'Barriga aberta sem sangue': cirurgias reais são diferentes das de séries

Em séries médicas, as salas de cirurgia são escuras, cheias de aparelhos apitando, sangue, tensão e correria. Na vida real, não é bem assim. Passei uma manhã caminhando pelo centro cirúrgico de um grande hospital em São Paulo e posso garantir: algumas coisas são bem diferentes da ficção —outras, nem tanto.

A preparação para essa minha aventura começou antes mesmo de eu ver qualquer médico. Para entrar no centro cirúrgico, é preciso vestir um uniforme fornecido pelo hospital: calça e blusa de manga longa, touca e protetores para os sapatos. Dentro das salas de operação, o uso de máscaras é obrigatório.

Em um único mês, o Hospital Nove de Julho realiza 1.650 cirurgias, inclusive procedimentos pouco invasivos, feitos com o auxílio de robôs —tecnologia que chegou ao Brasil em 2008. Pude ver de perto algumas dessas cirurgias.

Robô ou videogame?

Robô usado em cirurgias no Hospital 9 de Julho
Robô usado em cirurgias no Hospital 9 de Julho Imagem: Divulgação

Minha primeira parada foi na sala de treinamento para cirurgias robóticas. O urologista Rafael Coelho é especialista na área. Ele já realizou mais de seis mil procedimentos e é referência dentro do hospital. Além de atender pacientes, ministra cursos para médicos do mundo todo sobre como operar a máquina.

O robô em questão é uma estrutura enorme. Parte dele fica com o paciente, na mesa de cirurgia. A outra parte é onde o médico comanda os controles com as mãos e pés, enquanto observa tudo por uma tela. A tecnologia é mais avançada do que a laparoscopia, por exemplo. Afinal, em vez de cabos com mobilidade limitada, as pinças robóticas têm movimentos de 360º e são extremamente precisas.

Coelho montou o equipamento e me explicou como usá-lo. Parecia muito simples. Tudo o que eu precisava fazer era uma sutura na barriga de um paciente fictício —o simulador se assemelha a um videogame. Além das pinças nas mãos, a máquina conta com pedais que controlam a imagem.

Com tranquilidade posso dizer: meu paciente não passa bem. Não consegui dar nem um ponto sequer usando o robô. A precisão é milimétrica e exige uma delicadeza que eu claramente não tenho. Mais furei a barriga no lugar errado do que acertei.

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Equipamento para treino para o uso de robô em cirurgias
Equipamento para treino para o uso de robô em cirurgias Imagem: Rafaela Polo/UOL

O número de profissionais capacitados hoje é grande em todas as áreas. Além da urologia, há também cirurgiões que usam robôs em procedimentos de ginecologia, aparelho digestivo, tórax, oncologia, cabeça e pescoço. Isso se traduz em benefícios aos pacientes. Rafael Coelho, urologista

O principal ganho da cirurgia robótica para o paciente é o tempo reduzido de recuperação. Geralmente, por se tratar de um procedimento minimamente invasivo, a pessoa pode ir embora no dia seguinte, o que reduz o tempo de internação.

Na vida real

Pude acompanhar uma cirurgia de endometriose realizada com robô pela ginecologista Raquel Magalhães. A paciente já havia passado por três procedimentos convencionais anteriormente e, aos 40 anos, não tinha mais o útero.

"Como essa paciente já passou por diversas cirurgias abdominais, o risco de complicações aumenta num procedimento tradicional. Ela ainda tem pontos de endometriose a serem retirados e, com o robô, a cirurgia se torna mais curta e menos invasiva", explica Magalhães.

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A repórter Rafaela Polo acompanhou uma cirurgia de endometriose feita por robô
A repórter Rafaela Polo acompanhou uma cirurgia de endometriose feita por robô Imagem: Acervo pessoal

A sala onde ocorre a cirurgia robótica fica escura e é cheia de telas, para que toda a equipe possa acompanhar o que a médica está fazendo em tempo real. Enquanto Raquel estava sentada ao console do robô, com o rosto encaixado na tela, conseguia ouvir a equipe e falar com todos. Dava instruções a quem precisava ajudá-la e conversava normalmente, como fazemos no dia a dia.

As imagens não são aflitivas —pelo menos para mim. As pinças cortam e cauterizam os pontos de endometriose ao mesmo tempo. Não há sangramento visível, então é possível ver exatamente onde a médica está mexendo e o tamanho das lesões após a cauterização.

Barriga aberta sem sangue

O robô é tecnológico, mas queria ver um corpo aberto. Acompanhada pelo cirurgião cardiovascular Artur Raoul, coordenador cirúrgico do Hospital Nove de Julho, e por Pedro Gianotti, gerente médico, continuei meu tour pelo centro cirúrgico. Seguimos para uma sala onde acontecia uma cirurgia de úlcera no intestino.

Dessa vez, a sala lembrava mais o que costumo ver nas séries médicas. Não dava para ver o paciente inteiro, apenas a parte que estava sendo operada. Com a barriga aberta e coberta por panos azuis, cerca de quatro profissionais trabalhavam concentrados. Toalhas cirúrgicas eram usadas para estancar o sangramento e manter a área livre durante o procedimento. Ao se encharcarem, eram descartadas e substituídas.

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Ao lado da maca, havia uma mesa cheia de instrumentos cirúrgicos —pinças, tesouras e bisturis— todos organizados com precisão milimétrica. No paciente, havia apenas uma máquina ligada, que monitorava seus sinais vitais. Nenhuma tensão no ar, apenas silêncio e concentração.

Fui orientada a ficar em silêncio e manter as mãos para trás. Por alguns minutos, observei os médicos trabalhando no paciente. A vontade era pedir licença para me aproximar e enxergar melhor.

Minha última parada foi em uma sala onde acontecia uma angioplastia. Usando uma proteção semelhante à de um exame de raio-X, acompanhei o final do procedimento, em que um balão é usado para expandir a veia de uma paciente que faz hemodiálise. Essa é uma cirurgia guiada por vídeo, ultrassom e contraste —bem diferente das outras que vi.

Mais uma vez, só era visível um pedacinho do braço da paciente. Ao final, pude ver —fora do corpo— como o balão é inflado. E, surpreendentemente, ele é bem grande. A veia pode chegar a até um centímetro e meio de diâmetro.

E assim terminou meu tour. Fiz com que me prometessem que me chamariam para assistir a uma cirurgia cardíaca —aquela em que o coração para e depois volta a bater. Quem sabe esse não é o meu próximo relato?

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