Por que jovens, magros e até atletas podem ter diabetes e colesterol alto?

Estar em paz com a balança não significa, necessariamente, estar saudável por dentro. Embora tradicionalmente associadas ao excesso de peso, doenças como diabetes tipo 2 e colesterol alto também podem afetar pessoas jovens, magras e até atletas.

"Mesmo em pessoas jovens e aparentemente saudáveis, fatores como variabilidade do colesterol LDL (o ruim), triglicerídeos altos e baixo HDL (colesterol bom) estão ligados ao aumento do risco de diabetes tipo 2 e dislipidemias", sinaliza Durval Ribas Filho, médico nutrólogo e presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).

Dislipidemias são alterações nos níveis de gorduras (lipídios) no sangue, como colesterol e triglicerídeos, que, estando elevados, podem formar placas de gordura nas artérias, aumentando o risco de infarto e derrame.

Os fatores para essas doenças se instalarem mesmo em perfis considerados saudáveis vão além de uma alimentação ruim, rica em ultraprocessados, ou sedentarismo. Sono de má qualidade, estresse e até a genética podem desencadear essas doenças.

Vale lembrar que, diferente do diabetes tipo 2, o tipo 1 é uma doença autoimune, não considerada hereditária e sua causa não tem relação com o peso ou estilo de vida. Seu pico de incidência ocorre em crianças, adolescentes e adultos jovens.

Imagem
Imagem: Getty Images

Fatores silenciosos

Embora muitos acreditem que a alimentação seja a grande vilã do colesterol alto, segundo Durval, ela corresponde apenas a cerca de 20% a 25% dos casos da doença. Para muitas pessoas, os genes são o fator determinante. "A genética pode exercer influência significativa, especialmente em casos de colesterol alto, com dieta aparentemente equilibrada", explica o nutrólogo. Ele afirma que variações em genes como o ABCG8 estão associadas à absorção de colesterol e risco de diabetes, mesmo com intervenções no estilo de vida.

Algumas pessoas que podem ser consideradas magras têm uma predisposição genética importante e podem desenvolver diabetes tipo 2 com acúmulos de gordura visceral discretos. Tarissa Petry, endocrinologista do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Continua após a publicidade

Nessas pessoas, alguns pequenos aumentos de gordura visceral (localizada mais internamente, próxima a órgãos como fígado, pâncreas e intestino) são extremamente inflamatórios, levando a alterações metabólicas, como resistência à insulina e ao diabetes.

Por isso, ela ressalta a importância de analisar o histórico familiar. "No diabetes tipo 2, geralmente são famílias com muitos casos da doença, algumas delas tendo histórico de progressão desde cedo e até desenvolvimento de complicações", diz. No entanto, os especialistas afirmam que, em geral, pessoas que fazem atividades físicas aumentam as chances de verem prorrogadas a sua entrada na diabetes tipo 2 e podem até mesmo não desenvolver a doença.

Além da genética, hábitos comuns também pesam. O consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, dietas hiperproteicas desequilibradas, a baixa ingestão de fibras e consumo exagerado de carboidratos refinados são frequentemente subestimados. "São erros alimentares comuns, mesmo entre pessoas consideradas 'saudáveis'", alerta Durval.

Estresse crônico e sono de má qualidade são outros vilões silenciosos. Eles desencadeiam alterações metabólicas por meio de citocinas inflamatórias e hormônios, como o cortisol aumentado, que leva à resistência à insulina e favorece ainda mais o acúmulo de gordura visceral. "O estresse piora diabetes, hipertensão e praticamente qualquer doença", destaca Osmário Salles, endocrinologista do Hospital Aliança, de Salvador.

Outras alterações hormonais também podem contribuir para alterações metabólicas, como o hipotireoidismo e a síndrome dos ovários policísticos.

