Ele tem Parkinson e voltou a pilotar avião após 'marca-passo' no cérebro

Ler resumo da notícia
Diagnosticado com Parkinson em 2019, o engenheiro José Luís Millan Ávila, 52, diz que tem duas datas de aniversário: 23 de dezembro, o dia do seu nascimento, e 20 de dezembro, o dia em que fez a cirurgia de estimulação cerebral profunda (DBS, na sigla em inglês).
O procedimento consiste na inserção de eletrodos em pontos específicos do cérebro para amenizar sintomas de tremores, lentidão e rigidez. A estimulação cerebral trouxe uma nova perspectiva de vida para ele, que conseguiu retomar hobbies que estavam esquecidos e até optou pela reversão da vasectomia depois do tratamento.
- ENVIE SUA HISTÓRIA: acha que a sua história de vida merece uma reportagem? Envie um resumo para o email enviesuahistoria@uol.com.br. Se possível, já envie fotos e os detalhes que nos ajudarão a avaliá-la. A redação do UOL pode entrar em contato e combinar uma entrevista.
'Comecei a ter falta de sensibilidade'
Os sintomas de José Luís começaram cerca de um ano e meio antes do diagnóstico. "Em 2018, comecei a ter um pouco de falta de sensibilidade em dois dedos da mão esquerda. Como não melhorava, procurei um ortopedista", contou a VivaBem.
Mesmo medicado e fazendo fisioterapia, o morador de Guarulhos (SP) não notou melhora. Com exames mais específicos, o médico constatou uma obstrução no nervo e ele passou por cirurgia. Ainda assim, nenhum avanço.
José Luís tinha hérnia de disco há anos, e chegou a pensar que ela era a culpada pelos novos sintomas: dificuldade na marcha e a perna dormente. Ele decidiu procurar um neurologista para fazer outros exames.
Depois da ressonância magnética do crânio, região cervical e lombar, o engenheiro não esperou o resultado para procurar na internet possíveis diagnósticos. Foi quando ele leu sobre a possibilidade de ter a doença de Parkinson.
Quando o resultado dos exames veio normal, o médico constatou o diagnóstico. Isso porque o Parkinson é diagnosticado a partir da análise clínica e exclusão de outras doenças.
Eu já estava desconfiando, então não senti o choque. O importante é que tinha tratamento.
José Luís Millan
José Luís conta que o médico fez uma analogia que o ajudou a entender o que é o Parkinson: como diabetes, ele precisaria cuidar com medicação e mudança de hábitos.
"Eu só trabalhava, viajava para lá e para cá. Não tinha preocupação com exercício", lembra. Entre as mudanças, ele incluiu atividades físicas na rotina, melhorou a alimentação e continuou sem beber —o que já não fazia havia 20 anos.
'Parecia que tiraram o Parkinson com a mão'
Mas, por mais que os medicamentos retardem os sintomas, o Parkinson não tem cura. Do meio para o fim de 2022, mesmo com todos os cuidados, ele passou a ter dificuldade para tomar banho, abotoar a camisa, amarrar os sapatos.
Foi neste momento que o engenheiro decidiu procurar um outro médico, e ficou sabendo sobre o DBS.
O tratamento consiste na colocação de eletrodos no cérebro, que agem como um marca-passo cerebral regulando a atividade dos neurônios. Depois de ser submetido aos exames e ser considerado apto, ele realizou a cirurgia no dia 20 de dezembro de 2023.
No mesmo dia da cirurgia, eu já não tive mais nenhum sintoma da doença. Quando acordei no centro cirúrgico, no pós-operatório, parecia que tinham tirado o Parkinson com a mão.
José Luís Millan
Apesar de não ser a cura da doença, o procedimento apresentou novas perspectivas de vida para José Luís.
Ainda antes do DBS, mas depois do diagnóstico, ele conheceu a atual esposa. Ela sempre soube do Parkinson e isso não representava nenhum problema.
Mas foi após a cirurgia que ele tomou a decisão de fazer a reversão da vasectomia, para ser pai novamente. Ele já tem três filhos de outro relacionamento: Lucas, 30, Luís Augusto, 19, e Guilherme, 11.
Optei por fazer essa surpresa para ela, que sempre teve muita vontade de ser mãe. Como eu já estava naquele embalo dos centros cirúrgicos, aproveitei e reverti [a vasectomia].
José Luís Millan
Desde 2017, antes da doença, José Luís tinha como um de seus hobbies pilotar avião. Ele fez um curso de piloto privado, só que com o avanço dos sintomas precisou deixar a atividade de lado. "Quando o DBS veio, essa chama voltou. Já fiz um voo e foi maravilhoso."
A nova realidade despertou em José Luís até mesmo a vontade de voltar a estudar. Engenheiro de formação, ele quis entender melhor como funcionava o mecanismo que regula seu cérebro e iniciou uma pós-graduação em bioengenharia aplicada à área da saúde.
Quando estou fazendo atividade física e andando na esteira, por exemplo, começo a associar algumas coisas que eu aprendi sobre os biomarcadores. Fico sempre instigando minha mente para o novo.
José Luís Millan
"Hoje eu tenho uma qualidade de vida muito melhor até mesmo do que antes do diagnóstico. Como em casa, com tranquilidade, durmo na minha cama. O Parkinson ajudou a mudar meu estilo de vida."
Entenda o Parkinson e o DBS

A doença de Parkinson é um distúrbio do movimento que afeta mais de dez milhões de pessoas em todo o mundo. Ela surge da degeneração das células produtoras de dopamina na substância negra, uma região cerebral crucial para o controle motor.
Na doença de Parkinson, o DBS é indicado para os pacientes após alguns anos da doença. A indicação é para aqueles que, mesmo tomando as medicações, já não conseguem controlar os sintomas: tremor em repouso, lentidão do movimento, rigidez, etc.
O DBS não cura a doença, mas devolve qualidade de vida. O paciente não fica sem remédio depois. Depois que ele opera, ele tem o remédio mais a estimulação.
Murilo Marinho, neurocirurgião funcional
Para saber se está apto a receber o DBS, o paciente deve ser submetido a alguns testes e exames. Eles mostram como o corpo responde aos medicamentos e a anatomia do cérebro de cada um.
A cirurgia envolve a implantação de eletrodos na região dos núcleos da base, no interior do cérebro. Eles são conectados a um gerador que emite estímulos modificando e controlando a atividade dos neurônios, ajudando a aliviar os sintomas.
A cirurgia começa com o paciente sedado, para ser colocado um "anel" no crânio. Quando ele é acordado, os eletrodos são posicionados e os sintomas melhoram de forma instantânea. Depois, ele novamente é anestesiado para a instalação do gerador, que fica fixado na clavícula.
O DBS está disponível no SUS desde 2017 e no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) desde 2010 como opção terapêutica. O caminho que o paciente percorre inclui o diagnóstico por um neurologista, avaliação para indicação do DBS, autorização pelo sistema de saúde e realização da cirurgia por uma equipe especializada.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.