Mulher com Down desenvolve Alzheimer sem demência e surpreende médicos

O caso de uma paciente de mais de 60 anos com síndrome de Down e doença de Alzheimer que não desenvolveu demência surpreendeu médicos nos EUA — e esclareceu como as doenças se desenvolvem juntas.

A descoberta foi publicada no jornal científico Alzheimer's & Dementia em 27 de janeiro pelos cientistas do Consórcio de Biomarcadores de Alzheimer e Síndrome de Down da Universidade da Califórnia em Irvine e da Universidade de Pittsburgh.

"Inexplicável"

Mulher foi estudada por 10 anos. O time de pesquisadores monitorava seu quadro de síndrome de Down, assim como os de outros pacientes, para verificar por que este tipo de paciente tinha um risco de mais de 90% de desenvolver a doença de Alzheimer ao envelhecer. No entanto, ela nunca apresentou sintomas de demência.

Alzheimer foi descoberto apenas através de exames de imagem após a sua morte. O cérebro da paciente foi doado aos pesquisadores, que submeteram o órgão a ressonâncias magnéticas de alta definição no programa de pesquisa em bioengenharia da Universidade de Pittsburgh.

Seu cérebro tinha o estado — a neuropatologia — daquele de alguém com Alzheimer, mas ela manteve as funções cognitivas estáveis ao longo da vida. O achado surpreendeu os pesquisadores. "Acreditamos que sua estabilidade cognitiva pode ter sido atribuída ao seu alto nível de educação ou outros fatores genéticos subjacentes", apontou a bioengenheira e pós-doutoranda Jr Jiun Jean Liou, de Pittsburgh.

Além da década sob a avaliação dos pesquisadores do consórcio, a paciente em questão já havia participado de outros dois estudos financiados pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA. Nenhum revelou perda cognitiva ao longo de 31 anos monitorados de sua vida. Até sua morte, ela se manteve ativa cozinhando suas próprias refeições e fazendo suas compras e não mostrou alterações de comportamento.

Apesar das dificuldades impostas pela síndrome, ela estudou em instituições particulares de ensino durante a infância e a adolescência. Os programas eram voltados para alunos com deficiências intelectuais.

Cientistas ainda não encontraram uma resposta definitiva para explicar por que a paciente nunca apresentou demência. No entanto, o estudo aponta alguns mecanismos compensatórios que possam ser a "chave". Um deles é a possibilidade de que ela tivesse maior "reserva cerebral", ou seja, maior densidade de sinapses e maior número de neurônios saudáveis — o que indicaria que ela só exibiria sinais de demência posteriormente, caso tivesse sobrevivido.

Outra teoria é a da "vantagem genética". É possível que ela tivesse mutações genéticas que oferecessem resistência à demência, inibindo a formação de emaranhados neurofibrilares, uma alteração dos neurônios. Seu cérebro simplesmente poderia ser mais capacitado para lidar com proteínas danificadas.

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Se pudermos identificar os fundamentos genéticos ou fatores de estilo de vida que permitiram ao cérebro dela funcionar bem apesar da doença, podemos descobrir estratégias que podem beneficiar outros [pacientes com síndrome de Down]. Este estudo mostra como a participação de uma só pessoa em uma pesquisa pode levar a descobertas profundas.
Elizabeth Head, professora de patologia e medicina laboratorial da Universidade da Califórnia em Irvine, em comunicado

Os pesquisadores pretendem investigar mais a fundo em estudo futuro o seu tipo de Down. Em alguns indivíduos com tipo específico de mosaicismo, algumas células só possuem o par típico do cromossomo 21, ou seja, é como se elas não sofressem da síndrome como outras células vizinhas. É possível que este tipo de alteração desse à paciente menor susceptibilidade à doença de Alzheimer.

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