Ele doou medula duas vezes: 'Me senti honrado. Um ato simples pode salvar'

O aposentado Wilmar Nery da Silva, 62, tomou uma decisão nos anos 1990 que, mais tarde, mudaria outras duas vidas. Ele virou um doador de medula óssea em duas ocasiões diferentes.

Tudo começou quando o sogro passou por uma cirurgia e precisou de uma transfusão. Nery se prontificou a fazer uma doação de sangue para repor os bancos em um hemocentro em Mato Grosso do Sul.

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Na ocasião, fomos até o hemocentro para apoiar a reposição do banco de sangue. Ali, fiquei conhecendo o programa de doação de medula óssea, o Redome (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea) e fiz o cadastro para isso também.
Wilmar Nery da Silva

Naquela época, ele não tinha muita informação sobre a doação de medula, mas sabia o principal: os benefícios para um paciente. "Foi algo voluntário mesmo, sem um destino certo."

'Me senti honrado'

Muitos anos depois, em 2016, a primeira receptora compatível apareceu: era uma menina, que foi salva graças à doação.

Recebi uma ligação e, na hora, me senti honrado pela possibilidade de doação. A receptora tinha 9 anos na ocasião e fui até Curitiba [ele saiu de Campo Grande] para fazer a doação. Fiquei internado em um dia e, no outro, já estava liberado. Por um ato simples, a gente pode salvar uma vida.
Wilmar Nery da Silva

Após um tempo da doação, o Redome permite que o doador manifeste a intenção de conhecer o receptor. "E eu fiz isso. A conheci em Minas Gerais, na festa de aniversário dela."

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Viajamos até lá e fomos muito bem recebidos pela família e toda a comunidade. Foi muito bonito. A mãe dela era enfermeira da cidade e já havia perdido uma filha anteriormente com a mesma doença. Foi muito especial estar lá.
Wilmar Nery da Silva

Nery conta que se colocou no lugar da família, em sofrimento pelo risco de perder a criança. "Foi um misto de vários sentimentos. Imaginei que aquela vida foi salva por um gesto simples. Eu tenho filhos e netos, então me coloquei muito no lugar daquela mãe. A gente não quer ser herói, mas simplesmente participar daquele momento. Foi uma sensação indescritível estar lá."

'Sinto carinho grande por elas'

O que ele não esperava é que surgisse outra pessoa que poderia se beneficiar da doação: em 2019, foi a vez de Nery ajudar uma jovem de 24 anos. A doação de medula nesse caso foi feita por um método diferente do que ocorreu no primeiro caso (leia mais abaixo) e a jovem também se recuperou.

Há dois anos, ele esteve em São Paulo e foi a vez de conhecer a segunda receptora.

"O encontro foi na casa do meu cunhado. Conversamos muito e até falei com a mãe dela, que estava na Bahia, por telefone. Fizemos uma chamada de vídeo com a primeira receptora e foi um momento muito legal."

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Até hoje, ele mantém contato pelas redes sociais com as receptoras. "E vira e mexe fazemos alguns telefonemas. Veio um novo convite de aniversário para Minas Gerais e pretendemos ir. Sinto um carinho muito grande por elas."

Nery conta com o apoio da família que, inclusive, decidiu aumentar o banco de doadores. "Em todas as viagens, minha esposa me ajudou e incentivou. Ela mesma virou doadora —e meus dois filhos também. Já não posso mais doar medula pela idade e por já ter doado duas vezes, mas quero continuar doando sangue e incentivando que as pessoas façam isso."

O que me motiva é o bem e a felicidade do próximo. Me encanta a possibilidade de um ato simples transformar a vida de uma pessoa, que sai do estágio de necessidade para a saúde plena. O mais importante de tudo isso é que a doação deu certo, evoluiu para o bem e as duas estão gozando de perfeita saúde agora.
Wilmar Nery da Silva

Como funciona a doação de medula?

Transplante de medula óssea pode salvar a vida de um paciente
Transplante de medula óssea pode salvar a vida de um paciente Imagem: iStock

Pessoas entre 18 e 35 anos podem se cadastrar para serem doadores de medula óssea no Brasil. Alguns critérios são observados pelo Redome, como estar em bom estado geral de saúde e não ter doença que impeça o cadastro e a doação. Veja aqui.

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Após o cadastro, o doador é procurado caso exista um paciente com compatibilidade. A busca é baseada em um sistema que analisa os genes das pessoas. A probabilidade de um indivíduo encontrar um doador ideal entre irmãos é de 25%, enquanto a chance de encontrar um doador a partir de bancos de dados de medula óssea nacionais é de 1 em 100 mil. O Brasil, por sua vez, tem o terceiro maior registro de dados de medula óssea do mundo, com cerca de 50 milhões de pessoas cadastradas.

As pessoas não doam a medula de primeira, elas apenas colhem o exame. Então, os profissionais cruzam o exame do doador com o de um paciente que precisa para encontrar a compatibilidade. Existem outras formas de doação de medula óssea, como a partir do cordão umbilical, em casos pediátricos.
Nelson Hamerschlak, hematologista e coordenador do Programa de Hematologia e Transplantes de Medula Óssea do Hospital Israelita Albert Einstein

O procedimento para a doação —punção ou aférese— depende de cada caso. Toda situação é tratada de forma individual. Cada opção tem vantagens e desvantagens, e a decisão dependerá da necessidade do paciente, das possibilidades do doador e das circunstâncias da doença. No caso de Nery, a primeira doação foi por punção e a segunda, por aférese.

A doação por punção é um procedimento em que o doador é anestesiado e a medula óssea é retirada do osso da bacia dele. Já a aférese ocorre por meio do sangue: as células-tronco são colhidas por uma máquina. A quantidade de medula óssea doada é rapidamente resposta pelo organismo —dessa forma, não ocorre esgotamento de sua reserva de células-tronco.

A doação de medula óssea é essencial para o tratamento de doenças hematológicas graves, como leucemia e linfoma, ou de doenças genética, como anemia falciforme. Por sigilo médico, as condições das receptoras no caso de Nery não foram informadas.

O Brasil já tem grande número de doadores, mas é necessário ampliar os nichos. Segundo Hamerschlak, com as mudanças sociais do Brasil, como movimentos de migrações, outras características genéticas foram incluídas no mapa do país. Assim, um dos desafios é ampliar a base de dados genéticos para contemplar essa diversidade.

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Conseguimos identificar precocemente a gravidade de uma doença que precisa de transplante de medula, como uma leucemia, que é um candidato a transplante. Por uma série de características baseada em dados, podemos saber a chance de cura da pessoa. E, por isso, a importância da doação de medula óssea.
Nelson Hamerschlak, hematologista

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