Açúcar vicia? Não é bem assim, mas há explicação para o desejo constante

O açúcar está presente em muitos alimentos e bebidas do nosso dia a dia, principalmente nos industrializados e ultraprocessados, como doces, biscoitos e refrigerantes. Mas será que ele é realmente viciante, como muitos dizem por aí?

Você já deve ter visto o açúcar sendo comparado com drogas como álcool, tabaco e sintéticos, no sentido de "viciar". Isso está principalmente associado à ideia de que a ingestão frequente de doces pode levar à compulsão e ao desejo por mais açúcar.

Açúcar realmente vicia? O que diz a ciência

Essa pergunta não é tão simples de responder, até porque muitas pesquisas para entender os efeitos do açúcar no corpo se limitam a experimentos com animais.

Em um estudo, por exemplo, a ideia de que o açúcar pode causar vício foi abordada de forma crítica. Embora muitos afirmem sentir que são "dependentes" de doces e alimentos ricos em açúcar, os cientistas não chegaram a um consenso sobre se esse alimento realmente tem o poder de criar uma dependência como outras substâncias, como o álcool ou o tabaco.

"Ainda que haja uma necessidade urgente de abordar essas preocupações (com relação ao vício em açúcar), é perigoso tirar conclusões fortes sobre a validade do vício em açúcar com base nas evidências atuais", conclui o estudo.

Uma outra pesquisa, feita com camundongos, mostrou que o acesso intermitente ao açúcar induz comportamentos e alterações cerebrais análogos ao vício em drogas, embora menos intensos. "Isso sugere que o açúcar, em condições específicas (ex.: privação seguida de consumo excessivo), pode ter propriedades viciantes", diz o estudo.

Os resultados ainda apoiam a ideia de que transtornos alimentares e obesidade podem envolver mecanismos de dependência em açúcar, destacando a necessidade de abordagens terapêuticas que considerem esses paralelos.

No geral, especialistas consultados pela reportagem acreditam que, embora o açúcar ative centros de prazer no cérebro, isso não é suficiente para concluir que ele cause vício de forma semelhante a outras substâncias — por isso, estudos mais específicos e feitos com humanos, são necessários.

Por que gostamos tanto de açúcar?

Apesar de o açúcar não causar dependência como as drogas, um fato é: ele mexe com nossos hormônios.

Continua após a publicidade

"Gostamos muito de açúcar porque ele aumenta a dopamina, que é um hormônio que traz felicidade", destaca o nutrólogo Felipe Gazoni. "Nosso corpo em si é 'viciado' em dopamina e serotonina. Por exemplo, temos pessoas que 'viciam' em academia, esportes radicais, entre outros, porque essas coisas liberam muita dopamina e serotonina, e o corpo sempre quer mais", diz.

Isso vem desde os tempos ancestrais, quando nosso organismo desenvolveu mecanismos para buscar alimentos ricos em açúcar simplesmente porque eles fornecem energia rápida, essencial para a sobrevivência.

"A glicose (principal tipo de açúcar) é a principal fonte de energia do cérebro e dos músculos. Em tempos antigos, quando a comida era escassa, os humanos que buscavam e consumiam alimentos doces (como frutas) tinham mais energia e chances de sobreviver", explica a nutricionista Andrea Ferrara, da Clínica Bottura.

Segundo ela, ao longo de milhares de anos, nosso cérebro aprendeu a associar sabor doce a um tipo de comida segura e nutritiva, reforçando nosso desejo por alimentos açucarados. "No passado, o açúcar era difícil de encontrar, então nossos ancestrais comiam o máximo possível quando o encontravam", diz Ferrara.

Ela destaca que hoje, porém, o açúcar é abundante, mas nosso cérebro ainda funciona como se estivéssemos na pré-história, buscando sempre mais. Esse hábito, embora difícil de quebrar, não implica, necessariamente, em algo que podemos chamar de dependência química, como é o caso de drogas como álcool e tabaco.

Facilidade de acesso e memória afetiva

Nosso desejo por açúcar é natural e tem razões evolutivas, mas o ambiente moderno tornou o consumo excessivo e problemático. O açúcar é fácil de ser consumido de forma intermitente, o que ativa um centro de recompensa do cérebro e de algumas áreas relacionadas à memória afetiva.

Continua após a publicidade

"O açúcar vai modificando toda essa neurotransmissão do centro de recompensa do cérebro e vai fazendo com que o indivíduo busque sempre esse item como uma fonte de prazer", fala Eduardo Perin, psiquiatra e psicoterapeuta pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)."Então, por exemplo, se a pessoa está entediada, ela busca o açúcar para se satisfazer. Se está ansiosa, se está feliz, se está cansada, ela busca o açúcar. Há aí uma memória afetiva do açúcar que faz a pessoa querer mais e mais", completa.

Assim, podemos entender que, para além das questões químicas, as experiências que a pessoa sente em relação ao açúcar faz com que ela se torne "dependente". "Por isso muitas pessoas realmente têm uma dificuldade muito grande para diminuir o açúcar da dieta", explica.

O que fazer para diminuir a vontade por doce?

Embora o vício em açúcar ainda seja um tema controverso, todas as evidências apontam para a necessidade de moderação no consumo de alimentos ricos em açúcar. Para aqueles que se sentem "dependentes", a recomendação é focar em mudanças graduais de hábitos.

A remoção das tentações e a substituição de alimentos doces por alternativas mais saudáveis, como frutas, podem ser um bom ponto de partida. Além disso, buscar recompensas não alimentares, como atividades prazerosas ou momentos de relaxamento, pode ajudar a quebrar os ciclos de compulsão alimentar.

"A chave está em quebrar o ciclo vicioso e reeducar o paladar de forma gradual e saudável. Tente diminuir aos poucos o açúcar no café ou aquele que adiciona em bebidas e preparações, substitua sobremesas açucaradas por frutas e escolha produtos sem adição de açúcar", recomenda Ferrara.

Continua após a publicidade

O açúcar não é algo proibido, ele faz parte também da nossa alimentação, mas, quando o uso é excessivo e prejudicial, é hora de buscar ajuda. "Em alguns casos, pode ser necessário procurar ajuda médica e até uma terapia cognitivo-comportamental para trabalhar esses aspectos de 'dependência'", completa Eduardo Perin.

Fontes: Andrea Ferrara, nutricionista graduada em nutrição pela São Camilo e clínica e funcional da Clínica Bottura, pós- graduada em nutrição clínica em gastroenterologia; Murilo Pereira, em nutrição clínica funcional pela VP Consultoria em Nutrição, em fisiologia do exercício pela Unifesp e em nutrição hospitalar em pediatria pelo Hospital das Clínicas da FMUSP; Eduardo Perin, psiquiatra e psicoterapeuta pela Unifesp, especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da USP; Felipe Gazoni, médico nutrólogo, atua na área de emagrecimento, hipertrofia, performance e longevidade com saúde, é pós-graduado pela Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) em obesidade e sarcopenia.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.