Famosas do TikTok veem abrigo na web e fazem terapia para problemas offline

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Saúde mental não é mais um tabu como já foi um dia. Cada vez mais, as pessoas estão buscando diagnósticos com psiquiatras e a terapia como parte do tratamento. Os números confirmam isso.
Um levantamento feito pelo Ministério da Saúde mostra que, de 2014 a 2024, os atendimentos relacionados a transtornos de ansiedade no SUS, para crianças e adolescentes, aumentou de forma considerável.
Na faixa etária dos 10 aos 14 anos, esse aumento foi de 1.575%. Já entre adolescentes de 15 a 19 anos, o avanço foi de 4.423%.

Um levantamento realizado no ano passado pela Folha a partir da análise de dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS mostrou que, desde 2022, a situação dos jovens passou a ficar mais crítica do que a dos adultos.
Considerando dados de 2023, a taxa de pacientes de 10 a 14 anos atendidos pelo transtorno é de 125,8 a cada 100 mil. A de adolescentes, de 157 a cada 100 mil. Entre pessoas com mais de 20 anos, a taxa é de 112,5 a cada 100 mil.

Saúde mental gera identificação
Entre os assuntos abordados por Liz Macedo, 15, em suas redes está seu diagnóstico de ansiedade e depressão. Ela expõe os dias ruins, como está se sentindo, fala que vai na terapia e dos recursos mobilizados pelos pais para o seu tratamento.
Para Vanessa Macedo, mãe dela, esse seria um dos motivos que gera tanta identificação entre milhões de seguidores de sua filha e ela.
"São três pontos. Um: é a verdade nua e crua que ela mostra. Dois: ela não tem vergonha de nada, que é uma coisa dos adolescentes, eles são envergonhados. E três: a questão da saúde mental", disse ao UOL.

Segundo a mãe, Liz foi muito impactada pela pandemia, quando passou a ter episódios de crises de ansiedade e pânico. Com a retomada das atividades, ela percebeu que a filha mudou bastante.
"Eu guardei uma criança em casa e tirei uma adolescente, e nem todas as amizades acompanharam essa evolução", lembra Vanessa. Isso agravou a saúde mental dela, e foi nas redes sociais que encontrou refúgio.
Meus problemas relacionados a saúde mental não são relacionados a trabalhar com a internet. São mais as coisas da minha vida pessoal.
Liz Macedo
Hoje ela ignora as notificações do celular, e não lê comentários de seus próprios vídeos —jeito que ela encontrou para lidar com os "hates" quando percebeu que isso a deixava mal.
Em uma polêmica recente no TikTok, ela chegou a ficar uma semana sem postar nada, algo fora da curva para quem está acostumado com seus mais de 20 posts diários.
Vida real, problemas reais
Sofia Schaadt também faz terapia. E, como Liz, não é exatamente por conta de seu trabalho com as redes sociais, mas pelas dificuldades de relacionamento na escola.
Para a mãe Amanda, essa é uma questão frequente para a filha. Apesar na popularidade nas redes sociais, que reflete em sua rotina, já que é convidada para muitos eventos, é no dia a dia que as dificuldades acontecem.

"Muitas amizades que eram próximas acabam ficando com um pouco de ciúme. Ela tem amigas que se afastaram", avalia ela.
Já Alice e Julia, não fazem terapia. "Por enquanto, não vejo necessidade. Mas elas não têm a parte do acesso, do contato com o público", pondera Morgana Secco, mãe das meninas, que acredita que as filhas ainda não sentem o impacto da fama na internet.

Proibição é o caminho?
A ansiedade é uma resposta natural do organismo que está relacionada à ativação do sistema nervoso simpático e à liberação de hormônios como adrenalina e cortisol.
Entre os sintomas, estão o aumento dos batimentos cardíacos, tensão muscular, inquietação, preocupação excessiva e dificuldade de concentração, etc.
O Brasil ganhou o preocupante título de campeão de ansiedade no mais recente relatório sobre o tema publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS): 9,3% da população sofre com o problema, de acordo com o documento.
O valor é o triplo da média mundial, e supera de longe os Estados Unidos (6,3%). Assim como em outros continentes, as mulheres são as mais afetadas nas Américas: 7,7% sofrem de ansiedade, contra 3,6% dos homens.
Alguns profissionais defendem que crianças e adolescentes devem ser privados de celular até os 16 anos. Isso porque as redes sociais de vídeos curtos, como o TikTok, tendem a ser mais viciantes, e expõe crianças e adolescentes a comparações extremas.
"[São] coisas que vão afetar a autoestima dela, direcionar o olhar dela para si mesma, para um olhar crítico e não satisfeito, o que é sempre muito perverso para as crianças", avaliou o pediatra Daniel Becker, em 2024, a VivaBem.
Ainda segundo ele, as vias cerebrais que geram o vício são afetadas pela repetição excessiva de uma atividade. Com o acesso ao celular muito mais cedo, esse efeito pode ser mais intenso e gerar consequências piores.
Em 2022, a OMS divulgou que 11% dos adolescentes (13% das meninas e 9% dos meninos) mostraram sinais de uso problemático das redes sociais, em comparação com apenas 7% quatro anos antes.
Eles apresentaram sintomas semelhantes aos do vício: incapacidade de controlar o uso excessivo das redes sociais, sentimentos de abstinência e abandono de outras atividades em favor das telas.
Redes sociais como aliadas
Apesar do cenário, outros profissionais acreditam que é possível guiar o adolescente pelo meio termo. O celular pode ser um meio de comunicação valioso em determinados contextos, acredita o doutor em psicologia clínica Renan Carletti, professor na área de psicologia da comunicação na FAAP.
Essa saída estaria mais próxima da realidade do brasileiro médio, que nem sempre pode contar com uma rede de apoio consistente para manter os filhos entretidos longe das telas. E é possível fazer isso impondo limites e colocando as redes sociais como um facilitador na relação com os adolescentes.
@sofia.schaadtgrwm pra escola💓
♬ original sound - Sofia Schaadt 💗
Os pais podem questionar os filhos sobre quais os influenciadores favoritos deles e o que eles pensaram antes de fazer uma postagem, por exemplo. São perguntas que ajudam o menor a refletir sobre o que a rede social significa para ele e ajudam os adultos a entenderem como está a relação do filho com o ambiente virtual.
O psicólogo destaca que a maternidade e a paternidade já são rodeadas de culpa. E que, diante das novas tecnologias, não é incomum que eles se sintam incapazes de criar os próprios filhos -ainda mais quando escola e profissionais questionam suas decisões.
Para Carletti, pais, escola e profissionais de saúde devem se alinhar e dar as mãos na função do educar, e não apontar o dedo para os demais agentes, diante de temas como o uso das redes sociais.
"Nem todo mundo acha mais que psicólogo é coisa de louco, mas a gente tem que ir caminhando. O próximo passo é entender que a gente não cuida da nossa saúde mental só na terapia individual. A gente cuida da nossa saúde mental nas nossas redes de cuidado, nas nossas redes de afeto e na possibilidade de trabalhos em grupo", finaliza.
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