Duas mentiras que sustentam qualquer vício e impedem a busca por ajuda

Ninguém quer acreditar que está perdendo o controle — principalmente quando se trata de uma dependência. Seja em álcool, cigarro, celular, comida, compras ou apostar, ela raramente começa com um grande colapso. A dependência se instala aos poucos, muitas vezes disfarçada de hábito ou recompensa, e para continuar existindo, ela conta com um poderoso aliado: as mentiras que contamos a nós mesmos.

'Está tudo bem na minha vida'

A negação é uma das defesas mais comuns entre pessoas com algum tipo de dependência. Mesmo quando os sinais de deterioração da qualidade de vida são evidentes (para amigos, familiares ou colegas), o indivíduo afetado frequentemente insiste que "está tudo bem".

Essa mentira costuma aparecer ainda com frases como:

"Eu ainda trabalho normalmente";

"Nunca faltei a compromissos importantes";

"Não preciso de ajuda, eu controlo quando quiser".

Mas por trás dessa aparente estabilidade, há sinais sutis — e perigosos — de descontrole. O psicofarmacologista Tadeu Lemos destaca que o primeiro sinal de dependência não é o abandono das tarefas importantes em favor da compulsão. Pode ser deixar de cuidar da saúde, negligenciar relações, perder interesse por hobbies ou sentir irritação ao ser privado do comportamento viciante.

A negação evita que a pessoa procure ajuda nos estágios iniciais, e quanto mais tempo se passa, mais grave se torna o quadro.

'Fulano está muito pior que eu'

A comparação também é uma armadilha clássica da dependência. Para fugir da verdade, a mente procura alguém em situação mais extrema e usa isso como álibi emocional: "Se fulano perdeu o emprego e foi internado, e eu não, então eu não sou viciado".

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Essa justificativa ignora um fato essencial: a dependência não tem uma única aparência. A imagem do dependente como alguém desestruturado, à margem da sociedade, foi popularizada por estereótipos — principalmente no cinema e na TV. Na vida real, pessoas aparentemente "funcionais" podem estar enfrentando compulsões intensas e sofrendo em silêncio.

Esse pensamento também impede o tratamento precoce. Afinal, se o problema só "vale" quando se atinge o fundo do poço, tudo que vier antes parece aceitável. E isso contribui para a escalada: aumento de consumo, mentiras para familiares, sintomas de abstinência, ansiedade e agressividade quando privados do objeto de vício.

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Imagem: Getty Images

Reconhecer a dependência é o primeiro passo

Romper com as duas mentiras mencionadas é o início do processo de recuperação. A dependência, como explica Lemos, não é uma escolha ou falta de força de vontade, é uma doença que, como qualquer outra, precisa ser diagnosticada e tratada com seriedade.

O tratamento pode envolver psicoterapia, práticas de autoconhecimento, atividade física e, em alguns casos, o uso de psicofármacos. A meta é restaurar o equilíbrio emocional e ajudar a pessoa a lidar com as causas da compulsão — e não apenas com seus efeitos.

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Reconhecer os sinais é fundamental. A lista de alertas inclui:

Parar de fazer coisas que antes davam prazer;

Sentir abstinência ao tentar parar com o objeto da dependência;

Mentir para manter o comportamento viciante;

Usar a substância ou atitude como forma de escapar de problemas;

Perceber aumento de consumo ou frequência com o tempo.

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*Com informações de reportagem publicada em 10/04/2024

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