Doença ultrarrara e progressiva: criança precisa de remédio de R$ 18 mi

Correndo contra o tempo. Assim tem sido a vida da família da pequena Júlia Pontes Teixeira Domingues, de 4 anos, diagnosticada com a doença de Batten — rara, neurodegenerativa e sem cura. A esperança de conter o avanço da doença está em um tratamento disponível nos Estados Unidos ao custo de US$ 3 milhões, que equivale aproximadamente 18 milhões de reais.

"A gente tem uma corrida contra o tempo por ser uma doença progressiva, e o medicamento só começa a ser fabricado quando a gente enviar o valor. Ela terá que ir aos Estados Unidos e teremos que ficar lá por três meses após a aplicação", explica Fernanda Pontes Teixeira, mãe da criança.

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Júlia, chamada carinhosamente de Julinha, é filha única e mora com os pais na cidade de São Domingos da Prata, em Minas Gerais. A mãe relata que os primeiros sintomas da doença foram observados em abril do ano passado, quando a menina tinha 3 anos e três meses.

Ela voltou a fazer cocô e xixi na roupa, controle que já tinha adquirido e se desequilibrava parada. Depois, observamos que quando subia a escada colocava muita força nos braços, e a fala ficou muito mais embolada - palavras que ela falava já não conseguia mais. Também veio a dificuldade de raciocínio para responder. Por último, em julho de 2024, ela começou a babar.
Fernanda Pontes Teixeira, mãe da criança

Os pais procuraram um médico pediatra, que encaminhou a criança para acompanhamento com neurologista. Foram solicitados exames, como ressonância magnética e teste genético. Um processo que durou aproximadamente oito meses.

"Começamos a investigar a doença em abril e o diagnóstico saiu no dia 27 de dezembro. O exame foi enviado para mim e lá tinha uma linha vermelha que falava qual era da doença, uma das hipóteses que a médica já desconfiava. Entrei em contato ela e fizemos uma chamada de vídeo para que explicasse mais sobre a doença e as consequências. Ela falou que a doença não tem cura, é progressiva, degenerativa e a expectativa de vida de 12 anos de idade, que continuássemos fazendo as terapias para minimizar as perdas".

Fernanda relata que, diante do diagnóstico de Lipofuacinose Ceroide Neuroral tipo 7 (CLN7), uma variação extremamente rara da doença de Batten, ela e o marido passaram a pesquisar na internet mais informações sobre o caso, especialmente em redes internacionais.

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"Por ser uma doença ultrarrara, a gente encontrava pouca coisa, sempre as mesmas informações falando das consequências da doença, que Julia perderia os movimentos de braços, pernas e troncos, a visão, fala e deglutição, e entraria em estado vegetativo. Não passa da fase da adolescência, morre aos 12 anos", disse a mãe.

Tratamento nos Estados Unidos

De acordo com a mãe, uma busca avançada no Linkedin levou ela e o marido a conhecerem o CEO de um instituto canadense que desenvolve terapias gênicas para doenças raras, o Elpida Therapeutics.

"Eles já tinham realizado as fases 1 e 2 de uma terapia gênica específica para CLN7, mas os testes estavam parados desde 2021 por falta de financiamento. O valor necessário para produzir o lote do medicamento e rodar a fase 3 era de 3 milhões de dólares, que em conversão gira em torno de R$ 18 milhões", destaca Fernanda.

Com a possibilidade do tratamento, que promete interromper a degeneração provocada pela doença, a família iniciou, em janeiro deste ano, uma campanha para arrecadar o montante necessário para custear a medicação.

"É uma corrida contra o tempo, porque a doença é degenerativa e progressiva, e a cada dia Julia tem avanços da doença. Para começar a fabricação do medicamento, a gente tem que ter o valor integral. A fabricação da medicação leva de seis a oito meses, e assim que for aplicada em Julia - uma dose só -, são mais seis meses para o organismo dela identificar totalmente. Ou seja, um ano e dois meses de regressões que ela continuará tendo. O medicamento não devolve o que ela perdeu, apenas pausa a regressão da doença", relata Fernanda.

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A mãe conta que a família tentou obter o tratamento no Brasil, via Sistema Único de Saúde (SUS), mas não foi possível.

"Tentamos, mas como se trata de um medicamento que ainda não é aprovado no país, e por estar em fase de teste, não conseguimos judicializar", afirma.

Segundo Fernanda, a campanha Salve a Julinha mobilizou uma grande rede de apoio. Começou com arrecadação via Pix e cresceu com a realização de rifas, leilão, bazares e eventos.

