'Tomava 4 copões de drinque por dia': elas contam por que pararam de beber

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A estudante Paula Gomes, 19, passou a beber álcool o dia todo. E a podcaster Andrea Chociay, 40, notou que precisava sempre de mais bebida para se sentir "no grau".
As histórias de Paula e Andrea não são isoladas: o consumo abusivo de álcool cresceu entre as mulheres brasileiras nos últimos anos. E parar nem sempre é fácil: entram aí questões sociais e emocionais.
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Mas Paula e Andrea decidiram dar um basta: assustadas com o efeito no corpo, elas resolveram não beber mais álcool ou reduziram drasticamente o consumo. A VivaBem, elas contaram quando tomaram a decisão de abandonar os drinques.
'Não me sentia mais bêbada': o relato de Paula

"Meu hábito de beber começou depois que saí da casa dos meus pais e fui morar sozinha para cursar a faculdade. Como não tinha ninguém de olho em mim, me sentia mais livre e à vontade para fazer o que eu quisesse.
Comecei então a beber copões de drinques em casa. Fazia de três a quatro por dia, e como estava sozinha estudando, ficava bebendo o dia todo.
Não me sentia mais bêbada, mesmo com os quatro copos. Acho que meu corpo tinha se acostumado.
Paula Gomes
Às vezes, amigos me falavam coisas e eu não me lembrava de jeito algum. Não percebia que isso podia estar acontecendo por conta da bebida.
Não decidi parar de forma consciente, mas fiquei dois dias sem conseguir fazer os drinques porque não tinha os ingredientes. E foi sóbria que notei como eu estava esquecida. Parar de beber fez uma diferença imediata na minha vida.
Fui colocando metas para mim: se eu estava há dois dias sem beber, poderia ficar cinco. Ao chegar nos cinco, me propus ficar 10 dias sem beber. Quando vi, tinha chegado à marca de um mês e fui capaz de avaliar melhor os danos que o álcool causava.
Não foi um período fácil. Eu sentia a abstinência do álcool. Passei a ter insônia, meu rendimento caiu, minha energia não existia. Comecei a faltar na faculdade, tinha dores de cabeça. Foi só após o décimo dia que senti meu corpo se estabilizar.
Paula Gomes
Hoje em dia só bebo em eventos importantes e se sinto vontade —o que é raro. Não me arrependo de tomar essa decisão, mesmo que tenha parado recentemente, há cerca de três meses.
Continuo indo a festas com meus amigos e agora sou 'a sóbria'. Minha galera super entendeu e não me oferece mais nada."
'Tomava dois litros de cerveja em 90 minutos': o relato de Andrea

"Me lembro de beber muito desde a minha adolescência e o mesmo acontecia com amigos. Em todas as festas nós bebíamos. Quando vim morar em outra cidade para cursar faculdade, o consumo aumentou —chegando a níveis alarmantes.
Era como se a alegria não existisse se eu não estivesse bebendo e eu precisava de muito álcool para ficar bêbada.
Andrea Chociay
Era necessário consumir destilados em alto volume para que eu me sentisse 'no grau'. Isso me colocou em situações complicadas. Cheguei a parar em uma UPA para tomar glicose na veia e ser acordada.
A faculdade acabou, mas meu consumo de álcool se tornou algo rotineiro. O que era só aos sábados passou a ser às sextas, às quintas... E a pandemia chegou. Com ela, o home office. Aí a bebida tomou outra proporção na minha vida.
Comecei a sentir vontade de beber no período da tarde. Era lockdown, eu olhava para meu marido, às 15h, e dizia: 'Vamos abrir uma cerveja?'. Minha geladeira estava sempre abastecida, porque se tornou um hábito rotineiro.
A gota d'água veio durante a Copa do Mundo do Qatar. No fim de um dos jogos do Brasil, percebi que tinha tomado quatro copos de meio litro de cerveja, sem sentir, sem sinais de embriaguez, em 90 minutos. Foi aí que me questionei o que eu estava fazendo da minha vida.
Andrea Chociay

Decidi que não beberia mais. Tive de parar de frequentar alguns lugares para excluir completamente as chances de cruzar com bebidas. Perdi amizades que só queriam ficar perto da 'Andrea legal que bebia'. E outros inventaram desculpas, diziam que eu estava parando por ser 'bitolada no crossfit', mas sou praticante do esporte desde 2019 e sempre bebi.
Não conseguiam entender minha decisão.
A primeira virada do ano sem bebida foi difícil, pois tinha só 30 dias que eu tinha parado. Passei reclusa, em casa, com meu marido e dois amigos que não bebiam. Aceitei porque era minha decisão, mas não foi fácil.
Fiquei 365 dias sem beber e não senti falta. Hoje, só em casos muito especiais, como na formatura do meu irmão, quando tomei apenas um drinque. Acho até que meu paladar mudou. Não consigo mais beber como antes. Às vezes, sinto falta do 'docinho' do drinque, mas vodca e cerveja não consigo mais beber.
Sem bebida, senti que minha ansiedade melhorou demais. Com o álcool, você vai da euforia para a depressão. Ele é tóxico. Na hora te dá um barato legal, mas o ônus não compensa.
Andrea Chociay
Mulheres x álcool

Mulheres estão bebendo mais. Um estudo divulgado em 2024 pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) com dados do Ministério da Saúde mostrou que o consumo abusivo de álcool entre os homens está estável, mas entre as mulheres houve um aumento de 2010 a 2023 —de 10,5% para 15,2%. Os dados são do Vigitel, inquérito telefônico realizado pelo governo federal.
Os dados mostram aumento do consumo nocivo nas faixas etárias de 18 a 34 anos e de 35 a 54 anos. As maiores prevalências ocorrem entre mulheres de 18 e 34 anos. O relatório do Cisa explica que o consumo abusivo de álcool é um comportamento associado ao aumento de risco de envolvimento em acidentes e violência, além dos prejuízos sociais e econômicos.
Quais os riscos à saúde?
Mulheres que fazem uso nocivo de álcool podem desenvolver cirrose e hepatite alcoólica, explica o Cisa. Elas também são mais suscetíveis do que os homens a doenças cardíacas ligadas ao álcool e podem ter lapsos de memória e danos cerebrais. Elas têm de 5 a 9% mais risco de desenvolver câncer de mama do que mulheres que não bebem.
De um modo geral, o consumo excessivo de álcool coloca em risco a saúde e a integridade física, sendo associado a doenças cardiovasculares, câncer, acidentes de trânsito, quedas, afogamentos e lesões intencionais ou não intencionais. Também há repercussões sociais, incluindo problemas familiares, no trabalho e financeiros.
Existe ajuda para o alcoolismo

Quem tem dependência por álcool pode procurar tratamento, feito por uma equipe multidisciplinar. O apoio acontece com profissionais de psiquiatria, psicologia, enfermagem e educação física. O tratamento é definido após uma avaliação inicial, para entender a gravidade do problema.
A internação também pode ser necessária em casos graves, para desintoxicação. Há medicamentos que podem ser usados dentro ou fora da internação —para diminuir o desejo de consumir álcool ou amenizar os sintomas da crise de abstinência. Grupos de ajuda mútua também dão resultado.
Casos graves de dependência do álcool incluem:
- Fissura intensa, que é o desejo incontrolável de beber;
- Sintomas de abstinência quando para ou diminui o consumo, como coração acelerado, sudorese, tremor, convulsão e crise de hipertensão;
- Mecanismo de tolerância, em que a pessoa acaba tomando uma quantidade cada vez maior de álcool.
*Com informações de reportagem publicada em 22/10/2024
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