Quem decide quais remédios vão pro SUS? Entenda processo e como participar

Você já se perguntou como um novo medicamento ou tratamento chega ao SUS (Sistema Único de Saúde)? Esse processo envolve a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias), órgão ligado ao Ministério da Saúde que avalia a segurança, eficácia e a viabilidade econômica de novos remédios, produtos, procedimentos ou vacinas para o sistema público.

A avaliação da Conitec é um processo amplo e participativo, que envolve especialistas em saúde e em Avaliação de Tecnologias em Saúde, por meio dos NATS (Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde).

Além disso, a sociedade é chamada a colaborar através das consultas públicas. Essa abordagem permite que pacientes, médicos, cuidadores, pesquisadores e até mesmo representantes da indústria farmacêutica compartilhem suas perspectivas, enriquecendo as discussões e influenciando as decisões finais do órgão.

Graças à participação social, medicamentos inicialmente considerados inviáveis devido ao alto custo, passaram a fazer parte do rol do SUS. Esse foi o caso, por exemplo, da terapia gênica para o tratamento da AME (Atrofia Muscular Espinhal) e do medicamento pertuzumabe, indicado em casos de câncer de mama.

De acordo com especialistas ouvidos por VivaBem, o fator econômico frequentemente é o principal obstáculo para a adoção de novas tecnologias no sistema de saúde. No entanto, estudos científicos apontam que entre 9% e 13% das recomendações iniciais desfavoráveis que foram submetidas à consulta pública acabaram sendo revertidas após o processo, demonstrando a relevância dessa etapa para reconsideração de decisões com base em novas informações ou negociações.

Durante esse processo, podem surgir oportunidades de negociação, muitas vezes incentivadas pelas próprias contribuições da indústria. Essas negociações podem incluir, por exemplo, propostas de redução de preços ou ajustes em valores relacionados à tecnologia em avaliação. Em alguns casos, até mesmo parcerias de desenvolvimento público-privado são discutidas. Alessandro Gonçalves Campolina, coordenador do Laboratório de Avaliação de Tecnologias em Saúde no Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo)

"A consulta pública oferece uma oportunidade de a sociedade participar do processo decisório, fortalecendo o sistema democrático e ajudando a construir um sistema de saúde mais eficiente e sustentável", explica Thisciane F. Pinto Gomes, farmacêutica coordenadora do Núcleo de Avaliação de tecnologias em Saúde do complexo hospitalar da UFC (Universidade Federal do Ceará).

Como funciona?

Processo de avaliação de tecnologias em saúde começa com a análise dos especialistas dos NATS. Eles sintetizam as evidências científicas sobre a nova tecnologia em um relatório que examina aspectos como eficácia, segurança, custo e impacto dessa inovação.

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Com base nesse documento, a Conitec emite uma recomendação inicial, que pode ser favorável ou desfavorável à incorporação da tecnologia.

A Conitec pode concluir: 'Somos favoráveis porque a eficácia é alta e o custo é aceitável' ou 'Somos desfavoráveis porque o custo é muito alto e os estudos disponíveis apresentam limitações. Rosa Camila Lucchetta, doutora em ciências farmacêuticas e pesquisadora do NATS do Hospital Alemão Oswaldo Cruz SP)

Recomendação inicial é publicada no site do Ministério da Saúde e aberta à consulta pública, um processo que dura, em média, 20 dias. As contribuições recebidas são categorizadas em dois grupos principais:

  • Técnico-científicas: realizadas por profissionais de saúde, embasadas em dados técnicos ou artigos científicos.
  • Relatos de experiência: enviados por pacientes e familiares, descrevendo vivências pessoais relacionadas à tecnologia avaliada.

Após o fim da consulta pública, todas as contribuições são analisadas, considerando o valor das informações apresentadas, e não apenas a quantidade de participações. Lucchetta destaca que o processo é sensível à profundidade e relevância das contribuições: "Relatos detalhados e fundamentados possuem maior influência na revisão das decisões". Pesquisas apontam, inclusive, que quando as contribuições vêm majoritariamente de pacientes e seus familiares, as chances de reverter uma recomendação inicial desfavorável aumentam.

Conitec tem um prazo de até 180 dias, prorrogáveis por mais 90, para tomar a decisão final e emitir seu relatório. A decisão final pode ser mantida ou alterada após considerar as evidências técnico-científicas, as necessidades dos pacientes e as opiniões da sociedade.

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Caso a tecnologia seja incorporada ao SUS, há um prazo máximo de 180 dias, a partir da publicação da decisão, para que ela seja disponibilizada aos pacientes. Esse processo reflete o compromisso com a transparência e a participação social, pilares essenciais para a melhoria contínua do sistema público de saúde, mas nem sempre é o que acontece na prática.

Como participar?

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Imagem: vchal/Getty Images/iStockphoto

Qualquer pessoa pode participar das consultas públicas. Um exemplo é a estudante de tecnologia da informação Danúbia Costa, que integra a Aafesp (Associação de Anemia Falciforme do estado de São Paulo).

Em janeiro, ela se manifestou favorável à incorporação do medicamento deferiprona, ampliando o acesso ao tratamento de sobrecarga de ferro para pacientes com a doença.

Para participar basta entrar no site da Conitec, selecionar a consulta pública para a qual deseja contribuir e preencher um formulário online, disponível após login com a conta gov.br. O formulário permite anexar documentos ou artigos científicos e compartilhar experiências pessoais.

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Impacto e desafios

Os especialistas consultados por VivaBem apontam que, embora a consulta pública seja uma ferramenta poderosa, há desafios para que a participação da sociedade seja mais efetiva.

Eles afirmam que o processo de avaliação de tecnologias de saúde é complexo, com relatórios técnicos que dificultam o entendimento até mesmo de especialistas. Para Lucchetta, "iniciativas de educação e letramento científico são fundamentais para ampliar a participação qualificada".

Campolina afirma que outro ponto crítico é o caráter unidirecional da consulta pública. "Hoje, ela se limita a receber opiniões, mas não promove um diálogo efetivo com a sociedade. Um modelo mais interativo, como audiências públicas, seria um avanço importante", sugere.

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