Alimento em pó surgiu na guerra e foi parar nas casas, mas pode ser cilada

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Foi no século 20 que a mágica começou a acontecer: transformar comida de verdade em pó. A ideia parecia saída de um filme futurista, mas tinha objetivos bem práticos: facilitar o transporte e o armazenamento de alimentos, principalmente em tempos de guerra ou missões espaciais. Afinal, como alimentar soldados em campo ou astronautas a milhões de quilômetros da Terra?
A resposta veio na forma de alimentos desidratados: leves, duráveis, fáceis de carregar e prontos em minutos com apenas um pouco de água quente. Era o começo da era das sopas instantâneas, dos sucos em pó e de outros alimentos solúveis, que, ao chegarem aos supermercados, logo ganharam popularidade e, com o tempo, se consolidaram como uma verdadeira tendência de conveniência.
Quanto mais in natura, melhor
Alguns alimentos em pó, como o leite integral ou desnatado e o whey protein (especialmente o concentrado), conseguem manter boa parte dos nutrientes mesmo depois de passarem por processos de desidratação e pulverização. Isso os torna uma opção prática e nutritiva para quem tem uma rotina agitada, pois podem reforçar a alimentação com vitaminas, minerais e proteínas.
No entanto, é importante escolher esses e outros produtos com atenção. As melhores opções para uma alimentação saudável continuam sendo as que passaram por menos industrialização e não contêm muitos aditivos. Alguns exemplos saudáveis incluem:
Farinha funcionais (linhaça, aveia, amêndoas): elas passam por um processo de trituração ou moagem, o que as transforma em versões em pó ou fareladas ricas em fibras e que ajudam na saciedade e no funcionamento intestinal;
Cacau 100%: excelente fonte de antioxidantes e minerais como magnésio e ferro. Sem açúcar, é uma alternativa saudável ao achocolatado;
Vegetais e frutas desidratados (espinafre, beterraba, açaí, morango): usados para enriquecer sopas, sucos e caldos com fibras, vitaminas e minerais;
Spirulina ou chlorella em pó: algas ricas em proteínas, ferro, antioxidantes e vitaminas do complexo B. Usadas com moderação, podem dar um reforço nutricional a sucos e smoothies;
Especiarias (cúrcuma, canela, gengibre em pó): com propriedades anti-inflamatórias, antimicrobianas e antioxidantes, são aliadas do sistema imunológico;
Proteína vegetal em pó (ervilha, arroz, soja): boas alternativas ao whey para quem é vegano ou intolerante à lactose;
Leite vegetal em pó (como de coco ou amêndoas): alternativas para quem evita leite de origem animal. Prefira os sem açúcar;
Matcha em pó (chá verde): fonte de cafeína, aminoácido L-teanina e antioxidantes. Estimula o foco e pode ser usado em bebidas e sobremesas.
Para garantir que o alimento em pó seja realmente saudável, sempre leia o rótulo com atenção. Opte por produtos com poucos ingredientes, nomes compreensíveis e sem adição de substâncias como gorduras trans, sódio e açúcar em excesso (xarope de glicose, maltodextrina), realçadores de sabor (como glutamato monossódico), corantes artificiais e conservantes químicos.
Mitos e cuidados com a alimentação
O leite em pó e as farinhas integrais, como as de aveia, chia e linhaça, são boas opções, mas nem sempre mantêm todos os nutrientes das versões em seu estado mais natural e não processado.
As farinhas funcionais são ótimas para se misturar com frutas e iogurtes, ou enriquecer receitas de pães, bolos e mingaus, pois ajudam na digestão e no aproveitamento dos nutrientes. Porém, durante o processo de produção, elas podem perder algumas fibras e antioxidantes, especialmente os óleos saudáveis da chia e da linhaça, como o ômega-3, que são sensíveis ao calor e à oxidação.
Para conservar melhor os nutrientes, é ideal guardar as farinhas em potes fechados na geladeira e, se possível, moer as sementes na hora do consumo.
