De corpo e mente: você está pronto para correr uma maratona?

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Frases de efeito em redes sociais dizem que para completar uma maratona é preciso correr 30 km com as pernas, 10 km com a mente e 2 km e 195 metros com o coração. Educadores físicos afirmam que são necessários cerca de cinco meses de treinos, com quatro sessões de corrida por semana. E estatísticas de organizadores esportivos garantem que menos de 1% da população mundial já correu essa distância.
Mas se você perguntar a um maratonista, provavelmente vai ouvir que é imprescindível fortalecer a cabeça, melhorar a resiliência e encarar diálogos internos desafiadores. Se você está prestes a encarar o desafio pela primeira vez, aqui vão os conselhos, estratégias e dicas de treinadores e psicólogos do esporte.
Por que você corre?
Antes de começar seu ciclo, ouça a psicóloga do esporte Anna Renaux: "Cuidado com as comparações nas redes sociais; sua jornada é única e pode ser bem diferente do que vemos online".
Depois disso, o mais importante é se perguntar: por que eu quero correr uma maratona? Pode parecer banal, mas fazer essa investigação interna e ter clareza da resposta vai ser importante ao longo de todo processo. "Treinar para uma maratona é algo que ocupa um espaço grande na vida da pessoa durante muitos meses —são repetidas escolhas, renúncias, sacrifícios, adaptações de rotina —e, para que nossa mente aceite trocar os prazeres imediatos por uma recompensa futura, o motivo não pode ser pequeno; é bom que tenha um significado ligado a como nos sentimos, como nos transforma, como impacta nossa vida", diz Renaux.
Saber essa resposta também ajuda a não desistir nos momentos mais desafiadores do ciclo ou da prova. "O desejo de correr uma maratona pode ter diversas origens: busca por saúde, superação de limites pessoais, causa social ou mesmo vontade de alcançar uma meta específica e, quando um corredor sabe o porquê, ele cria um alicerce emocional que sustenta sua determinação, as renúncias se tornam mais leves", completa o treinador Ademir Paulino, proprietário de uma assessoria esportiva.
Rotina à prova de falhas

Você já tem uma prova-alvo em mente? Se sim, nunca é cedo demais para pesquisar sobre percurso, altimetria, média de temperatura local na data e outros detalhes específicos. "Ter uma ideia do que te espera é muito importante para seguir uma boa estratégia de treinos e não ter sustos na prova", explica Raphael Agripino, treinador da assessoria RunFun. "Na prática, se o percurso tem muitas subidas, é importante que seu ciclo de treinos inclua essas variações; se a previsão é de muito calor, pode ser útil treinar nas horas mais quentes do dia; e assim por diante."
"Outra dica que gosto de dar aos meus alunos é decorar —e ficar atento a isso ao longo do ciclo —o tempo de passagem de pelo menos dois trechos da sua estratégia de prova. Por exemplo, baseado nos treinos, em quanto tempo devo passar pelo km 15 e pelo km 28 do ? Em caso de perdapercurso do sinal do GPS do relógio - comum em algumas provas - isso vai ser um grande aliado".
A psicóloga Anna Renaux lembra que quanto menos decisões desconhecidas você precisar tomar na hora da prova, melhor. Por isso, treinar hábitos, como organizar o look completo na noite anterior, carregar a bateria do relógio e outros apetrechos e separar água, gel e o que mais você gosta e precisa, pode ser muito útil.
Vamos conversar?
Se existe uma certeza durante um ciclo de treinos e uma maratona é a de que o atleta vai passar longas horas em uma única companhia: sua própria mente. Cabe a ele decidir se essa companhia será agradável ou desagradável.
"Por isso, é muito importante aprender a estabelecer um diálogo interno positivo que funcione para você. Isso envolve criar autofalas encorajadoras, como 'sou capaz de enfrentar isso' ou 'eu treinei para viver esse momento' e aprender a focar na percepção de esforço, na frequência cardíaca e na respiração e não apenas no pace", explica Renaux.
O treinador Ademir Paulino complementa: "Treine também um diálogo neutro para reduzir a ansiedade, afinal, nem sempre as coisas vão sair como planejado. Nesses casos, em vez de rotular uma sensação de cansaço como algo negativo ou tentar se empurrar com pensamentos excessivamente otimistas, o corredor pode simplesmente reconhecer sua condição no momento e permitir que isso aconteça."
E treine essas estratégias para diálogo interno nos treinos, para que fluam bem na hora da prova.
Micrometas: uma carta na manga
Correr 7 km parece mais fácil que correr 28, certo? Então, que tal sair para o treino longo programado para "quebrar mentalmente a distância total em voltas"? Nesse exemplo, 4 voltas de 7 km. Pode até parecer uma tentativa de se enganar, mas funciona mesmo.

