Você sai da consulta sem entender nada? Veja perguntas certas para fazer

Toni Cordell tinha 30 anos quando foi ao ginecologista para falar de um problema que, segundo o médico, poderia ser facilmente resolvido. Parecia ótimo e as únicas perguntas que ela fez foram quando e onde faria o procedimento. Depois, assinou vários papéis, sem compreender bem o que estava escrito.

Quando criança, condições de saúde dificultaram seu aprendizado e ela teve uma baixa alfabetização. Mesmo preocupada com algumas palavras nos documentos, ficou com vergonha de tirar dúvidas e sabia que devia assiná-los para ter o que precisava.

Semanas depois, na consulta de retorno, a enfermeira perguntou como Toni se sentia após a histerectomia, ou seja, retirada do útero. "Não sei se já ouvi esse termo no consultório médico e, se estava nos papéis, eu não li", disse.

Por fora, ela agiu o mais natural possível, mas por dentro sentiu-se violada. "Como pude ser tão idiota para permitir que alguém tirasse algo do meu corpo sem eu saber?", pensou.

A história que Toni conta em palestras, com vídeos na internet, mostra a importância de compreender informações em saúde e o risco do desconhecimento.

De um lado, entender bem o que está acontecendo te dá mais autonomia para cuidar de si, sem deixar todas as decisões nas mãos de outra pessoa. De outro, não saber pode levar a consequências que vão desde tomar o medicamento errado até a morte.

O risco de não saber

Um estudo que acompanhou pacientes hospitalizados por insuficiência cardíaca aguda associou a menor alfabetização em saúde a um risco maior de morte. Esse letramento em saúde se resume nas habilidades que uma pessoa tem para pesquisar, entender, avaliar e aplicar informações sobre saúde no dia a dia para tomar decisões melhores.

Mas há barreiras para o letramento em saúde, como conteúdos muito técnicos, de difícil compreensão; profissionais de saúde não treinados para traduzir conceitos aos pacientes; falta de educação básica de qualidade, que dificulta entender questões mais complexas; e pacientes que não se sentem à vontade para questionar médicos.

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Perguntas para fazer na consulta

O Instituto para Melhoria da Saúde incentiva uma comunicação aberta entre pacientes e profissionais de saúde e sugere três perguntas essenciais para se fazer a quem te atende na unidade de saúde:

Qual é o meu principal problema? Faça essa pergunta a médicos, enfermeiros, farmacêuticos ou outro profissional de saúde quando estiver se preparando para um exame, procedimento médico ou receber um medicamento.

O que eu devo fazer? Se não entender a explicação, diga ao profissional de saúde e peça para falar de novo de forma mais simples, tire suas dúvidas. Você pode dizer: "Isso é novidade para mim. Poderia me explicar mais uma vez, por favor?" Não se sinta pressionado ou envergonhado.

Por que é importante que eu faça isso? É importante que você entenda os motivos para fazer um exame, procedimento ou começar a tomar um medicamento.

O médico Guilherme Barcellos é coordenador da CWB (Choosing Wisely Brasil), organização que incentiva a conversa sobre procedimentos e exames em excesso ou, por vezes, desnecessários. Ele propõe mais cinco perguntas quando um procedimento, tratamento ou exame é pedido:

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Eu realmente preciso disso?

O que comprova que isso tem benefício?

Quais são os riscos, as desvantagens?

Tem opções mais simples ou mais seguras?

O que pode acontecer se eu não fizer isso agora e adiar a decisão para depois?

Já o médico de família e comunidade Rogério Malveira acrescenta duas perguntas para quando um tratamento é recomendado:

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Como eu sei que o tratamento está funcionando?

O que posso sentir fazendo esse tratamento?

Essas perguntas te ajudam a ter as informações necessárias para cuidar melhor da sua saúde ou de pessoas ao seu redor. Para o dia da consulta, Barcellos sugere anotar dúvidas para conversar com o médico. Se possível, pesquise sobre o tema em sites de instituições oficiais, como de hospitais e órgãos públicos (Ministério da Saúde, secretarias de saúde).

