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'Fui chamado pelo nome': grávido, ele fez pré-natal voltado a pessoas trans

Lucas Bernardo Alves e sua mãe, Cláudia, após o parto na Maternidade Escola da UFRJ Imagem: Claudia Holanda/Comunicação Ebserh

De VivaBem, em São Paulo

25/01/2025 05h30

Lucas Bernardo Alves, 27, um homem trans, engravidou e tinha medo de que seu atendimento de pré-natal não fosse respeitoso com a sua identidade de gênero.

"Vão me chamar no feminino, pelo pronome errado ou vão me chamar de 'mamãe'", temia ele, quando descobriu a gestação.

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Isso não ocorreu, graças a um programa dedicado ao pré-natal de pessoas trans —o Transgesta, presente nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro. No estado do Rio, Lucas foi o primeiro atendido pelo programa.

Como tudo começou

Lucas ficou grávido durante uma pausa no processo de hormonização —parte das pessoas trans toma hormônios para que as características físicas se alinhem com o gênero com o qual elas se identificam.

No caso de Lucas, porém, a hormonização ocorria sem acompanhamento médico e, por medo de ter consequências em sua saúde, ele resolveu suspender.

"Eu tomava hormônios por conta própria e decidi parar para fazer da maneira correta, com a ajuda de médicos."

A gravidez não foi planejada e, aos quatro meses de gestação, sua ficha ainda não tinha caído. Ele tinha o apoio da mãe e do marido, mas ainda estava confuso sobre tudo e tentando processar o fato de que, em poucos meses, teria sua filha, Maria Cecília —que hoje tem apenas um mês de vida.

'Não entendiam o que estava fazendo lá'

Em uma unidade básica de saúde, ao buscar atendimento, ele se sentiu desconfortável.

Elas [grávidas que estavam no local] não entendiam o que eu estava fazendo lá. Depois que eu fazia a pesagem e recebia minha senha de ordem de chegada, eu as deixava passar na minha frente. Quando via uma brecha, entrava para fazer a consulta.
Lucas Bernardo Alves

Foi então que, após realizar uma ultrassonografia na Maternidade Escola da UFRJ, Lucas foi surpreendido por uma ligação: era Jair Braga, chefe da Divisão Médica do hospital.

Braga entrou em contato para oferecer um pré-natal personalizado para pessoas trans. "Ele estava em uma unidade básica de atendimento e não estava contente", lembra o obstetra.

'Tratado como deveria ser em qualquer lugar'

Eu fiquei surpreso porque não tive um tratamento diferente [no Transgesta]. Fui chamado pelo meu nome. Eu era simplesmente uma pessoa fazendo meu pré-natal lá, sendo tratado da maneira que deveria ser tratado em qualquer lugar.
Lucas Bernardo Alves

Além do pré-natal, Lucas também recebeu tratamento para um quadro de asma sem controle —a equipe do Transgesta é multidisciplinar, formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e psicoterapeutas, além do serviço social.

A atenção dos profissionais foi para Lucas a melhor parte do processo. "O ápice do pré-natal foi a equipe", conta.

Logo após o parto, Lucas foi colocado em uma acomodação só para ele, para evitar constrangimento ao ser visto por outras pessoas na maternidade.

Outro ponto importante para o recém-pai foi a vestimenta durante a internação. As mulheres gestantes geralmente usam camisola, mas Lucas pôde vestir um pijama de camiseta e calça, para que se sentisse à vontade.

"Não que eu seja melhor que as outras pessoas, mas a forma como me trataram me deixou mais seguro. Humanização deveria ser para todos", diz Lucas.

Por ter participado de um programa que tem a humanização como premissa, ele escolheu a via de parto, optando pela cesariana, e também quis amamentar.

Lucas Bernardo Alves e equipe médica após seu parto, na Maternidade Escola da UFRJ Imagem: Claudia Holanda/Comunicação Ebserh

'Podemos gerar conhecimento e capacitação'

Como nem tudo são flores, ele também teve dificuldades que muitas pessoas que passam por uma cesariana têm: demora na apojadura, a famosa "descida do leite".

