O que o calor e as chuvas têm a ver com o aumento dos casos de dengue?

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Os casos de dengue têm crescido com o aumento do calor e das chuvas, especialmente no estado de São Paulo. Rivaldo Venâncio, secretário-adjunto de Vigilância em Saúde e Ambiente, alertou que a região viu o dobro de casos em janeiro de 2025, em comparação com 2024.
No total, foram registrados mais de 170 mil doentes no primeiro mês do ano em todo o país. No dia 30 de janeiro, a cidade de São Paulo registrou sua primeira morte pela doença no ano.
Por que a dengue tem crescido com o calor e as chuvas?
Acúmulo de água e temperatura ideal. Acúmulo de água em poças, garrafas, vasos e outros locais cria maior número de ambientes ideais para fêmeas depositarem os ovos do mosquito Aedes aegypti. Já as altas temperaturas são necessárias para que eles possam eclodir e liberar mais mosquitos. São eles que carregam o vírus da dengue e contaminam seres humanos com suas picadas.
Desde a década de 1990, as temperaturas registradas a cada ano no Brasil têm ficado acima da média histórica. O dado é do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). Esta crescente climática favorece a adaptação do mosquito transmissor do vírus da dengue, apontou o Instituto Butantan.
Maioria esmagadora dos casos de 2025 está no Sudeste e no Sul. Apesar de serem regiões historicamente mais frias do que o Nordeste, ou menos úmidas do que o Norte do país, o risco pode ser maior devido à baixa exposição histórica da população ao vírus, o que resulta em menor imunidade natural, apontou a pesquisadora Cláudia Codeço, coordenadora do InfoDengue da Fiocruz, em podcast da entidade.
Cenário mudou na última década graças às mudanças climáticas. Chuvas acima da média e aumento de temperaturas médias garantiram que a região Sul alcançasse o segundo lugar nas taxas de incidência de dengue em 2022, conforme o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde; até meados de 2015, a presença de dengue na região era variável e pouco expressiva, de acordo com estudo da Universidade Federal do Paraná.
Centro-Oeste também já começa a ver mais dengue do que em anos anteriores por causa de queimadas. Região tinha média de cinco dias de anomalias climáticas durante o verão antes de 2020, este número chega a 20 a 30 dias atualmente. "É uma área que está sofrendo muitos processos de transformação, com geração de pastos, desmatamento, algumas queimadas, maior seca. Há aumento da frequência de dias quentes, anomalias climáticas", explicou Christovam Barcellos, pesquisador do Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz, à Agência Brasil em 2024.
Durante os anos 1990 e 2000, grandes cidades litorâneas e quentes, de Santos até Fortaleza, registravam os maiores surtos de dengue. "Agora, a gente tem surto de dengue, por exemplo, no Distrito Federal, onde a altitude é de cerca de 1.000 metros. Pela literatura tradicional, não era para ter casos, porque são regiões mais altas onde, à noite, geralmente, faz frio e o verão durava pouco, em geral de dezembro a março, e daí começava a diminuir a temperatura e ter uma seca muito forte. Esses padrões estão sendo alterados", comentou Barcellos na ocasião.
Sorotipo volta a crescer
Em 2024, o número de mortes por dengue aumentou 400% em relação a 2023. A doença se tornou mais letal do que a covid-19 no Brasil no último ano.
O sorotipo 3 da dengue voltou a crescer no Brasil, especialmente em SP, MG, AP e PR, nas últimas quatro semanas de dezembro. Durante 2024, o tipo de dengue que circulou de forma predominante foi o 1, identificado em 73,4% das amostras que testaram positivo para a doença, segundo o Ministério da Saúde. Mas o quadro começou a mudar em 2025.
Quero chamar a atenção porque o sorotipo 3 não circula no Brasil desde 2008. Temos 17 anos sem esse sorotipo circulando em maior quantidade. Então, temos muitas pessoas suscetíveis, que não entraram em contato com esse sorotipo e podem ter a doença. Essa é uma variável que nós estamos colocando no nosso COE [Centro de Operações de Emergência] para um monitoramento da circulação desses vírus. Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde, em coletiva de imprensa reportada pela agência Brasil
Uma projeção do Ministério da Saúde aponta que, em 2025, a maioria dos casos de dengue devem ser contabilizados nos seguintes estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Paraná. No entanto, especialistas não sabem ainda como o sorotipo 3 deve se espalhar. No total, são conhecidos quatro sorotipos do vírus responsável pela doença.