Imagem
Imagem: iStock
Continua após a publicidade

Hábitos ruins podem afetar até atletas

Mesmo quem pratica atividade física de forma intensa não está livre de riscos. "Dietas com alto consumo de suplementos energéticos, hipercalóricas ou ricas em açúcares simples (como géis de carboidrato) podem favorecer dislipidemia e hiperglicemia, mesmo com gasto calórico elevado", afirma Durval Ribas Filho.

Petry também alerta para a utilização indiscriminada de algumas substâncias. "O uso de anabolizantes pode aumentar significativamente o LDL e reduzir o HDL, além de causar aumento da resistência à insulina, o que pode posteriormente levar ao aumento da glicemia". A endocrinologista sinaliza ainda que suplementos ou dietas restritivas também podem levar a alterações metabólicas, dependendo de sua composição.

Além disso, o excesso de exercício, sem orientação, pode ser até mesmo fatal, já que o corpo pode já ter um processo de aterosclerose sem dar sinais claros antes. Por isso, Salles aconselha que toda prática esportiva deve ser precedida de uma avaliação médica completa: "Para quem quer começar uma atividade física, seria ideal ir ao médico, fazer uma avaliação cardiovascular, laboratorial e, dependendo, um teste de esforço", afirma.

A importância de exames regulares

Mesmo quem não apresenta sintomas deve monitorar a saúde metabólica, principalmente quem tem histórico familiar ou outros fatores de risco. Entre os exames considerados indispensáveis estão:

Continua após a publicidade

Glicemia de jejum;

Hemoglobina glicada;

Colesterol total e frações;

Triglicerídeos.

Algumas investigações complementares podem ajudar ainda mais, como:

Insulina;

Continua após a publicidade

HOMA-IR (avalia a capacidade do corpo de utilizar a insulina de forma eficiente);

Perfil tiroidiano;

Perfil hepático (fígado);

Perfil renal (rins);

Vitaminas e minerais;

Avaliação da composição corporal (bioimpedância ou DEXA);

Continua após a publicidade

C-peptídeo (para avaliar função pancreática);

Ultrassom abdominal (para gordura visceral e fígado gorduroso);

Calorimetria indireta (estima o gasto energético do corpo em repouso).

"Avaliações precoces permitem estratégias preventivas eficazes e personalizadas", reforça Durval.

Osmário Salles recomenda ainda que toda criança cheque o colesterol entre nove e 12 anos, e depois novamente por volta dos 20 anos. "Um colesterol chamado 2A homozigótica, pode aumentar o risco de uma criança de sete ou oito anos, por exemplo, de ter um infarto agudo do miocárdio", alerta.

Sinais para ficar atento

Embora muitas alterações metabólicas sejam silenciosas, há sinais que não devem ser ignorados. No caso do diabetes tipo 1, Tarissa Petry explica que tem início abrupto com sintomas de aumento de fome, da urina, de sede e emagrecimento. Esse é um caso que precisa de tratamento rápido, porque pode levar ao coma e à morte.

Continua após a publicidade

Já o diabetes tipo 2 pode ser traiçoeiramente silencioso, especialmente em jovens, como alerta Osmário Salles. "Muitas vezes já aparece quando tem as complicações. Essa epidemia de diabetes tipo 2 em jovens, que aparecia normalmente no adulto, tem a ver muito com a epidemia da obesidade. Estima-se que 3% das crianças abaixo de 10 anos possam apresentar a doença por conta disso", diz.

Entre os sinais que o coração pode dar antes de um diagnóstico oficial, seja de colesterol alto ou diabetes, ele cita: "Dor no peito do tipo constritiva, falta de ar, cansaço, palpitações e síncope (desmaio)".

A prevenção, segundo todos os especialistas ouvidos por VivaBem, deve começar cedo, com a inclusão de hábitos saudáveis, alimentação equilibrada, prática regular de exercícios físicos e avaliações médicas regulares. "É um mito pensar que pessoas magras podem comer qualquer coisa e ser sedentário sem problemas. Todos precisam cuidar da saúde", conclui Petry.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.