Além disso, também sentiu muitas dores em seus primeiros dias de aleitamento e teve diversas dúvidas que foram atendidas pela equipe de aleitamento da maternidade.

Assim, Maria Cecília, que teve dificuldades para ganhar peso no início, ganhou alta das consultas semanais na pediatria e, enfim, pôde somente passar pelo acompanhamento mensal comum.

Eu disse para ele [o Lucas] que foi um aprendizado para a gente também. Foi o nosso primeiro caso. Eu acredito que nos próximos vai ser uma coisa muito mais natural. Poderemos gerar conhecimento e capacitação para que outras unidades, não só a nossa, estejam plenamente habilitadas a conduzir esses pacientes não só no pré-natal como também no parto.
Jair Braga

Após a experiência positiva com o Transgesta e o apoio que teve, Lucas agora tem vontade de ter outro filho: "Quero muito um menino".

Como é o pré-natal para pessoas trans

"Não existe diferença do ponto de vista clínico e obstétrico". É o que explica Fanny Barral, enfermeira da equipe Transgesta e chefe do ambulatório da maternidade Climério de Oliveira, da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

Aleitamento pode ser mais difícil. O uso da testosterona pode atrofiar as glândulas mamárias, levando a um maior nível de dificuldade a essas pessoas que utilizaram a substância e querem amamentar. Mas Barral diz que o programa oferece apoio para que as parcerias também possam amamentar e tanto pessoas cis quanto pessoas trans podem realizar a amamentação de seus filhos mesmo sem terem parido.

"Retirada dos hormônios pode causar depressão", alertou Penélope Saldanha Marinho, obstetra e diretora adjunta de atenção à saúde do Hospital Escola da UFRJ. É por este motivo que psiquiatras e psicólogos não podem faltar na equipe multidisciplinar do programa.

Riscos não são descartados. Braga conta que bebês de pessoas trans gestantes que usam o hormônio da testosterona podem sofrer consequências como a virilização do feto —uma condição que ocorre quando a genitália externa do feto se masculiniza, mesmo que o feto seja do sexo feminino. Mas também apontou sobre a raridade de isso acontecer. "Quando você está tomando hormônio, dificilmente vai ovular. A gravidez se torna mais difícil, naturalmente, a não ser que você já esteja no final desse processo."

Como surgiu o Transgesta

O programa Transgesta é resultado da indignação de um casal de pessoas trans, que cobrou um posicionamento da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia por uma atenção voltada à gestação de pessoas trans.

Caderneta de gestação do programa Transgesta, da Ebserh Imagem: Reprodução

A iniciativa partiu da EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). O grupo faz a gestão de 45 hospitais pelo Brasil, sendo 20 deles hospitais com maternidade e cinco maternidades especializadas.

A Bahia foi o primeiro estado a adotar o programa, em 2021. O estado já acompanhou a gestação de 10 homens trans e uma pessoa não-binária. Dos 11 pacientes, apenas um deles interrompeu a gestação —com aval da Justiça, por ter sofrido violência sexual. No Rio, a iniciativa é mais recente, tendo atendido apenas Lucas até hoje.

A caderneta de gestante foi modificada. A partir do pedido dos próprios pacientes, o documento, que contém informações importantes para a gestação, foi alterado para atender às especificidades do pré-natal de pessoas trans. Ele traz linguagem neutra, imagens predominantemente associadas ao feminino foram retiradas e até as cores utilizadas são as mesmas da bandeira do orgulho transgênero, composta por branco, rosa e azul claro. A caderneta é pública. Para acessá-la, clique aqui.

Desenvolver pessoas para lidarem com a gestação em todos os tipos de corpos é o maior objetivo. Foi por este motivo que o Transgesta foi concebido e desenvolvido em maternidades escola —espaços de formação de novos profissionais.

O Transgesta é muito importante também para que os profissionais que estão aqui nesse processo formativo tenham entendimento de outros corpos que gestam.
Fanny Barral

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