Mas cuidado com os conteúdos de influenciadores na internet. Um estudo mostrou que cerca de 85% das publicações no Instagram e no TikTok sobre exames médicos dão orientações falsas, enganosas ou potencialmente prejudiciais. "Pessoas não devem ser referências, por melhores que sejam", diz Barcellos.

Cuidando da sua saúde

Na sua rotina de consultas, exames e tratamentos, saiba que:

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Você pode e deve fazer perguntas ao profissional de saúde e contar a sua história.

É bom ter uma curiosidade saudável, numa conversa leve e empática. "Fazer perguntas de forma combativa não é bom para o paciente", diz Barcellos.

Você deve levar na consulta os remédios que costuma tomar no dia a dia.

O profissional da saúde não pode se sentir desafiado ou descredibilizado pelas suas perguntas. Mesmo que você não tire dúvidas, o profissional deve tomar a iniciativa de te explicar.

Geralmente não existem soluções milagrosas, únicas e rápidas. Tirando os casos de emergência, as condutas podem ser feitas com calma, após uma reflexão.

"Os tratamentos e intervenções não são pílulas mágicas", diz Barcellos, e às vezes um tratamento menos invasivo ou um nível abaixo de outro é mais seguro do que aquele que trará um benefício pequeno.

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Você tem direito a buscar a opinião de outro profissional e tomar uma decisão compartilhada. Mas isso não significa só ouvir profissionais diferentes e escolher com qual seguir.

"O ideal é que seja garantido o direito à informação apropriada e que a pessoa tome, com o médico, a decisão final, eventualmente moldando um pouco a decisão primária do médico a partir dos seus valores", diz o coordenador da CWB. Cabe aqui, por exemplo, dizer que você não quer fazer intervenções invasivas e deseja uma alternativa.

A cirurgiã de cabeça e pescoço Raquel Ajub Moyses conta que já julgou pacientes por chegarem ao consultório sem conhecimento do que tinham, mas viu que esse comportamento prejudica todo o sistema de saúde.

"Temos de mudar essa cultura. Hoje, tenho essa responsabilidade pra mim, de que eu não sou só responsável pelo que falo, mas pelo que o paciente entende", afirma. Na outra ponta, nós, pacientes, devemos rever a ideia de que o profissional vai resolver tudo e nos enxergar como parte do processo e das decisões.

O que os médicos podem fazer?

Malveira defende o atendimento centrado no paciente. "Desde o início da consulta, tem de estabelecer o vínculo e criar um ambiente de segurança para que a pessoa sinta confiança. Isso passa pela questão da empatia", diz.

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Na hora da explicação, o que é dito e a forma como se diz influenciam na compreensão. Estima-se que de 40% a 80% das informações passadas por profissionais de saúde são esquecidas imediatamente. Além disso, quase metade das informações que são lembradas está incorreta.

Para evitar problemas, vale utilizar algumas técnicas:

Fazer perguntas mais fechadas.

Revisar o que a pessoa falou.

Pedir para o paciente explicar de volta o que ele entendeu.

Considerar sempre o mínimo necessário para se falar na consulta.

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Explicar o que pode acontecer no tratamento.

Em vez de perguntar "você entendeu?", usar "expliquei bem?".

Moyses lembra que todas as pessoas podem ter dificuldade de compreensão, independente do grau de instrução. "Mesmo letrado, o paciente está em situação de vulnerabilidade, o que vai impactar na compreensão dele", diz.

Além da comunicação oral, Malveira cita a comunicação escrita. Não só pela letra do médico de que muitos reclamam, mas pelas instruções de como tomar a medicação, por exemplo. Foi para amenizar esse problema que ele criou a Pulsares, plataforma que deixa as receitas numa linguagem mais acessível, inclusive com desenhos.

A cirurgiã também sugere que os profissionais deem materiais visuais para os pacientes ou façam desenhos para explicar como será um procedimento. "O erro médico pode ser na compreensão errada do procedimento", afirma.

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