Aquecimento global aumenta chance de ter dengue até fora da temporada de verão. Segundo alerta de pesquisadores da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, na Inglaterra, publicado na revista The Lancet Planetary Health, cerca de 89% da população mundial estará em risco até o fim deste século.
Como identificar a dengue
Sintomas geralmente duram de cinco a dez dias. A dengue clássica apresenta sintomas como febre alta e de início súbito, dor de cabeça ou nos olhos, cansaço, dores musculares e nas articulações, falta de apetite, náuseas, tontura e erupções na pele. O período de recuperação pode se estender por semanas.
Na dengue grave, como o nome sugere, há o agravamento do estado de saúde, geralmente no terceiro ou quarto dia da doença. Os sinais incluem hemorragias, dor abdominal intensa e constante, fígado doloroso e palpável, queda da pressão arterial e choque, que é a principal causa de morte. Antes chamada de "dengue hemorrágica", a dengue grave acontece quando o organismo, uma vez sensibilizado pela doença, produz mais anticorpos para combatê-la, causando, sem querer, um "ataque" a si mesmo.
Apenas em casos leves e com orientação médica, é possível tratar os sintomas em casa com repouso, muita hidratação e analgésicos. Medicamentos anti-inflamatórios não hormonais e derivados do AAS (ácido acetilsalicílico) não devem ser ingeridos, pois aumentam o risco de hemorragia. Casos graves necessitam de internação. Por isso, ao suspeitar a dengue, procure um médico imediatamente.
Dicas para se proteger
Elimine focos de água parada. Para prevenir os surtos de dengue, é essencial adotar medidas simples e eficazes: tampe caixas d'água, cisternas e poços, e remova objetos como pneus, garrafas, tampinhas e recipientes descartáveis que possam acumular água. Além disso, limpe calhas e ralos regularmente para evitar o acúmulo de água.
Cuide das plantas e jardins. Evite usar pratos sob os vasos. Se forem necessários, coloque areia dentro deles até a borda para evitar a água parada. No caso de plantas aquáticas, troque a água semanalmente e limpe as bordas dos recipientes com escovas ou esponjas.
Atente-se ao lixo. Coloque o lixo em sacos plásticos bem fechados e em lixeiras tampadas. Evite descartá-lo em terrenos baldios ou vias públicas, uma vez que isso pode favorecer o surgimento de criadouros.
Use loções repelentes sobre a pele. Principalmente em áreas de alta incidência de mosquitos, essa ainda é a melhor maneira de se prevenir da doença. Você também pode instalar telas em janelas e portas, e usar mosquiteiros na hora de dormir.
Fique de olho na vizinhança. Denuncie locais com possíveis focos do mosquito, como terrenos baldios ou imóveis abandonados. Informe-se sobre a dengue e ajude a conscientizar os outros. Conheça os sinais e sintomas da doença e oriente amigos e familiares sobre as formas de prevenção.
E a vacina?
O Ministério da Saúde anunciou uma vacina de dose única contra a dengue, de produção nacional, nesta terça (25). Imunizante será destinado para toda a faixa etária de 2 a 59 anos. O governo diz que passará a disponibilizar 60 milhões de doses anuais a partir de 2026, com integração ao PNI (Programa Nacional de Imunizações). Já há pedido de registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Em 2023, a Anvisa aprovou a vacina Qdenga. No entanto, ela está disponível no SUS apenas para crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos, público que mais tem apresentado a doença. O imunizante de duas doses, aplicadas com um intervalo de 90 dias entre elas, protege contra os quatro sorotipos do vírus da dengue. Sua eficácia é de 69,8% para o sorotipo 1, 95,1% para o 2, e 48,9% para o 3, segundo estudos da SBim (Sociedade Brasileira de Imunizações).
Vacina é recomendada tanto para quem nunca teve dengue quanto para quem já foi infectado. Isso porque ela ajuda a evitar novas infecções e/ou reduzir a gravidade dos sintomas. Para quem teve dengue recentemente, é necessário aguardar seis meses antes da vacinação. A vacina não é indicada para gestantes, lactantes e pessoas com imunodeficiência.
*Com informações de matérias publicadas em 25/01/2023, 04/02/2025, 04/02/2025 e 10/02/2025.
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