivamente inferior.
Segal destaca que quadros como depressão, transtorno dismórfico corporal e transtornos alimentares podem ser desencadeados por essa pressão. Por isso, é fundamental que a cirurgia, quando indicada, faça parte de um plano multidisciplinar e contínuo.

A cirurgia pode ser um passo na construção de uma relação mais saudável com o corpo, desde que acompanhada de mudanças reais no estilo de vida e suporte psicológico constante. "A abordagem multiprofissional bem acompanhada da obesidade tem muito bons resultados hoje em dia", afirma Segal.
Quanto aos riscos, embora os de mortalidade sejam baixos, não são nulos. Além disso, a cirurgia pode trazer impactos de longo prazo no desenvolvimento ósseo.
Segundo Geloneze, mesmo após o fim do crescimento em altura, a densidade dos ossos continua aumentando progressivamente até cerca dos 30 anos. "Um dos problemas das cirurgias, de forma geral, é que elas podem dificultar a absorção de cálcio e vitamina D. Mesmo com o uso de suplementos, essa absorção pode não ser tão eficiente quanto em um organismo intacto, o que compromete o alcance do pico de massa óssea e eleva o risco de osteoporose precoce", afirma.
Quem já passou pela experiência

Lucas Matheus Serianni, 26, fez a cirurgia aos 16. Aos 11, começou a engordar devido a um problema de tireoide. "Engordava quase 11 kg por ano", lembra. Mesmo com acompanhamento nutricional e uso de medicamentos, a perda de peso era lenta. Após uma indicação médica e o incentivo da avó, ele realizou o procedimento com uma equipe multidisciplinar em São Paulo.
A decisão não foi isenta de medo. "Quando faltava uns dois dias, fiquei com medo de algo dar errado", relembra. No pós-operatório, enfrentou dores, dificuldade para ingerir líquidos e se adaptar à nova rotina alimentar. Mas, aos poucos, seu corpo —e sua relação com ele— foram mudando. "Tive muita disfunção de imagem no começo. Saí de 135 kg para 72 kg e ainda assim me via gordo", conta.
A cirurgia transformou sua vida social e afetiva, embora os desafios persistam. "Não consigo comer comida gordurosa, tenho dificuldade com carne, o cabelo ficou mais frágil, e quando bebo álcool fico bêbado com uma cerveja só", conta. Apesar dos efeitos colaterais, ele não se arrepende. "A cirurgia foi a melhor coisa em questão de saúde, estética e relacionamento", diz.

Giulia Cardoso, 22, de São Gonçalo (RJ), também passou pelo procedimento, mas aos 18 anos. Ela decidiu operar após uma adolescência marcada por depressão e ganho de peso, resultando em 128 kg. "A cirurgia me trouxe qualidade de vida e aumentou minha autoestima. Hoje me sinto uma nova mulher", afirma.
O desafio do acompanhamento
Para que os bons resultados sejam sustentáveis, o acompanhamento contínuo é indispensável. "As mudanças na imagem corporal, as limitações ligadas ao acompanhamento vitalício e a necessidade de suplementação são alguns dos desafios", destaca Segal.
Ainda assim, tanto os especialistas quanto os pacientes destacam que a cirurgia, quando bem indicada e acompanhada, pode ser uma aliada poderosa na luta contra a obesidade. Mas não é, e nem deve ser tratada, como solução mágica.
"Sei que a cirurgia não é o fim da jornada, mas o começo de uma nova etapa", diz Felipe, o jovem que ainda aguarda o procedimento. Esperançoso, ele sonha com o dia em que vai caber na cadeira da escola, comprar roupas em lojas "comuns" e correr sem se cansar. "Não quero mais sentir vergonha de mim", diz.
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