No caso do leite em pó, a quantidade de nutrientes pode variar de acordo com a marca, então é sempre importante verificar o rótulo. Um mito comum é achar que ele engorda mais, mas isso não é verdade. Quando preparado da maneira correta, ele tem a mesma quantidade de calorias do leite líquido. O que pode aumentar as calorias é preparar com mais pó ou menos água do que o indicado, deixando-o mais concentrado.

Desconfie de certas características
Alguns alimentos em pó merecem mais cuidado. Quando têm um sabor muito doce, salgado ou artificial, cores e cheiros muito fortes e um prazo de validade longo, é sinal de que passaram por um processo industrial "pesado". Esses alimentos geralmente têm embalagens com anúncios apelativos (como "pronto para consumo"), muitos aditivos sintéticos e quase nenhuma fibra, além de pouco valor nutricional, como por exemplo:
Sopas e caldos prontos;
Achocolatados instantâneos (mais de 70% da fórmula é açúcar);
Cafés solúveis adoçados;
Suco em pó com sabor artificial (a maioria tem menos de 1% de fruta);
Gelatina de supermercado;
Shakes ultraprocessados;
Temperos químicos em sachê;
Misturas para bolos ou sobremesas.
Consumidos com frequência, esses produtos podem contribuir para problemas de saúde como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e inflamações crônicas. Por isso, o melhor é consumi-los esporadicamente e dar preferência a opções mais naturais e balanceadas.
No caso das gelatinas, as versões comuns de supermercado não ajudam muito na saúde da pele ou das articulações. Elas contêm pouco colágeno e, em geral, vêm com bastante açúcar, corantes e conservantes. Se a ideia é aproveitar os benefícios do colágeno, o ideal é escolher o hidrolisado, disponível em lojas de produtos naturais ou suplementos. Esse tipo é mais puro e mais facilmente absorvido pelo corpo.
Não são indicados para todos
Embora muitos alimentos em pó possam contribuir para a alimentação (de pessoas com uma rotina corrida ou que viajam muito, atletas, pacientes com dificuldades de mastigação ou deglutição, em dietas restritivas etc.), algumas versões podem ser prejudiciais para aqueles com condições como hipertensão, diabetes, alergias ou intolerâncias alimentares, problemas renais e hepáticos.
Por isso, recomenda-se que os suplementos de proteínas e vitaminas (como whey protein ou multivitamínicos em pó) não sejam ser usados por conta própria. O excesso de certos nutrientes também faz mal à saúde —por isso, o indicado é usar com orientação médica ou de um nutricionista.
Tem mais. Durante o processo de transformação para a forma em pó, alguns nutrientes importantes podem se perder, principalmente vitaminas mais sensíveis ao calor e à luz, como as vitaminas C, do complexo B e D. Isso pode ser um problema para pessoas que precisam de mais atenção nutricional, como idosos, gestantes e crianças.
Existem técnicas mais modernas, como a liofilização (freeze drying), que retira a água do alimento por congelamento e evaporação, sem usar calor. Esse processo ajuda a preservar melhor os nutrientes, mesmo em pequenas porções. Mas nem todo alimento em pó passa por esse processo. Os que causam maior perda nutricional são os de secagem por atomização (spray drying), que utilizam altas temperaturas para transformar o líquido em pó de forma mais rápida e barata.
Portanto, o segredo é usar esses produtos em pó como complemento, e não como substitutos das refeições, e sempre com acompanhamento especializado. Faça escolhas conscientes, com moderação e mantenha uma alimentação variada.
Fontes: Hemily Rebouças Leite de Oliveira, professora do curso de nutrição da Faculdade Anhanguera, de Vitória da Conquista (BA); Liziane Camargo, nutricionista pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e professora universitária, de Porto Alegre; Thais Barca, nutricionista pós-graduada em nutrição aplicada ao exercício físico pela USP e da Clínica CliNutri (SP).
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