Déficit calórico funciona para emagrecer, mas tem pegadinhas
Léo Marques
Colaboração para VivaBem
23/04/2025 05h31
Em um mundo acelerado como o nosso, onde as pessoas têm buscado soluções fáceis e rápidas para suas demandas, incluindo perder peso, fazer uma dieta tendo como base o déficit calórico parece simples e atraente. Embora a teoria básica por trás seja fácil de entender —queime mais calorias do que consome e seu corpo recorrerá às reservas de gordura para obter energia—, seguir esse plano requer considerar outras variáveis.
A começar pelas nossas necessidades diárias de calorias. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda o consumo para indivíduos adultos saudáveis de 2.000 a 2.400 calorias por dia, sendo em torno de 2.000 para as mulheres e 2.400 para os homens. Mas esse é um valor médio de recomendação. Cada corpo tem a própria necessidade, que pode mudar de acordo com a composição corporal e outros fatores.
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Ter uma noção individualizada, portanto, é importante para fazer a conta correta. Um estudo publicado no The New England Journal of Medicine, por exemplo, mostrou que pessoas obesas com dificuldade de perder peso calculavam mal quantas calorias ingeriam, com os valores destoando em pouco mais de 1.000 calorias por dia. Além disso, elas também superestimavam a quantidade de energia gasta em atividade física por dia. Sem uma noção real, portanto, essas pessoas não conseguiam perder peso, mesmo acreditando estarem em déficit calórico.
Uma forma de evitar isso é utilizar tabelas de alimentos com as calorias na sua respectiva medida caseira, como a TBCA (Tabela Brasileira de Composição de Alimentos) para ajudar no cálculo da quantidade de calorias provenientes dos alimentos. Esses valores também podem ser calculados por meio de softwares nutricionais, utilizados pelos profissionais de nutrição, ou por aplicativos de celular.
O que pode influenciar nossas necessidades diárias?
O corpo humano gasta cerca de 70% da energia para manutenção das funções vitais do organismo. Isso inclui atividades como respiração, batimentos do coração e funcionamento do cérebro. Então, mesmo quando dormimos, estamos gastando energia.
Junto a isso, o corpo pode gastar energia com atividade física ou para trabalhar —e as variáveis disso são grandes. Se o seu trabalho for do tipo que te deixa sentado praticamente o dia inteiro, ou se ele é mais dinâmico e exige horas em pé ou caminhando de um lado para o outro, vai fazer diferença em quantas calorias você consome. A mesma coisa acontece com os exercícios: dependendo da intensidade e frequência, o gasto também será maior ou menor.
Como já dito, as necessidades energéticas entre homens e mulheres também são diferentes, pois muitos fatores específicos dos gêneros estão envolvidos, incluindo a composição corporal. Idade e altura também são fatores que devem ser levados em consideração. Com o avançar da idade, por exemplo, pode haver perda de massa magra, o que leva a uma menor necessidade energética.
Nesse sentido, profissionais como nutrólogos e nutricionistas podem ajudar. "Uma das práticas do nutricionista para avaliar o consumo do paciente é um recordatório de 24 horas ou um diário, em que a gente tem uma ideia, no geral, do consumo, da ingestão e, com isso, do gasto calórico", explica Andrea Ferrara, nutricionista clínica e funcional da Clínica Bottura e pós-graduada em fisiologia do exercício pela UNIFESP.
Como chegar no déficit calórico?
Segundo o nutrólogo Carlos Alberto Werutsky, diretor do departamento de Nutrologia Esportiva da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), o consumo médio de calorias diárias pode ser estimado por uma fórmula em que o peso corporal (em kg) é multiplicado por 25 a 35 (kcal) —o que seria suficiente para manter o peso atual. "Assim, o indivíduo estaria em déficit calórico ao reduzirmos essa margem para 20 kcal, por exemplo. Lembrando que mulheres têm necessidade calórica menor do que os homens", ressalta.
Para facilitar o entendimento, vamos dar um exemplo: uma mulher com 70 kg e cuja necessidade metabólica a princípio seja de 25 kcal por peso consome, por dia, 1.750 kcal. Para que ocorrra a perda de peso e ela entre no déficit calórico, ela teria que passar a consumir 20 kcal para cada quilograma de peso (70 kg x 20 kcal), totalizando 1.400 kcal por dia.
Nessa conta, é importante também considerar o gasto energético durante a atividade física. E confiar só nos dispositivos que calculam quanto estamos queimando enquanto nos exercitamos nem sempre é uma boa. Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford (EUA), por exemplo, comparou sete rastreadores de pulso diferentes e descobriu que as estimativas de calorias mais precisas estavam erradas em 27%, enquanto as menos precisas chegaram a destoar em 93%.
Comer menos sempre significa perder peso?
No geral, sim, mas essa não é uma conta exata. Fatores como metabolismo mais lento ou "defeitos" na utilização da energia dos alimentos, por exemplo, podem causar resistência à perda de peso.
"O metabolismo influencia diretamente o déficit calórico, pois o gasto energético é diretamente proporcional à taxa de tecido adiposo armazenado, e este, por sua vez, retarda o gasto energético", ressalta Renata Oliveira, nutricionista da clínica Melhor Nutrir, em Salvador, e doutora em medicina e saúde humana.
Ela reforça ainda que a perda de peso não pode ser associada apenas ao consumo de alimentos em maior ou menor quantidade. "Claro que selecionar os alimentos, as combinações e os tamanhos de porções pode influenciar, mas tudo vai depender de cada indivíduo, da genética de cada um", diz.
Ela explica ainda que a relação com o alimento deve ser vista como mais um fator e não o único, já que existem outros tão importantes quanto, como variação de hormônios, prática de atividade física e questões emocionais associadas às escolhas alimentares. Horas de sono e uso de medicamentos com corticoides também podem influenciar no resultado final.
Outro ponto importante é o tipo de alimento que se escolhe durante esse processo de déficit calórico. "A caloria do lanche de fast-food não é a mesma caloria de arroz, feijão, legumes e verduras. Ambos podem ter a mesma quantidade calórica, mas a função dentro do organismo é diferente", pontua Andrea Ferrara. Ela afirma que, ao priorizar alimentos antioxidantes e anti-inflamatórios, as células do corpo funcionam de forma mais eficiente e, consequentemente, consegue-se um resultado melhor.
"Hoje, temos vários aplicativos que podem auxiliar nesse cálculo de calorias. Mas acredito que o melhor é ter uma nutrição equilibrada, rica em fitoquímicos, em antioxidantes e anti-inflamatórios, que aí vão ter um outro efeito no organismo, no emagrecimento e na manutenção desse emagrecimento", finaliza.