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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Entre dores e cirurgias, João Carlos Martins desafia a medicina há décadas

João Carlos Martins fará apenas participações especiais após sua aposentadoria Imagem: Keiny Andrade

De VivaBem, em São Paulo

13/02/2025 05h30

Você pode não conhecer nenhuma composição de Bach ou Beethoven, mas sabe quem é João Carlos Martins, 85. O maestro dedica-se ao piano desde a infância, mesmo que a saúde tenha o desafiado algumas vezes.

Completando 76 anos de carreira, dos quais 14 precisou se afastar da música por causa de dores nas mãos, João Carlos Martins decidiu se aposentar. Em uma entrevista exclusiva a VivaBem na sala de sua casa —onde o teto tem formato de piano— o maestro contou que sua última apresentação será em Nova York, no Carnegie Hall, em maio deste ano.

Não vou parar por completo, farei participações especiais. Tenho 85 anos e uma meta de vida que é deixar um legado, que não sei se vou atingir. Tanto pela música, quanto pela ciência.

Com suas luvas, João Carlos Martins consegue tocar piano lindamente Imagem: Keiny Andrade

Além de desenvolver aulas gravadas para crianças aprenderem o tocar piano, o maestro quer se dedicar a encontrar a cura para a doença que fez com que tocar se tornasse um ato de dor —mas também amor— para ele: a distonia focal.

VivaBem: Quando o senhor se apaixonou pelo piano e pela música clássica?
João Carlos Martins:
Tinha sete anos e já tinha feito três cirurgias por causa de um tumor no pescoço. A primeira foi mal realizada, e a segunda tentou arrumar a primeira. Como consequência, o cisto que tinha cresceu muito e vazava pus toda vez que comia. As crianças faziam bullying.

João Carlos Martins passa por cirurgias desde os 7 anos Imagem: Keiny Andrade

Então meu pai comprou um piano e me colocou para aprender. Em 15 dias, já estava tocando a primeira sonata.

Quando percebeu os primeiros sinais da distonia focal do músico [este é o nome da doença do maestro]?
Comecei a fazer concertos com oito anos. Lá na minha adolescência, entre 16 ou 17 anos, não sei dizer ao certo, percebi que depois de alguns concertos minhas mãos começavam a fazer movimentos involuntários.

Minha carreira internacional começou aos 18. Nessa época, após tocar, passava a noite toda com esses movimentos involuntários nas mãos. Comecei a me preocupar.

A casa de João Carlos Martins é decorada com diversos pianos Imagem: Keiny Andrade

Eram como espasmos?
Era como se eu tivesse a doença de Parkinson. Pela manhã, quando acordava, percebia que estava tudo bem. Passadas duas horas, minhas mãos começavam a ter os movimentos.

Como solução, para continuar tocando, pedi para que meu empresário garantisse que sempre tivesse uma cama ou sofá no meu camarim. Assim, chegava cerca de três horas antes do show, dormia e acordava como novo.

Com meus 20 e poucos anos busquei ajuda médica e todos me diziam que era psicológico. Mas não é. Apenas em 1982 a OMS passou a considerar a distonia focal do músico como uma doença rara. Ainda não há cura.

João Carlos Martins vai se aposentar aos 85 anos Imagem: Keiny Andrade

Além dos espasmos, o senhor tinha dores?
Sim, muita. Existe uma diferença entre LER (lesão por esforço repetitivo) e a distonia focal do músico. A LER é periférica, a minha doença é no cérebro. Fiz tratamentos e cirurgias em diversos países.

Já fiz mais de 30 cirurgias, a maioria nas minhas mãos. Quando a dor se tornou muito insuportável, foi necessário cortar um pedaço do nervo. Fora isso, passei por dois acidentes: um jogando futebol, quando caí com o braço em cima de uma pedra, e uma lesão cerebral por conta de um assalto na Bulgária, em que fui agredido.

João Carlos Martins vai se aposentar aos 85 anos Imagem: Keiny Andrade

Quando percebeu que estava entre a cruz e a espada, ou seja, que machucava demais se dedicar à música?
Uma junta médica fez uma análise do meu caso e disse para eu esquecer a música, que nunca mais tocaria profissionalmente. Tocava 21 notas por segundo. Quando recebi a notícia, saí do consultório e fiquei andando sem rumo. Três dias depois, decidi que me tornaria maestro. E como já tinha 63 anos, queria criar minha fórmula. Não adiantaria estudar de novo.

E como foi a criação desse método pessoal para ser maestro?
Toquei com uns 70 maestros na minha vida. Quem faz música sabe transmitir uma mensagem. E a gesticulação é algo muito individual. Contudo, é necessário ter um conhecimento maior de todos os outros instrumentos. Fui me aperfeiçoando com o tempo.

Por mais de 20 anos regi sem partitura, decorei cerca de 150. Mas a covid-19 me tirou isso. A doença afetou minha memória e a minha audição.

Aos 85 anso, João Carlos Martins quer buscar a cura para a distonia focal do músico Imagem: Keiny Andrade

O senhor enfrenta a dor para tocar há muito tempo. Tem alguma situação que foi mais marcante?
Quando eu tinha 26 anos fiz um concerto com 39ºC de febre. No fim, fui ao hospital e descobri que estava com o apêndice estourado. Fui operado na mesma madrugada, tive complicações, uma embolia pulmonar e passei dois meses em coma.

A minha mais recente cirurgia, a trigésima, foi a retirada de um pólipo benigno na vesícula. Levei 14 pontos, fiquei mal após a operação porque tive uma inflamação.

O senhor passou por mais um cenário de doença grave tocando?
Passei 2023 inteiro regendo com muita dor nas pernas. Os médicos falaram que eu precisaria passar por uma cirurgia de reconstrução de quadril e que precisaria passar seis semanas em repouso absoluto. Mas eu não podia. Tinha um especial da Rede Globo para reger.

Falei para eles que a ciência cuidava do corpo, mas que a arte curava a alma. Que tinham que fazer um milagre e me colocar em pé em quatro dias. Consegui. Fiz o concerto em pé. Não quis usar cadeira de rodas.

João Carlos Martins começou a perceber que tinha algo de errado em suas mãos com 18 anos Imagem: Keiny Andrade

Hoje vejo que o senhor usa essa luva biônica o tempo todo?
Sim, faz uns cinco anos que elas foram desenvolvidas para mim. Postei um vídeo com ela, e Viola Davis e Michelle Pfeiffer, por exemplo, compartilharam. Chegou a 33 milhões de visualizações.

[Não mão direita ele consegue ficar sem, mas na esquerda só tira para tomar banho. O modelo foi desenvolvido pelo design industrial Ubiratan Bizarro Costa, são feitas sob medida e o par custa cerca de R$ 749. As luvas devolveram a ele movimentos nas mãos e permitiram que voltasse a tocar piano]

João Carlos Martins e um pequeno piano que ele tem em sua casa Imagem: Keiny Andrade

E por que você resolveu parar em definitivo agora?
Não vou parar por completo, farei participações especiais. Tenho 85 anos e uma meta de vida que é deixar um legado, que não sei se vou atingir. Tanto pela música, quanto pela ciência.

Já gravei quase toda a obra de Bach —o que foi uma vitória para meu ego—, mudei de carreira aos 63 anos e aos 85 farei de novo. Já mudei a posição das minhas mãos para tocar centenas de vezes. Cada vez que descobria algo novo, avisava aos médicos. Quero ficar nisso, a cura é um jogo de via dupla.

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