Terapia em movimento: 'Perdi 44 kg e tratei depressão com ajuda da corrida'
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O administrador Rafael Nascimento, 40, convive com a depressão há mais de uma década. Já passou por altos e baixos e descobriu na corrida uma importante aliada. "É a minha terapia em movimento, me conecta com o corpo e acalma a mente", diz. A seguir, ele compartilha sua história.
"A depressão não entrou de uma vez na minha vida, ela foi causando pequenas feridas ao longo do tempo e se intensificou em 2012 quando minha mãe foi diagnosticada com câncer de mama.
Depois disso, pedi demissão do trabalho e realizei o desejo dela de voltar a morar em Goiás. Mas as coisas ficaram difíceis. Consegui um emprego inferior, perdi 70% da minha renda, e minha esposa ficou seis meses desempregada. Sentia uma tristeza profunda, tinha pensamentos negativos, chorava, me isolava das pessoas e, ao mesmo tempo, me sentia só. Tinha crises de ansiedade, falta de ar e ficava muito irritado.

Em 2014, busquei ajuda e recebi o diagnóstico de depressão e ansiedade. Comecei a tomar antidepressivos. O médico indicou também terapia e atividade física como apoio ao tratamento. Relutei em procurar um psicólogo, mas correr já fazia parte da minha rotina desde 2010, quando meu pai fez uma cirurgia bariátrica e comprou uma esteira, que acabou ficando comigo.
Na época, eu pesava 136 kg. Mudei a alimentação, corria todos os dias na esteira e, em oito meses, perdi 44 kg —cheguei a 92 kg. Passei a correr na rua. Mas foi só quando o neurologista disse que o esporte seria meu aliado contra a depressão que passei a enxergar a corrida com outros olhos.

A corrida é a minha terapia em movimento, ela me conecta com o meu corpo e acalma a minha mente. Já tive muitos momentos obscuros, em que fiquei triste e achei que a única saída para acabar com o meu sofrimento fosse morrer. Mas, ao correr, limpava a mente, reorganizava os pensamentos e emoções e percebia o quanto a vida é valiosa.
Nesses 11 anos, vivi muitos altos e baixo. As fases mais difíceis foram quando minha mãe teve câncer metastático no pulmão, depois sofreu um AVC e faleceu, e também quando fiquei desempregado. Cheguei a 142 kg e me afastei da corrida. Mas, em 2023, entrei para a assessoria esportiva CZN, do treinador Marcelo Avelar.
Com orientação, passei a correr de forma mais planejada, fazer funcional e musculação e reeduquei a alimentação. Emagreci 30 kg. Minha esposa começou a correr comigo, meu médico reduziu a dose do antidepressivo, e meu desempenho melhorou.

Já participei de várias provas de rua e de meias maratonas. Meu maior sonho é correr uma maratona. Ainda não estou preparado, mas estou treinando com calma para não pular etapas. Sei que me frustrar pode virar um gatilho e piorar tudo.
Pra mim, a corrida é como uma armadura contra a depressão. É o meu escape. Esqueço os problemas, me sinto feliz e revigorado. Mas, às vezes, os sintomas são tão fortes que nem ela resolve. Nessas horas, tudo que preciso fazer é parar.

Após a morte da minha mãe, participei de uma prova, mas ainda estava de luto. Chorava o tempo todo, pensava nela, e isso afetou meu desempenho. Outra vez, comecei o treino bem, mas fui tomado por tristeza e angústia, perdi a concentração e parei. Entendi que, nessas horas, forçar não adianta. O melhor a fazer é parar. Faz parte —nem sempre estaremos 100%. E está tudo bem. O importante é ter disposição para recomeçar e buscar ajuda. Correr é vida!"
Corrida e depressão: o que diz a ciência
Do ponto de vista biológico, a prática regular de exercícios aeróbicos, como a corrida, aumenta a liberação de neurotransmissores como serotonina, dopamina e norepinefrina, que desempenham papel central na regulação do humor, de acordo com o médico psiquiatra Luiz Gustavo Vala Zoldan, gerente médico do Espaço Einstein Bem-Estar e Saúde Mental.
A prática também estimula uma proteína essencial para a neuroplasticidade, ou seja, a formação de novas conexões neuronais, especialmente no hipocampo, região cerebral afetada na depressão. Além disso, reduz processos inflamatórios, outro fator ligado à depressão.
"No campo psicológico, a corrida eleva a autoestima, fortalece a autoconfiança e proporciona uma distração dos pensamentos negativos, além de também combater o isolamento social quando praticada em grupo", afirma Zoldan. "Outro benefício é que a concentração exigida pela corrida pode ter um efeito meditativo, aumentando a atenção e a presença no momento."
Zoldan alerta, porém, que, embora a atividade física tenha eficácia comprovada no alívio de sintomas depressivos e possa reduzir a necessidade de medicação em alguns pacientes e potencializar os efeitos do tratamento, a decisão de substituir ou descontinuar medicamentos deve sempre ser feita sob orientação médica.
Abandonar antidepressivos ou interromper a psicoterapia por conta própria pode trazer riscos significativos, incluindo recaída ou agravamento dos sintomas, aumento do risco suicida e síndrome de descontinuação medicamentosa, caracterizada por sintomas como irritabilidade, insônia, tontura e desconforto físico.
"O paciente pode apresentar melhora apenas parcial dos sintomas —como dormir melhor e sentir mais energia —, mas continuar vulnerável à desesperança, culpa excessiva ou pensamentos suicidas. O acompanhamento médico garante que o tratamento seja ajustado de acordo com a evolução clínica, permitindo a redução gradual de medicamentos quando apropriado e garantindo intervenções adicionais caso haja piora do quadro. O manejo da depressão é multidisciplinar e inclui, quando necessário, a integração de farmacoterapia, psicoterapia, intervenções psicossociais e atividade física".
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