Consultoras de óleos essenciais fazem 'aula' com relatos milagrosos

Propagada por lideranças, a mensagem equivocada de que óleos essenciais são capazes de curar doenças ganha capilaridade e, na ponta, alcança "consultores", aqueles que têm contato direto com o cliente final.

"Abaixo" dos líderes na hierarquia da doTerra, uma das maiores marcas de óleos essenciais do mundo, eles repetem seus "ensinamentos" em publicações nas redes sociais ou diretamente com clientes em potencial.

Em sua maioria mulheres, as consultoras são atraídas para o negócio pelo discurso de lucros altos e liberdade na rotina —o que nem sempre acontece.

VivaBem conversou com uma dessas consultoras da empresa, que vive no Rio Grande do Norte e publicou um vídeo que viralizou no TikTok.

Nas imagens que ela compartilhou, uma mulher visivelmente emocionada aparece dizendo que a mãe dela, com Alzheimer, usou a mistura de alguns óleos (copaíba, olíbano e alecrim), inseridos dentro de uma cápsula, e, depois de uma semana, voltou a falar e a se lembrar do nome das pessoas.

"Ela ficou três dias sem rivotril, com óleo de lavanda, inalando, e aí eu passo no rosto dela. A pele dela melhorou. Há uma infinidade de benefícios", afirma a mulher do vídeo, sem citar marca.

Mulher aparece em vídeo falando do uso de óleos em caso de Alzheimer
Mulher aparece em vídeo falando do uso de óleos em caso de Alzheimer Imagem: Reprodução/TikTok

Até o momento, não há cura para o Alzheimer, apesar dos esforços da indústria farmacêutica. Os tratamentos disponíveis apenas adiam a progressão da doença, além de trazer melhoras na qualidade de vida do paciente. Além disso, médicos não indicam o óleo puro e aplicado diretamente na pele. Isso pode causar reações alérgicas ou formação de manchas.

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A consultora da doTerra replicou o vídeo, que passa de 40 mil visualizações, na própria rede social e, no mesmo post, respondia aos comentários falando que vende todos os produtos.

A reportagem entrou em contato com a mulher pelo WhatsApp, sem se identificar como jornalista, para entender mais. Ela respondeu por áudios, reproduzidos abaixo:

UOL: Meu avô tem Alzheimer. Os óleos podem realmente ajudá-lo?

Consultora: A gente sabe que o Alzheimer é uma doença sem cura e muito séria, mas o marido da minha cliente falou que, com o uso dos óleos essenciais, ele voltou a lembrar de coisas que tinha esquecido.

UOL: Mas tenho receio em testar com ele. É realmente indicado para doenças como o Alzheimer? Você é aromaterapeuta?

Consultora: Não sou aromaterapeuta, eu só sou consultora de bem-estar [da empresa doTerra]. Não precisa ter medo. Somos bem treinadas para estudar sobre as doenças. Eu não vou lhe enganar, não vou dizer que vai ficar curado, mas ele vai ter uma qualidade de vida melhor, assim como o marido da minha cliente, que lembrou algumas coisas.

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Médicos reforçam a falta de evidência do uso dos óleos para tratar Alzheimer.

A utilização de aromas é muito limitada. Pode deixar o ambiente com uma sensação maior de tranquilidade, mas não temos nada clinicamente significativo. Não consigo imaginar nenhum benefício além deste. Leonel Takada, neurologista da USP

'Aulas' para consultoras

A convite da consultora, a reportagem participou de duas aulas online sobre os supostos benefícios dos óleos essenciais. A formação é como uma aula para novas consultoras.

Em um desses encontros, com mais de 60 pessoas presentes, em sua maioria mulheres, a palestrante se dizia "psicóloga em formação", além de consultora da empresa.

O tema da aula era "Os 4 temperamentos humanos e os óleos essenciais que podem ser usados para cada um", com foco no uso dos produtos em crianças.

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Aula de que reportagem participou sem se identificar
Aula de que reportagem participou sem se identificar Imagem: Reprodução

Na lista de supostos benefícios, uma variedade: tratamento de ansiedade, úlceras, problemas no fígado, fungo ou parasita —tudo isso sem que qualquer tipo de estudo científico fosse citado.

Nos comentários pelos chats, muitas elogiavam os óleos, relatando bons resultados e fazendo outras perguntas para a palestrante que, aliás, é também "especializada em constelação familiar" (uma prática sem evidência científica, que pode violar os direitos humanos).

Quem define o tema de cada aula é o líder do grupo —as aulas aconteciam toda quinta-feira— e, em cada sessão, uma pessoa era escolhida para falar de um produto da empresa ou sobre algum tema específico.

Em outra aula do tipo, a palestrante, outra consultora da empresa, mas do "nível gold", dizia que uma cliente dela foi a única da empresa que não pegou covid-19, pois usava determinado óleo da doTerra —outra afirmação sem embasamento.

Nas aulas, ela também ensinava diversas formas de ingestão dos óleos, além de relacionar o produto com o alívio de certas doenças, como infecção urinária.

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Consultoras se 'infiltram' em grupos de Facebook

Reviews nas redes sociais também viram aliados para a venda dos produtos com alegações terapêuticas: as consultoras mais engajadas postam prints de clientes que comemoram os efeitos "milagrosos" após o uso dos óleos.

Post de consultora em grupo 'Mães de Autistas'
Post de consultora em grupo 'Mães de Autistas' Imagem: Reprodução/Facebook

No Facebook, por exemplo, os consultores aparecem "infiltrados" oferecendo a venda de óleos em grupos como "mães de autistas" ou "Alzheimer se cuida com amor".

Muitas vezes, ali estão pessoas desesperadas por algum tratamento.

Consultora em grupo de pacientes com Alzheimer
Consultora em grupo de pacientes com Alzheimer Imagem: Reprodução/Facebook
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Empresa diz que atua para coibir irregularidades

Em nota, a doTerra informou que as aulas e eventos individuais são de responsabilidade dos consultores porque "não é viável o controle de todas as interações individuais entre consultores e clientes".

Segundo a empresa, o compliance atua para coibir falas e práticas que não estejam em conformidade com os benefícios declarados do produto.

A doTerra fornece orientações e materiais educacionais aos seus consultores para ajudá-los a conduzir aulas e apresentações de forma ética e responsável, sem a presença de conteúdo que faça qualquer tipo de alegações terapêuticas, fora das regulamentações locais.
Nota da doTerra

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