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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ela ficou paraplégica por um furúnculo: 'Tentei tirar e minha vida mudou'

Jéssica Nascimento

Colaboração para VivaBem, em Brasília

19/05/2025 05h30

A vida de Jessica da Silva Avelino, 26, mudou drasticamente após um episódio aparentemente simples: um furúnculo no braço esquerdo. O que parecia ser apenas uma infecção localizada se transformou em um quadro grave depois que a bactéria se alojou na medula espinhal e a deixou paraplégica.

Moradora do Espírito Santo e mãe de um menino de três anos, Jessica enfrentou internações, dores intensas e o medo da morte, até redescobrir a alegria de viver —agora, sobre duas rodas. A VivaBem, ela contou sua história.

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'Tentei tirar o pus e isso mudou minha vida'

Ela foi ao hospital após sentir dores fortes na lombar Imagem: Arquivo pessoal

"No ano de 2023, no dia 11 de novembro, apareceu um furúnculo no meu braço esquerdo. Nunca tinha tido um na vida, foi a primeira vez. Tive a atitude de tentar tirar o pus e nunca imaginei que isso mudaria toda a minha vida.

Depois que apertei, ficou bastante inchado e muito vermelho ao redor. Comecei a usar soro fisiológico e tampava a região.

No dia 15 de novembro, comecei a sentir dores lombares. Até então, nem passava pela minha cabeça que poderia ser o início de uma inflamação medular. Tomava paracetamol, a dor passava por um tempo, mas sempre voltava. No dia 26 de novembro, a dor piorou e fui ao hospital. Fiz raio-X, exames de sangue e tomei medicamentos. As dores aliviaram, mas voltaram logo depois.

Em 27 de novembro, as dores ficaram ainda mais fortes, comecei a ter febre, vômitos e não conseguia mais abaixar o queixo no peito. Voltei ao hospital e fui internada. As dores lombares eram intensas e irradiavam para as pernas.

Fui internada com suspeita de meningite e, em 30 de novembro, os exames mostraram uma bactéria no sangue. Logo depois, minhas pernas começaram a formigar. Comecei a andar pelo quarto tentando aliviar, mas no momento em que sentei, não consegui mais levantar. A paralisia já tinha tomado as duas pernas.
Jessica da Silva Avelino

Fui rapidamente para a UTI, onde comecei a tomar antibióticos fortes. A bactéria poderia se espalhar pelo corpo e levar à morte ou deixar sequelas graves. Fiquei uma semana na UTI.

Depois, fiz uma cirurgia para verificar se havia algo comprimindo a medula. Na região T7 [da coluna, na área do tórax] encontraram uma pequena quantidade de pus, mas nada estava comprimindo. Sem diagnóstico, fui transferida para outro hospital, em Vitória.

'Bactéria se alojou na medula'

Jessica vive em uma cadeira de rodas e precisou se adaptar à nova condição Imagem: Arquivo pessoal

Foi lá que os médicos descobriram que a bactéria se alojou na medula, causando uma inflamação medular, tudo decorrente do furúnculo. Fiquei mais 21 dias internada, tomando antibióticos. As dores lombares eram fortíssimas, agudas e constantes. Chorava dia e noite. Com o tempo, o antibiótico fez efeito, mas a paralisia permaneceu.

Hoje meu tratamento é feito com fisioterapia e exercícios.

Os médicos explicaram que a paralisia ocorreu porque a bactéria se alojou justamente na região da medula responsável por transmitir informações para o cérebro. Como essa comunicação foi interrompida, meu corpo não responde da cintura para baixo. Mas existe uma chance de voltar a andar, já que foi uma inflamação e não houve lesão direta na medula. Jessica da Silva Avelino

Eu era uma pessoa ativa, amava dançar, pilotar, dirigir, trabalhar. Passei por um quadro de depressão, ansiedade, compulsão e ganhei peso.

'Não quero me preocupar se vou voltar a andar'

Hoje, vejo a vida de forma diferente. Aproveito o dia como se não houvesse amanhã. Voltei a fazer o que mais amo: dançar, sair e ser feliz —mesmo sendo cadeirante. Comecei a contar minha história em vídeos para alertar outras pessoas sobre o que pode acontecer.

Meu objetivo é mostrar que viver com uma deficiência, seja ela qual for, pode ser uma aventura maravilhosa. A vida não acabou —na verdade, ganhei uma nova chance de viver. Lutei contra meus pensamentos negativos e contra a depressão. Minha cadeira de rodas é o meu maior testemunho de que a alegria não depende das circunstâncias, mas sim da coragem de ser feliz.

