Pouco acesso à educação afeta memória no Brasil, mas saúde mental também

A falta de acesso à educação é o principal fator de risco para o declínio cognitivo (a perda de funções cerebrais como a memória, o raciocínio e a linguagem) no Brasil, apontou um estudo liderado por pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A pesquisa foi publicada na edição de fevereiro da revista científica The Lancet.

O que aconteceu

Cientistas analisaram dados sobre o envelhecimento. Eles avaliaram informações de 41 mil pessoas em cinco países da América Latina, sendo pouco mais de 9.400 no Brasil. Os países foram divididos em dois grupos socioeconômicos, de acordo com o Banco Mundial: Chile e Uruguai, considerados países de alta renda; Brasil, Colômbia e Equador, os países de economias de baixa a média renda.

Outros fatores foram incluídos na análise. Pesquisadores investigaram quantos anos a população de cada país tinha estudado, seus índices de hipertensão, isolamento, fumo, consumo de álcool, doença cardíaca, atividade física, quedas, diabetes, status socioeconômico, idade e sexo. No Brasil, a idade média dos participantes do estudo era menor do que aqueles em outros países, mas o seu nível de escolarização era maior, por exemplo.

Cálculo mostrou quais elementos influenciavam mais na perda cognitiva. Cientistas utilizaram as informações para calcular, com ferramentas de machine learning (modelos computacionais), quais elementos influenciavam mais a perda das funções cerebrais da população conforme envelheciam. No Brasil, a escolarização recebida pela população foi o fator que mais pesou no risco de o idoso desenvolver demência ou ter um declínio cognitivo semelhante.

Estudos anteriores já haviam apontado que o analfabetismo é um fator de risco importante para demência no Brasil. Neste trabalho, os pesquisadores concluíram que a baixa escolaridade, a instabilidade econômica e a insegurança social têm enorme impacto no envelhecimento do cérebro dos brasileiros nas regiões mais pobres do país.

As discrepâncias sociais no Brasil permitem comparações que não são possíveis em países mais desenvolvidos. Por exemplo, é possível acompanhar como um grupo mais escolarizado envelhece em relação a outro menos escolarizado.

Nos países mais pobres, não foi só escolarização que influenciou. Nos países mais pobres estudados, desigualdades sociais, problemas nos sistemas de educação e de saúde aumentaram os riscos de o idoso ter demência. Já nas áreas mais ricas, os fatores demográficos (idade, sexo etc.) pesavam mais.

Os maiores fatores de risco para o declínio cognitivo no Brasil

  1. Escolarização;
  2. Sintomas de saúde mental;
  3. Pouca atividade física;
  4. Fumo;
  5. Condições sociais e econômicas;
  6. Idade.
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No geral, saúde mental foi o que mais impactou

Em todos os países, fator de risco mais importante para a perda de cognição foram sintomas de saúde mental. Educação, o país em que se vive, níveis de atividade física, consumo de álcool, quedas, condições socioeconômicas, isolamento, idade e fumo vieram em seguida, em ordem do maior risco para o menor.

Educação e cuidados com saúde mental são estratégias de prevenção. O Brasil ainda possui um dos maiores índices de deficiência associadas a transtornos mentais do mundo, por isso os cientistas ressaltaram que a educação e a qualidade da saúde mental sejam priorizadas como estratégia de prevenção de doenças cerebrais no sistema de saúde pública. Exercícios físicos também foram considerados como um item de alta prioridade.

O que a escolaridade tem a ver com a demência? Pesquisas anteriores apontaram que estudar ajuda o cérebro a desenvolver mais sinapses, as ligações entre neurônios que passam informações. Mais ligações aumentariam a reserva cognitiva, ou seja, a habilidade do cérebro de lidar com danos ao seu funcionamento. Além disso, pessoas com maior acesso à educação tendem a ser melhor informadas sobre fumo, álcool, diabetes etc., e podem fazer escolhas mais saudáveis.

Estudo tem limitações, reconheceram pesquisadores. As origens mais diversas da nossa população (que recebeu migrantes de diferentes partes do globo), o fato de os brasileiros estudados serem mais jovens, em média, do que as populações de outros países, e o fato de respostas serem potencialmente tendenciosas em entrevistas foram apenas algumas das ressalvas apontadas pelos cientistas, que reconhecem que é preciso estudar mais de perto as características únicas da nossa população — e como envelhecem.

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