"Temos muitos voluntários. A nossa região abraçou muito a causa, com eventos na nossa cidade e em outras. Graças a uma rede incrível de pessoas, já conseguimos arrecadar parte significativa da meta, mas ainda precisamos de muito apoio".

Enquanto o montante é levantado, Julinha segue em tratamento com fonoaudiólogo, psicólogo, fisioterapeuta e equoterapia, pois precisa preservar o máximo de habilidades até receber a medicação. Apesar do acompanhamento, a doença tem evoluído.

"Ela cai com frequência, tem convulsões e o raciocínio está mais lento. O cognitivo dela já não é mais de uma criança de quatro anos, é de mais novinha. Tem dias que ela consegue conversar, mas a fala está mais embolada. A visão ainda está boa", relata Fernanda.

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A mãe destaca o sofrimento de ver as regressões que a doença provocou na filha.

O mais difícil é vê-la perder tudo o que já adquiriu. Ela era uma criança como qualquer outra, e, de repente, não consegue mais andar, correr, subir e descer escada sozinha, se comunicar. Sem dúvida é a parte que mais me dói, vê-la perdendo coisas tão básicas. A gente sabe que está só começando as perdas, por isso que precisamos logo desse tratamento para pausar a doença.

Psicóloga observou mudanças na escola

A psicóloga Rosana Marques, que atua na escola onde Julinha estudava, identificou, junto com o corpo pedagógico, alguns comportamentos que chamaram atenção. Os pais da criança foram acionados e relataram o que estava ocorrendo no dia a dia da criança.

"Julinha não iniciava conversas, não fazia pedidos, nem mesmo para necessidades básicas, como ir ao banheiro. Quando alguém falava com ela, geralmente só balançava a cabeça ou respondia com sim, ou não, de forma muito tímida. Era comum que ficasse isolada, sem interagir com os colegas. Nas atividades escolares, ela precisava de bastante ajuda, com explicações visuais, apoio direto de um adulto, e mesmo assim apresentava dificuldade em manter o foco e completar as tarefas. No brincar, Julinha se envolvia em uma única atividade por muito tempo, como brincar com massinha, e só mudava se alguém a convidasse", disse Rosana, que também pontuou alterações na interação social e coordenação motora da criança no ambiente escolar.

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A especialista conta que a situação observada na escola somada ao que os pais perceberam em casa foram fundamentais para o processo de diagnóstico da doença. Há oito anos atuando como psicóloga, ela nunca se deparou com uma doença rara logo de início, como a que acomete Julinha.

"Meu trabalho é muito focado no desenvolvimento infantil, especialmente no estímulo ao neurodesenvolvimento e na conquista das habilidades esperadas para cada faixa etária. Por isso, ver uma criança tão pequena perdendo, de forma tão rápida, habilidades que já tinha alcançado, é de partir o coração", disse a psicóloga.

Sintomas acontecem em crianças entre 2 e 8 anos

A doença de Batten, também chamada de Lipofuacinose Ceroide Neuroral (LCN), é considerada rara e neurodegenerativa, que afeta principalmente crianças. Está relacionada ao acúmulo anormal de lipofuscina (pigmento que se acumula em células), especialmente no cérebro e na retina, gerando comprometimento neurológico.

Os sintomas mais comuns acontecem, normalmente, em crianças entre 2 e 8 anos, dependendo do subtipo da doença, e envolvem perda de visão progressiva, que pode levar à cegueira; convulsões; crises epiléticas; declínio cognitivo, com perda de habilidades intelectuais e motoras; problema de movimento; e alterações comportamentais.

Segundo a neurologista Juliana Dias, membro da Academia Brasileira de Neurologia, a doença segue padrão progressivo e degenerativo, e os sintomas vão piorando com o tempo.

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"As crises epiléticas, que vão surgir no início ou logo depois, vão ficando mais frequentes. O cérebro vai sendo afetado de forma mais grave e progressiva. Infelizmente a doença costuma levar à morte precoce, frequentemente na adolescência ou início da fase adulta", ressalta a neurologista.

Não há cura para a doença, mas alguns medicamentos podem controlar os sintomas.

"Em alguns tipos específicos, como na CLN2, existe um tratamento que substitui a enzima que falta ao cérebro, fazendo a reposição para retardar a evolução da doença. Também é preciso equipe de saúde de multi suporte, como fisioterapia, apoio escolar, psicológico e cuidados paliativos", destaca.

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