Ozempic: como veneno de lagarto que só come 6 vezes por ano revelou remédio

A análise do veneno do lagarto monstro-de-gila foi a chave para o desenvolvimento de remédios como o Ozempic, Wegovy e Mounjaro, as "canetas emagrecedoras" consideradas revolucionárias para o tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade.

Estudos levaram à descoberta de uma enzima que orientou o mecanismo das medicações, que simula a ação do GLP-1 —hormônio que inibe a fome e regula o nível de açúcar no sangue (glicemia).

O animal, da espécie Heloderma suspectum, é natural da América do Norte, encontrado só em regiões a oeste do México e dos Estados Unidos. "Seu veneno é composto por mais de uma dezena de proteínas", explica a bióloga Daniella França, doutora pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e que estuda répteis há 17 anos.

No entanto, o constituinte do veneno que teve mais atenção dos pesquisadores foi a exendina-4, que é específica dessa espécie e tornou-se base de medicamentos para o tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade.
Daniella França, bióloga

Não é a primeira vez que cientistas analisam o veneno de animais para desenvolver um remédio. O processo é antigo e já ajudou a criar medicamentos contra a hipertensão arterial e anticoagulantes, por exemplo.

Remédios como Ozempic, Wegovy e Mounjaro controlam a glicemia e levam à perda de peso
Remédios como Ozempic, Wegovy e Mounjaro controlam a glicemia e levam à perda de peso Imagem: Getty Images

Qual a relação do veneno com as 'canetas emagrecedoras'?

O monstro-de-gila se alimenta pouco: segundo a Universidade de Queensland, na Austrália, o animal já fez apenas seis refeições em um ano.

Esse baixo padrão alimentar é explicado pela presença da enzima exendina-4 no veneno, que surgiu após mutações para os animais imobilizarem pequenas presas. "Como o veneno é composto por proteínas e peptídeos, mutações genéticas aleatórias podem ocorrer ao longo das gerações", diz França.

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Isso foi de grande valia, pois os répteis são predadores oportunistas, aqueles que não caçam ativamente e nem sempre têm alimento disponível. "Eles comem ovos e pequenos animais, mas, por serem relativamente lentos, aguardam em locais estratégicos onde pode ter a passagem dos pequenos animais, como corpos-d'água."

Cientistas descobriram que a substância também tinha ação na glicose, seguindo um padrão semelhante ao do GLP-1. A principal diferença é que a enzima fica muito mais tempo no organismo dos lagartos em comparação ao hormônio no corpo humano, o que explica o longo período sem fome dos animais.

Lagarto monstro-de-gila é encontrado na América do Norte, em regiões dos EUA e México
Lagarto monstro-de-gila é encontrado na América do Norte, em regiões dos EUA e México Imagem: Getty Images/iStockphoto

Répteis passam até anos sem comer

Os répteis são conhecidos por passarem longos períodos sem se alimentar. Isso se deve a vários fatores, mas em especial a sua fisiologia e estratégias de sobrevivência.

Animais de sangue frio — ou ectotérmicos —, que regulam a temperatura corporal conforme o ambiente, eles têm um metabolismo mais lento em relação aos de sangue quente — ou endotérmicos, como aves e mamíferos. "Isso significa que precisam de menos energia para manter as funções vitais, o que possibilita viver com menos alimentos por períodos mais longos", explica França.

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Outro benefício é a capacidade de armazenar gordura, que permite passar até anos usando sua reserva de energia sem precisar comer. O acúmulo é depositado especialmente em regiões como a cauda e os órgãos internos.

Os répteis também são muito eficientes no uso da energia, apresentando comportamentos que minimizam o gasto, como permanecer em locais mais frescos ou aquecidos para evitar flutuações extremas de temperatura.
Daniella França

Nos períodos em que a alimentação é pouca ou inexistente, os animais ainda podem entrar em estado de estivação, que lembra a hibernação dos mamíferos. "Crocodilianos, como os jacarés, por exemplo, são conhecidos por sua capacidade de sobreviver durante longos períodos sem se alimentar, realizando estivação enterrados em partes mais úmidas do solo, em lagos e partes de rios secos", exemplifica França.

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