'Suava frio de dor, era infarto aos 20 anos': o que explica casos em jovens

Pablo de Souza, 36, já sofreu dois infartos —um aos 20 anos e outro aos 25. Ele não tinha casos na família e praticava atividades físicas regularmente —por isso, o diagnóstico foi uma surpresa.

"Acordei às 4h com dores intensas [no peito]. Era uma dor tão forte que eu chegava a suar frio. Descobri após exames que aquela dor era infarto", lembra o médico, que vive em Florianópolis.

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Ele achou, na época, que "um raio não cairia duas vezes na cabeça". Mas, aos 25 anos, após sair para treinar jiu-jítsu e correr por trinta minutos, Pablo teve um segundo infarto.

"Quando cheguei em casa e fui descansar, meu peito começou a doer tanto que achei que iria morrer. Lembrei na hora do meu primeiro infarto e corri para o pronto-socorro."

Pablo, que já estudava medicina, resolveu se especializar em cardiologia, para ajudar outras pessoas a se prevenir. "Hoje, com 36 anos, voltei a praticar atividades físicas regulares, mas reconheço os limites do meu corpo."

Mais jovens estão infartando?

Entre 2014 e 2023, o número de atendimentos hospitalares e ambulatoriais por infarto a pessoas com menos de 50 anos quadruplicou no país. Foram 64,3 mil atendimentos, em 2014; em 2023, o Brasil contabilizou 281,4 mil. Considerando todas as faixas etárias, o aumento de atendimentos foi de 411%, puxado pelo crescimento entre pessoas com mais de 50 anos.

Os dados não significam que 281,4 mil pessoas com menos de 50 anos tiveram infarto —eles se referem ao total de procedimentos realizados e não à quantidade de pessoas atendidas (uma mesma pessoa pode ter sido atendida mais de uma vez e submetida a diferentes procedimentos em cada atendimento).

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Os números, no entanto, dão uma ideia de um problema que já é visto por médicos.

"Principalmente em adultos jovens (20-29 anos), o aumento está relacionado a fatores como obesidade, consumo de alimentos ultraprocessados, falta de atividade física e uso precoce de substâncias como drogas e cigarro eletrônico que podem estar se transformando nos grandes vilões dessa história", diz Eduardo Bartholomay, médico cardiologista e professor de medicina da PUC-RS.

As vacinas são equivocadamente associadas aos casos por grupos que compartilham fake news nas redes sociais, mas não têm relação. O motivo por trás dos números são os novos hábitos de vida dos brasileiros que em nada ajudam na prevenção da doença.

"As drogas sintéticas, como LSD, ecstasy e anfetaminas que, infelizmente, cada vez mais têm sido utilizada por jovens, atuam como estimulantes do coração, aumentando assim a frequência cardíaca e os riscos de a pessoa sofrer de infarto", explica Marcelo Franken, gerente de cardiologia clínica do Hospital Israelita Albert Einstein.

Como ocorre o infarto

Infarto ocorre, em geral, por obstrução das artérias que irrigam o coração
Infarto ocorre, em geral, por obstrução das artérias que irrigam o coração Imagem: iStock
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Considerado a principal causa de mortes no Brasil, o infarto geralmente acontece quando há entupimento das artérias coronárias —vasos que levam sangue rico em oxigênio e nutrientes para o coração.

"Existem diversas causas de infarto, mas, em média, 90% dos casos são causados por placas de gordura que se formam progressivamente nos vasos sanguíneos do coração. Essa obstrução acaba, em determinado momento, obstruindo totalmente a coronária gerando o infarto", explica Roberto Giraldez, médico do InCor.

Essa crise cardíaca aguda —e potencialmente mortal— costuma ser resultado de uma série de hábitos de vida que se acumulam por anos ou décadas, como doenças crônicas (obesidade, hipertensão, colesterol alto, diabetes) ou de estilo de vida (consumo de álcool, tabagismo e sedentarismo).

Por isso, médicos dizem que a melhor maneira de prevenir o infarto é adotar hábitos de vida saudáveis e fazer acompanhamento médico em caso de doenças crônicas, como hipertensão ou diabetes. "Sabemos que alguns fatores aumentam o risco para o infarto. Assim, quem tem colesterol alto, diabete, é tabagista, hipertenso ou sofre de obesidade deve redobrar os cuidados", diz Giraldez.

Mas há casos de pessoas com hábitos de vida saudáveis que também infartam. Nessas situações, mais raras, médicos dizem que o infarto pode estar relacionado a anomalias nas artérias de difícil detecção que, normalmente, somente são identificadas após a crise.

'Perdi dez familiares para o infarto'

Quem tem familiares que já tiveram infarto também tem mais risco. Segundo Bruno Nascimento, professor da faculdade de medicina da UFMG, é um fator de risco a ocorrência de doença cardiovascular em parentes de primeiro grau homens antes dos 55 anos; e mulheres, antes dos 65.

