Bolsonaro tinha 'abdome hostil', segundo médicos; o que isso significa?

O chefe da equipe médica de Jair Bolsonaro (PL), responsável pela cirurgia de 12 horas a que o ex-presidente foi submetido anteontem para tratar uma obstrução intestinal, descreveu o seu abdome como "hostil". Ele segue em recuperação na UTI do Hospital DF Star, em Brasília.

O presidente tinha um abdome hostil, com muitas cirurgias prévias, aderências causando um quadro de obstrução intestinal. Uma parede abdominal bastante danificada em função da facada e das cirurgias prévias. Cláudio Biroloni, chefe da equipe médica, em coletiva ontem

O que é um abdome hostil?

Quadro é resultado de várias cirurgias. O abdome hostil é definido como uma "complicação severa, resultado de múltiplas intervenções cirúrgicas de emergência realizadas para controlar processos sépticos (infecciosos) abdominais", entre outras condições, por um estudo de caso publicado por uma equipe do Hospital Obrero, do Fundo Nacional de Saúde da Bolívia, na Biblioteca Bireme da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) e OMS (Organização Mundial da Saúde).

Abdome hostil também tem outras causas comuns. Entre elas estão a perfuração intestinal devido à doença de Crohn, fibrose crônica (cicatrização excessiva) devido à radioterapia por feixe externo, sequelas de vazamentos anastomóticos (ruptura de uma sutura que une dois canais do corpo), ferimento traumático ou aderências formadas após cirurgias anteriores. Estes últimos dois exemplos são o caso de Bolsonaro, devido às cirurgias para reparar o intestino após a facada que sofreu na campanha eleitoral de 2018.

O que é a tal aderência? É uma faixa de tecido com a aparência de um filme plástico ou de bandagens que une outros dois tecidos. Ela é uma reação do corpo para reparar algum dano e, por isso, é comum surgir a aderência após uma cirurgia, infecção ou trauma, explica o site da Rede D'Or São Luiz.

Se você abrir o abdome de alguém que nunca teve cirurgia, o intestino é todo soltinho. Em quem já foi operado quatro, cinco, seis vezes, as alças intestinais ficam todas agrupadas. Cláudio Biroloni, em coletiva ontem

Criações de ostomias também levam à formação do quadro. Ostomia é a abertura abdominal criada por uma cirurgia para a passagem de fezes e secreções, a qual é ligada uma bolsa para a retirada dos excrementos, enquanto o restante do intestino se recupera do trauma. O ex-presidente precisou de uma ostomia logo após a cirurgia de reparo da facada.

Necessidade de outras cirurgias para corrigir o abdome hostil é esperada. Segundo uma análise publicada na revista científica Clinics in Colon and Rectal Surgery por cirurgiões do hospital Wake Forest University Baptist Health, no estado da Carolina do Norte (EUA), "de tempos em tempos, o cirurgião será requisitado para cuidar de um paciente com uma perda significativa da anatomia abdominal normal".

Intestino delicado está "fragmentado e frequentemente cheio de cicatrizes". Os especialistas ainda descrevem o abdome hostil com muitas aderências como algo que foi "congelado em uma só massa sólida". Como as alças acabam se "colando", esta situação pode levar a obstruções intestinais, como aconteceu com Bolsonaro, e necessitar uma nova manipulação do intestino para que ele recupere o seu trânsito normal.

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Sem nova cirurgia, quadro pode se agravar. Um editorial do Scandinavian Journal of Surgery de 2008 descreve o abdome hostil como um "pesadelo cirúrgico" para o médico. Mas, sem a intervenção, o paciente pode ter fístulas (aberturas anormais entre partes do corpo) que levam o conteúdo intestinal a outras partes e causam infecções, além da retração da parede abdominal e síndrome compartimental —quando a pressão aumenta tanto dentro do abdome que pode levar à falência de órgãos e à morte.

Cada cirurgia inicia um novo processo de cicatrização. Por isso, novas aderências podem se formar.

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