Pais imaturos, filhos ansiosos: quando o adulto não dá conta de ser adulto

Famílias funcionais têm uma característica em comum: os pais cuidam, orientam e protegem os filhos —que, por sua vez, crescem sob essa estrutura, desenvolvendo autonomia e confiança enquanto se desenvolvem. No entanto, quando esses papéis ficam nebulosos ou, ainda, se invertem, e adultos agem como crianças grandes, essa estrutura fica instável e os relacionamentos se tornam mais difíceis.

A psicologia chama isso de imaturidade parental. Estamos falando de uma falha no desenvolvimento emocional, cognitivo ou social de adultos que assumem a paternidade sem estarem preparados para exercer as funções que o papel carrega.

"A imaturidade diz respeito a uma dificuldade em incorporar e superar as etapas do desenvolvimento humano", explica o psicólogo Leandro Groba, professor de psicologia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. "Ela pode ter origens diversas: traumas, fatores orgânicos, sociais, familiares, entre outros."

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Imagem: Getty Images

O que define um pai ou uma mãe imaturos?

Imaturidade parental não tem nada a ver com o pai ou a mãe gostar de assistir desenhos animados, gravar dancinhas para o TikTok ou ser um adulto divertido ou piadista. O problema aparece quando o comportamento imaturo revela uma dificuldade crônica de lidar com as responsabilidades, os limites e as frustrações inerentes ao papel de educar uma criança.

Esse adulto se torna emocionalmente indisponível no dia a dia;

Toma decisões impulsivas e não lida com as consequências;

Evita conflitos, terceiriza responsabilidades ou culpa os filhos por frustrações;

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Demonstra instabilidade emocional e carência afetiva;

Espera que os filhos ofereçam suporte emocional que deveriam receber de adultos.

Em resumo: são pais que, em vez de oferecer estrutura (função orientadora e protetora), exigem dos filhos uma maturidade que nem eles mesmos possuem. "Quando o adulto é inseguro e imaturo, muitas vezes se comporta de forma infantil, gerando nos filhos posições problemáticas", aponta Wimer Bottura, psiquiatra e psicoterapeuta, membro da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Consequências mais comuns

Segundo Bottura, a inversão de papéis entre pais e filhos pode dar origem a dois cenários disfuncionais, cada um com impactos profundos no desenvolvimento emocional da criança:

  1. Filhos adultos antes da hora: nesse caso, a criança se vê forçada a assumir responsabilidades que não são suas. Vira conselheira, cuidadora ou até mediadora de conflitos familiares. Parece um "filho perfeito", mas carrega um peso invisível. Esses filhos amadurecem precocemente, pulam fases, se sentem responsáveis por coisas que não deveriam e crescem com dificuldade de confiar nos outros ou de relaxar em relacionamentos afetivos.
  2. Filhos que espelham a imaturidade: por outro lado, há os que assimilam o mesmo padrão dos pais. Tornam-se adultos que evitam responsabilidades, têm baixa tolerância à frustração e criam relações frágeis e manipulativas. "Essas pessoas fazem escolhas, mas não se responsabilizam por elas. Criam bolhas de proteção emocional e vivem jogando a culpa para os outros", explica Bottura.
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Dá para reverter os danos?

Depende. "Aqueles que amadurecem precocemente costumam ter mais chances de buscar ajuda, porque reconhecem o sofrimento. Eles tendem a se beneficiar de terapia e conseguem, aos poucos, ressignificar sua história", afirma Wimer Bottura. "Já os que permaneceram imaturos como os pais terão mais dificuldade, porque nem sempre enxergam as consequências dos próprios atos", explica.

A boa notícia é que há esperança para ambos os casos —desde que exista uma faísca de consciência. "Todos nós carregamos as marcas do nosso desenvolvimento. Algumas são mais comprometedoras do que outras. Cabe aos adultos reconhecerem essas marcas e buscar resolvê-las, para não as transmitir às crianças sob sua responsabilidade", resume o psicólogo Leandro Groba.

Em crianças, dependendo do quanto a imaturidade dos pais afetou o desenvolvimento emocional, a psicoterapia infantil pode ser necessária. Ainda assim, o envolvimento dos pais no processo é fundamental. "Quando os pais investem no próprio bem-estar físico e mental, isso se reflete diretamente na saúde emocional dos filhos", reforça Maria Eduarda Bernardi, psiquiatria pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e diretora da Clínica Maia Prime Morumbi.

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Imagem: iStock

Como ajudar pais imaturos

A mudança não vem de repente, nem de broncas e cobranças alheias. "A crítica direta afasta essas pessoas. Elas se defendem, recuam, fogem", diz Bottura. Por isso, o trabalho terapêutico precisa ser construído com acolhimento, confronto respeitoso e estímulo à autorresponsabilidade. Entre as abordagens mais eficazes, destacam-se:

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Terapia familiar ou sistêmica: a mais indicada nesses casos. "É nessa modalidade que os pais são convidados a enxergar seu papel no sistema familiar. Não adianta tratar a criança como se ela fosse o problema se o ambiente em que ela vive permanece o mesmo", alerta o psiquiatra. Bernardi completa: "A terapia familiar permite que pais e mães falem sobre suas diferenças e alinhem estratégias, evitando que a criança cresça em um ambiente instável."

Terapia individual: pode ser um bom começo, especialmente quando o pai ou a mãe deseja entender melhor suas emoções e padrões. "O impacto é amplo. Um adulto que amadurece individualmente melhora também sua relação com os filhos", explica o psicólogo Leandro Groba. Bernardi acrescenta que a terapia cognitivo-comportamental é uma das mais eficazes nesse processo de autoconhecimento e mudança de padrão.

Terapia de casal: indicada quando a imaturidade está na própria dinâmica conjugal, afetando diretamente a criação dos filhos. Aqui, a mudança é conjunta e focada na parceria, com reflexos na vida familiar.

No fim das contas, maturidade vem com disposição em querer crescer, sobretudo quando há uma criança envolvida. Como diz a médica Maria Eduarda Bernardi: "A melhor forma de ensinar, talvez a única, é dando o exemplo. Se eu quero que meu filho respeite o outro, preciso respeitar. Se quero que ele tenha menos tempo de tela, preciso estar menos no celular." Pais que assumem seus erros e buscam mudar não apenas salvam a relação com os filhos como interrompem o ciclo de imaturidade —e de sofrimento— que frequentemente atravessa gerações.

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