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João perdeu dez parentes vítimas de infarto e já teve dois
João perdeu dez parentes vítimas de infarto e já teve dois Imagem: Arquivo pessoal

O advogado João José Melo Pereira Souza, 40, perdeu dez parentes vítimas de infarto, sendo que ele mesmo sobreviveu a dois —um aos 37 e outro aos 38 anos.

"Sempre tive uma vida bastante ativa, mas, durante a pandemia, confesso que relaxei um pouco", conta o advogado de Pão de Açúcar, cidade de Alagoas. "Quando voltei a treinar, passei a sentir um cansaço inexplicável quando corria. Em uma dessas ocasiões, senti uma dor tão forte no peito que pensei: tenho de procurar meu médico."

Após realizar um eletrocardiograma, Souza descobriu que havia sofrido um infarto. Ele ficou dias internado e aos poucos voltou à rotina.

"Para minha surpresa, no ano seguinte sofri mais um infarto. No dia, estava na beira da praia em Maceió quando passei a sentir uma espetada no coração e minhas mão passaram a ficar geladas. Na hora, pensei: vou ter de correr novamente para o doutor."

Hoje com 40 anos, João diz temer morrer pela doença. "Faço tudo o que posso para evitar: atividade física, cortei o sal, consumo pouca bebida alcoólica e sempre estou fazendo meus exames de rotina."

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Giraldez explica que até mesmo o sexo do paciente pode influenciar nos riscos de sofrer de infarto. "A mulher na fase fértil é protegida porque os hormônios são altamente protetores. Então, para uma mulher jovem apresentar infarto, tem de ter uma série de fatores de risco: fumar, ter colesterol alto, diabetes e ou ser hipertensa."

No entanto, após o fim da menopausa, as mulheres passam a ter uma chance até superior à do homem. "Por outro lado, homens, por terem uma vida menos regrada que as mulheres, apresentam predisposição de ainda na juventude terem um infarto", afirma Giraldez.

Mulheres e idosos podem ter sintomas diferentes dos clássicos, explica Paulo Caramori, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Nesses grupos, os sintomas podem ser enjoo, falta de ar e cansaço inexplicável.

Apesar de o principal sintoma do infarto ser a dor no peito contínua, que pode se originar numa região que vai desde a boca do estômago até o queixo, em pessoas idosas e mulheres frequentemente esses sintomas nem sempre se apresentam.
Paulo Caramori, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia

Idade faz riscos aumentarem

Outro fator que aumenta os riscos de uma pessoa ter infarto é a idade. Dados do Ministério da Saúde mostram que de cada dez atendimentos a pessoas com infarto no Brasil, nove são de pacientes com mais de 50 anos. O total de atendimentos aumentou nos últimos anos.

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Paulo Caramori diz que o crescimento de atendimentos por infarto pode estar atrelado ao envelhecimento da população brasileira. No Brasil, segundo dados do IBGE, há 55,2 idosos para cada 100 crianças de 0 a 14 anos. Em 2010, eram 30,7 idosos para 100 crianças.

"Mas também temos de considerar que a capacidade de atendimento dos serviços de saúde pública tem aumentado nas últimas décadas no país. Isso permitiu que os casos de infarto sejam mais identificados e tratados."

Mortes crescem

Na última década, também aumentou em 8% o número de mortes por infarto de pessoas com mais de 50 anos no Brasil —de 78,2 mil mortes, em 2014, para 84,6 mil, em 2024. Na contramão, houve redução de 2% no número de mortes por infarto em pessoas com menos de 50 anos no país.

"Com a menor idade, pode-se dizer que o organismo reage melhor às agressões provocadas pelo infarto, por ter menos morbidades clínicas associadas, e tem melhor capacidade de defesa e regeneração", diz Nascimento.

Por outro lado, quando ocorrem infartos graves, de grandes áreas do coração em jovens, a mortalidade imediata pode ser até maior do que em idosos, pelo fato de o coração não estar "preparado" para este tipo de evento, alerta Nascimento.

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Em idosos, frequentemente as artérias do coração desenvolvem ao longo da vida "novos caminhos" para irrigar regiões comprometidas, a chamada circulação colateral, que protege a região do coração no caso de um infarto.

Como se prevenir

"A prevenção é o melhor remédio para evitar um infarto. Por isso, é importante que, desde a infância, sejam adotados hábitos alimentares saudáveis e estilo de vida ativo", diz Célia Maria Camelo Silva, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A VivaBem, Célia lista cinco atitudes que podem diminuir os riscos de um infarto:

  • Dieta balanceada: consumo de frutas, verduras, grãos integrais, proteínas magras e gorduras saudáveis.
  • Redução de açúcares e gorduras saturadas: diminuir a ingestão de alimentos ultraprocessados, bebidas açucaradas e fast food.
  • Atividade física: estimular a prática de atividade física pelo menos 30 minutos/dia de três a quatro vezes por semana.
  • Tabagismo e álcool: evitar o uso de tabaco e bebidas alcoólicas.
  • Acompanhamento de doenças crônicas: caso tenha alguma doença crônica, é primordial o acompanhamento e tratamento adequado desde a infância. Essas doenças, quando não tratadas, podem aumentar o risco de infarto.

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