As lágrimas que derramei me mostraram que posso ser melhor. E acredite: você encontra forças e se reconhece novamente.

Jessica diz que ganhou uma nova chance de viver Imagem: Arquivo pessoal

Não quero me preocupar se vou voltar a andar. Quero me preocupar em viver como se fosse o último dia —e fazer o que sempre amei: dançar. E, hoje, danço sobre duas rodas."

Furúnculos e paraplegia

O furúnculo é uma infecção bacteriana do folículo piloso, geralmente causada pela bactéria Staphylococcus aureus. Ele se manifesta como uma lesão inchada e avermelhada, quente, dolorosa e cheia de pus.

Embora seja algo relativamente comum, pode se tornar perigoso quando tratado de forma inadequada ou se houver demora em iniciar o tratamento correto, como no caso da Jéssica, que tentou espremer a lesão em casa.

Ao tentar manipular a lesão em casa, a paciente provavelmente facilitou a entrada da bactéria em camadas mais profundas da pele. Esse tipo de manipulação pode fazer com que a infecção ultrapasse a barreira cutânea, atinja vasos sanguíneos e se dissemine pela corrente sanguínea --um quadro que chamamos de bacteremia.
Tatiana Sabaneeff, dermatologista do Hospital Anchieta

Uma vez na corrente sanguínea, a bactéria pode se espalhar para diferentes órgãos do corpo, como coração (levando à endocardite), pulmões (provocando pneumonias graves), rins, ossos (osteomielite) e até o sistema nervoso central. "No caso de Jéssica, a bactéria se alojou na medula espinhal, causando uma mielite infecciosa, uma inflamação severa que comprometeu os nervos responsáveis pelos movimentos, levando à paraplegia", explica Tatiana Sabaneeff.

Casos do tipo são extremamente raros, diz Thiago Morbi, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. "Se essa infecção comprime ou danifica a medula, pode levar a sequelas neurológicas severas, como a paraplegia. Ainda assim, trata-se de uma complicação rara e grave, que geralmente envolve fatores de risco associados, como imunossupressão, diabetes ou demora na busca por atendimento médico."

Essas complicações não são apenas incapacitantes —podem, sim, levar à morte se não forem tratadas a tempo. A sepse (infecção generalizada) é uma das evoluções mais temidas nesses casos, principalmente quando há atraso no diagnóstico ou no início do tratamento adequado.

Por isso, é fundamental procurar um médico para iniciar o tratamento adequado e não espremer, furar ou tentar drenar furúnculos em casa. Mesmo após o início do tratamento, ao menor sinal de piora --dor intensa, aumento da vermelhidão, febre ou áreas endurecidas ao redor da lesão-- retorne ao médico. O tratamento inclui antibióticos e, em alguns casos, drenagem feita por um profissional de saúde, com técnica adequada. Um furúnculo pode até parecer simples, mas, se mal cuidado, tem potencial para causar complicações graves e até fatais. A orientação médica é sempre o caminho mais seguro.
Tatiana Sabaneeff, dermatologista do Hospital Anchieta

A possibilidade de recuperação dos movimentos depende de diversos fatores como a extensão e localização da lesão: lesões mais extensas ou localizadas em regiões críticas da medula geralmente têm pior prognóstico. Outro fator é o tipo de bactéria envolvida e a rapidez do tratamento, diz Diogo Haddad, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

O início precoce do tratamento com antibióticos e suporte terapêutico é fundamental para limitar danos permanentes. Quanto mais rápida a intervenção após o início dos sintomas, maiores são as chances de recuperação parcial dos movimentos.
Diogo Haddad, neurologista

O prognóstico também depende de outros fatores importantes, como a gravidade da infecção e eventuais complicações. "A presença de abscessos, necessidade de cirurgia ou quadros de septicemia podem comprometer ainda mais a função neurológica", explica Haddad. "Embora alguns pacientes apresentem melhora motora progressiva ao longo dos meses, especialmente com reabilitação intensiva, casos graves frequentemente deixam sequelas permanentes."

O tratamento costuma ser longo e inclui uso de antibióticos, além de muita fisioterapia. "A recuperação pode ser demorada e nem sempre com a completa recuperação dos movimentos. Isso vai depender da gravidade da infecção", diz Isabella Albuquerque, infectologista do Hospital São Vicente de Paulo (RJ).

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