'Todos pareciam mentir para mim': ela perdeu memória após bater a cabeça
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Você já imaginou perder a memória e não lembrar de momentos e nem de pessoas que conheceu nos últimos cinco anos? Parece história de filme, mas essa é a situação vivida pela dona de casa Débora Gomes de Oliveira Silva, 21.
O caso aconteceu em Natal, no Rio Grande do Norte, no último dia 26 de novembro de 2024. Desde essa data, a vida de Débora deu um looping e ela simplesmente não lembra os últimos cinco anos de sua vida. Entre os acontecimentos estão o nascimento de seu filho, que hoje tem cinco anos, e um relacionamento que tem um pouco mais de dois anos.
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"Já tinha desmaiado diversas vezes"
Era para ser uma terça-feira normal quando Débora desmaiou. Ela bateu a cabeça forte no chão, o que resultou em vermelhidão e inchaço. Ela conta que sofria desmaios constantemente, mas nunca havia batido a cabeça dessa forma. "Já tinha desmaiado diversas vezes, mas nunca me machuquei", lembra.
No dia do ocorrido, ela estava com o namorado, o eletricista Rafael Moura, 29, que a socorreu imediatamente. Ao acordar, Débora disse que se sentia confusa.
Eu não sabia de quase nada quando acordei. Não reconhecia minha casa, meu namorado e muito menos meu filho. Só sabia que estava no lugar errado. Não era minha casa, nada ali era conhecido. Mas lembrei da minha mãe e pedi para chamá-la.
Débora Gomes de Oliveira Silva
Assim que a mãe chegou, Rafael e Denise (mãe de Débora) levaram a jovem para um hospital próximo, onde ocorreu o primeiro atendimento. Como a jovem se sentia confusa, o namorado e a mãe a levaram a um segundo hospital, desta vez o Monsenhor Walfredo Gurgel.
No local, ela passou mal novamente e sofreu um novo desmaio. Ficou em observação. Nos exames (ressonância e eletroencefalograma), não houve diagnóstico de trauma ou lesão no cérebro. Nada de anormal foi acusado. Ainda no hospital, o médico explicou que a perda de memória ocorreu em razão da forte pancada na cabeça.
Além da perda de memória, cujos danos investiga até hoje, Débora começou a sofrer crises de convulsão após esse acidente. "A primeira vez que tive espasmos e rigidez muscular, havia acabado de sair do trabalho e estava indo para casa. Foi uma sensação horrível", comenta.
Débora diz que não sabe se as crises convulsivas ocorreram após ter batido a cabeça forte no chão. "Antes, quando eu só desmaiava, os médicos achavam que não me alimentava direito e sempre falavam para melhorar a minha alimentação. Hoje, a situação é mais crítica".
Para controlar as convulsões, Débora toma remédios e também faz acompanhamento psicológico, para superar o trauma de não reconhecer pessoas próximas.
Confiar nas pessoas
Débora conta que sua maior dificuldade é se aceitar como mãe e confiar nas pessoas que estão ao seu redor.
Todos pareciam estar mentindo para mim o tempo inteiro. Não entendia como tinha criado o meu filho. Só me lembrava dele quando ele era bebê. Essa fase de crescimento dele, não lembro. Débora Gomes de Oliveira Silva
Foi com a ajuda e a paciência do namorado que Débora conseguiu retomar a vida aos poucos. Para ele, passar por esse transtorno foi bem difícil. "Fiquei bem abalado, mas decidimos tentar novamente e fazer por onde dar certo. Com alguns sacrifícios, mas sempre com muito amor e esperança", disse Rafael.
Atualmente, a dona de casa conta que consegue viver uma vida normal. "As pessoas que estão ao meu redor, principalmente o meu namorado, foram fundamentais para que eu conseguisse me reerguer", lembra.
Para lidar com a frustração por perder lembranças incríveis, Débora resolveu compartilhar sua história no TikTok.
"No início, nem sabia da dimensão da internet. Hoje em dia, compartilhando minha rotina, ganhei uma certa visibilidade. Infelizmente, também recebi muitas críticas porque a maior parte das pessoas nunca viu um caso assim. Mas fico feliz por conseguir mostrar que casos como o meu e até piores ocorrem frequentemente. Criei uma rede de apoio enorme e com meus relatos consegui ajudar outras pessoas."
Lapsos de memória
Marco Antonio Spinelli, médico especializado em psiquiatria pela USP, explica que lapsos de memória podem ser comparados aos casos de intoxicação alcoólica, em uma escala menor. "A gente sabe de pessoas que tiveram uma bebedeira muito severa e apagou uma, duas horas ou até a noite inteira. Muitas vezes nem consegue lembrar como chegou e nem onde estava", explica.
Ele acredita que o caso de Débora pode ser uma epilepsia que não estava bem controlada. As epilepsias do lobo temporal, que é uma região do cérebro, são fundamentais para a formação de novas memórias.
"Na hora que você tem um trauma de crânio suficientemente severo, como foi o caso de Débora, é natural que haja lapsos." Com relação à recuperação, Marco disse que não dá para precisar se voltarão todas as memórias ou não. "É algo muito particular e vai depender do organismo dela", enfatiza.
O médico lembra que nestes casos não existe um medicamento específico para recuperar a memória. O próprio corpo que vai responder e recuperar essa lacuna.
Spinelli explica que os casos de transtorno de memória, pelo menos no consultório de psiquiatria, são por ansiedade, depressão e por problemas de sono.
Muitas pessoas chegam na consulta e dizem: tenho um avô, tenho um pai que teve Alzheimer e eu estou tendo também. Isso não é verdade. A pessoa está com uma péssima higiene de sono e não tem um sono reparador. Pode estar muita ansiosa, às vezes, até deprimida. Isso tudo atrapalha o processamento de memória.
Marco Antonio Spinelli, psiquiatra
Nestes casos, quando a perda de memória e os esquecimentos são constantes, é sempre importante procurar ajuda médica e passar por clínico geral, psiquiatra e neurologista para chegar a um diagnóstico preciso.
Rede de apoio
Para a psicóloga Renata Lourenço do Nascimento, quando alguém perde a memória, a família e as pessoas à sua volta têm um papel fundamental no processo de recuperação, pois são a rede de apoio.
Primeiramente, eles devem entender o que está se passando com a pessoa que perdeu a memória. Devem ser informados sobre os tipos de perdas de memórias e os possíveis efeitos emocionais e comportamentais que esta perda pode causar. Se ficarem forçando a pessoa a lembrar de algo, isso pode aumentar o estresse e dificultar o tratamento. As informações devem ser introduzidas naturalmente e gradativamente, estimulando de maneira tranquila e leve, sem exigir que ela tenha uma lembrança.
Renata Lourenço do Nascimento, psicóloga
Outra dica dada pela profissional é criar um ambiente acolhedor onde a pessoa se sinta confortável e confiante para expressar seus sentimentos e frustrações. "É importante, criar uma rotina estruturada para que o cérebro crie conexões e também elogiar a pessoa quando alguma lembrança for reativada como um reforço positivo".
Incentivar a pessoa a participar de atividades sociais e que estimulem o seu cognitivo, como jogos de tabuleiro ou de cartas, quebra-cabeças, conversas com amigos, são essenciais, mas, sempre respeitando o tempo e o espaço de quem está em tratamento.
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