O que acontece na sua orelha quando você usa cotonete

Se você não está acostumado a ler as embalagens dos produtos que compra, observe as instruções de uso de alguma caixa de hastes flexíveis, popularmente conhecidas como cotonetes. A advertência é clara: o uso indevido leva a danos, principalmente no ouvido.

Apesar disso, o hábito de utilizar esses itens para limpar a orelha é cultural, e a prática persiste porque boa parte das pessoas não sabe que o cerume ou "cera" ali depositado, na verdade, não é sujeira.

Com poder de lubrificar, limpar, hidratar o canal do ouvido, e naturalmente proteger a orelha das impurezas contidas no ar —além da água, o cerume pode até parecer incômodo, mas precisa ser tratado com mais respeito.

Analisado um grupo de cerca de 400 pessoas, metade delas declara acreditar que o uso de hastes flexíveis é benéfico.

Mais da metade, porém, sabe dos riscos de usar esses itens, assim como de suas possíveis complicações. Dados publicados na revista médica Cureus - Journal of Medical Science.

O efeito no seu corpo

Os especialistas consultados concordam que parte dos problemas associados ao ouvido decorre do uso de hastes flexíveis para remover a cera. Assim, o conselho de todos eles é —"nada que seja menor que seu cotovelo deve ser colocado dentro do ouvido".

Confira os prejuízos mais frequentes de violar essa regra:

  • Bloqueio do sistema de limpeza
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A haste flexível parece ajudar na higiene da orelha, mas ela literalmente empurra a cera para dentro do canal do ouvido —algo como jogar a "sujeira" debaixo do tapete.

A cera fica presa na parte mais interna do ouvido, que é mais estreita e rígida.

Ali depositada, ela não tem como ser removida por meio do processo natural —ou seja, os movimentos da mandíbula (mastigação, bocejo, fala).

O cerume se acumula até se impactar.

Isso gera a sensação de uma audição limitada (abafamento).

Pode ocorrer entre crianças e adultos, mas é mais frequente entre idosos ou pessoas com atraso no desenvolvimento —populações consideradas de alto risco, incluídos os pequenos.

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Pessoas que usam aparelhos auditivos, fones ou protetores de ouvido intra-auriculares também têm maior incidência do problema.

  • Infecções facilitadas

O uso de cotonete para tentar coçar ou tirar a cera da região —mesmo na hora dos cuidados com bebês e crianças— pode levar a lesões na pele do ouvido. A depender da agressividade aplicada nessa manobra, esse risco aumenta.

O problema é que tal situação predispõe a infecções na parte externa da orelha (otite externa aguda).

Essa infecção pode ocorrer devido à proliferação de bactérias e até fungos, gerando dor, secreção e inchaço.

  • Perfuração do tímpano
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Definido como membrana —uma estrutura fininha— que separa a parte externa da orelha e a região média dela, o tímpano pode ser atingindo durante a tentativa de limpeza.

Trata-se de uma lesão mais grave que pode se manifestar com dor, secreção e levar a quadros mais crônicos, como a perda auditiva (condutiva), e pode requerer tratamento cirúrgico.

A perfuração pode acontecer como consequência de um movimento mais agressivo, mas também por acidente.

Neste último caso, enquanto o indivíduo faz a "limpeza" alguém o empurra e o cotonete penetra mais profundamente pelo canal.

Isso acontece entre adultos, assim como entre crianças que tenham acesso a esse tipo de item.

Saiba de onde vem a cera

Resultado de um processo natural e biológico, o cerume é uma secreção produzida pelas glândulas sebáceas (produzem sebo e a umidade da pele) e ceruminosas (produzem cerume), presentes na parte externa do canal do ouvido. Ela também é composta pela descamação de células mortas da pele.

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O cerume garante a lubrificação do canal auditivo externo, mantendo o pH adequado da região.

Ele contém enzimas que protegem contra bactérias e fungos.

Funciona como uma barreira contra a entrada de corpos estranhos (insetos —mosquitos, por exemplo; artrópodes —aranhas) e sujeira.

É expelido de forma espontânea em direção à parte mais externa da orelha por meio dos movimentos da mandíbula.

Alguns estudos científicos também descrevem o cerume como um elemento moderador das vibrações sonoras do ar e do barulho.

Por que eu tenho tanto cerume?

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Imagem: iStock

A tendência de ter mais cerume acumulado no canal auditivo depende das características de cada indivíduo. Confira alguns fatores envolvidos:

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Maior ou menor lubrificação promovida pelas glândulas sebáceas e ceruminosas.