"Essa é uma excelente estratégia para não se desgastar mentalmente, pois ajuda a enxergar a distância como algo mais palpável de encarar", diz o treinador Raphael Agripino. "Programe-se previamente com percurso, quantidade de voltas, além dos pontos de hidratação e suplementação, para ajudar sua mente a fazer uma leitura diferente, tornando os treinos longos cada vez mais fluidos e menos sofridos."
Fazer uma contagem regressiva nos últimos quilômetros e até comparações com percursos que você já conhece —por exemplo, "agora só faltam duas voltas no Parque Ibirapuera; eu sei que consigo correr essa distância" —também são estratégias que maratonistas costumam usar.
Concentração ou distração?
Treine os dois. "Eu considero a concentração um superpoder e, por isso, fortalecer a capacidade de foco durante os treinos ajuda a mantê-lo mesmo quando as condições se tornam desafiadoras", diz o treinador Ademir Paulino: "Esse é um dos motivos pelos quais é importante incluir treinos sozinho na rotina, para se desconectar de distrações externas, mergulhar na própria mente e se concentrar integralmente na corrida."

Anna Renaux recomenda usar também a distração para cessar fluxos negativos, caso a autofala não funcione. "É comum que em treinos mais longos ou até durante a prova surjam pensamentos ou sentimentos desagradáveis: uma dor, um desconforto ou um medo, por exemplo. Um estímulo de distração, como uma música animada ou tranquilizante, por exemplo, pode ajudar."
E, para que tenha um efeito ainda mais potente, use-a somente quando precisar mesmo. No caso da música, monte uma playlist que te estimule e dê o play somente quando o bicho pegar —em pontos da prova onde não há torcida, por exemplo.
Mentalização: o trunfo final
A essa altura você já deve ter percebido que praticamente tudo que envolve correr uma maratona é treinável, certo? Pois bem, imaginar como será a prova para além da parte óbvia —correr os 42 km e 195 metros —também faz parte do processo.
"Imagine-se na prova, com os cinco sentidos: sinta a textura do chão sob seus pés, ouça o som das multidões, respire o ar da manhã, veja a linha de chegada se aproximando e se veja chegando —essa prática é muito difundida entre os atletas de elite", explica o treinador Ademir Paulino.
Visualize também alguns possíveis obstáculos --sem entrar em paranóia --e soluções. Isso evita surpresas ou a necessidade de tomada de decisões desnecessárias no grande dia. "Alguns exemplos comuns são: se esquecer de tomar um gel, se deixar cair uma cápsula de sal, se sentir dor ou muito cansaço em determinado momento --saber isso elimina uma preocupação e permite focar apenas em correr", diz Anna Renaux." "Mas atenção: não existe estratégia mental que funcione sem uma boa base, ou seja, sem qualidade de sono, boa alimentação, saúde em dia e um treinador que te conheça e pulando etapas!"
"Esteja muito consciente que uma maratona é um grande desafio, não subestime a distância em momento algum, siga o planejamento de ritmos e suplementação e diga a si mesmo que é capaz de ir até a linha de chegada!", encoraja Raphael Agripino.
"Gosto muito da frase do treinador Paavo Nurmi: 'Maratona se corre a primeira metade com a frieza de um cientista e a segunda metade, com a emoção de um artista'", completa Ademir Paulino. E aí, vai encarar?
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