Maior ou menor sudorese.

Tamanho e formato do canal auditivo (mais estreito ou mais largo).

Quando procurar ajuda

Toda mudança na orelha deve ser objeto de avaliação médica, e quando ela decorre do cerume impactado podem estar presentes os seguintes sintomas:

Redução da capacidade de ouvir

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Zumbido

Odor

Coceira

Dor

Sensação de ouvido tampado

Barulho no ouvido decorrente da barreira "construída" pelo cerume

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Sangramento

O médico indicado para essa avaliação é um otorrinolaringologista, mas o clínico geral pode examiná-lo e, se for o caso, encaminhá-lo para esse especialista.

Cuidado com a automedicação!

Seja por dificuldade de acesso a cuidados médicos, seja por desconhecimento, muitas vezes as pessoas acabam usando medicamentos anteriormente indicados para familiares e/ou conhecidos.

Os especialistas consultados afirmam que essa não é uma boa ideia porque há possibilidade de danos, sem falar que a sensação de ter o ouvido tampado nem sempre tem como causa o acúmulo de cera.

Situações como infecções, perfuração do tímpano, surdez súbita e tumores podem apresentar esse mesmo sintoma.

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Gotas para aplicar no ouvido podem conter componentes tóxicos para a orelha interna, prejudicando a audição e até o equilíbrio.

Fique longe do álcool. Caso haja perfuração do tímpano, a substância pode alcançar a orelha média. Além de ser tóxica para a região, pode causar dor.

O uso de cones ou velas também deve ser evitado: já foi descrito na literatura médica lesões no canal auditivo causadas pelo calor. Nos EUA, o FDA, agência que regula a segurança dos produtos, emitiu um aviso à população para evitarem tal prática, dado o alto risco de danos graves ao ouvido.

Fone de ouvido aumenta a cera?

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Imagem: Sanket Mishra/ Unsplash

Pode colaborar para isso. Afinal, ele funciona como um corpo estranho. O uso regular pode irritar a pele local e propiciar o maior acúmulo de cerume.

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Dicas de higiene segura

A sua orelha tem um mecanismo autolimpante, mas se sentir que tem de higienizar a parte mais externa dela, isso pode ser feito com a ajuda de uma gaze, lenço de tecido macio ou mesmo a toalha usada no banho. A principal regra, porém, é ser delicado.

A lavagem para a retirada da cera, quando indicada, só deve ser feita por um profissional.

A maioria das pessoas não precisa de um cronograma regular para prevenção do acúmulo de cera de ouvido, mas os que produzem mais cera podem procurar o otorrinolaringologista com maior frequência.

Adote o hábito de limpar os fones de ouvido para evitar a concentração de bactérias no local.

Seja cauteloso ao manipular a orelha, e evite o uso de cotonetes ou outros objetos como tampa de caneta, chaves ou clipes para coçar a região.

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Prefira usar tecidos secos e macios. O contato da orelha com água pode favorecer infecções como a otite externa.

Fontes: Bárbara Belmont, médica otorrinolaringologista com mestrado (Unifesp) e subespecialista em otologia, atuando no HUAC-UFCG (Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade Federal de Campina Grande), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Eduardo Tanaka Massuda, médico otorrinolaringologista, professor da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP, chefe da Divisão de Otorrinolaringologia e Otologia da mesma instituição; Fernando Balsalobre, médico otorrinolaringologista e vice-presidente de Comunicação da ABORL - CCF (Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial), e diretor da SOB (Sociedade Brasileira de Otologia); Nelson Douglas Ejzenbaum, médico pediatra e neonatologista com pós-graduação em alimentação infantil pela Nestlé Nutrition International e membro da Academia Americana de Pediatria. Revisão técnica: Bárbara Belmont.

Referências:

Sevy JO, Hohman MH, Singh A. Cerumen Impaction Removal. [Updated 2023 Mar 1]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK448155/

Schwartz SR, Magit AE et al. Clinical Practice Guideline (Update): Earwax (Cerumen Impaction). Otolaryngol Head Neck Surg. 2017. Disponível em https://doi.org/10.1177/0194599816671491

Shawish AM, Hobani AH et al. The Awareness Among Parents About Cotton Earbud (Q-tips) Use in Children in the Jazan Region, Saudi Arabia: A Cross-Sectional Study. Cureus. 2023. Disponível em https://doi.org/10.7759/cureus.43734

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